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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Tancos. DCIAP pediu detenção de militar colocado na República Centro Africana

Assalto em Tancos
Manuel Carlos Freire 25 Setembro 2018  19:40

Pedido foi entregue esta terça-feira no Estado-Maior General das Forças Armadas

Um dos elementos da PJ Militar (PJM) que o Ministério Público queria deter esta terça-feira, no âmbito do furto de Tancos, está colocado na República Centro-Africana e o DCIAP já pediu a sua detenção, soube o DN.

O oficial estava colocado na PJM quando se deu o furto em Tancos e foi um dos militares que interveio no processo de recuperação do material furtado, o qual está na base das detenções feitas esta terça-feira.

Na sequência da detenção do diretor da PJM e de outros elementos dessa polícia, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) enviou ao Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) o pedido para chamar aquele militar a Lisboa.

"Não comento", limitou-se a responder ao DN o porta-voz do EMGFA, estrutura responsável pelas forças militares no estrangeiro.

O diretor da PJM, coronel Luís Augusto Vieira, foi detido esta manhã. 
Durante a tarde estavam a ser feitas diligências para encontrar instalações em Lisboa - alternativas ao presídio militar de Tomar - onde ele pudesse ficar durante a noite, já que vai ser ouvido quarta-feira em tribunal.

A ordem de detenção do coronel Luís Vieira foi dada pelo chefe de gabinete do chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), major-general José Feliciano.

Tancos: principal suspeito do assalto foi detido na operação da Polícia Judiciária

Assalto em Tancos
Valentina Marcelino  25 Setembro 2018  13:21
Um dos detidos na operação desta manhã será o principal suspeito do assalto aos paióis de Tancos. 
O diretor da Judiciária Militar, militares da PJM

No seu comunicado sobre a operação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) refere que, além dos militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) e da GNR, foi também "detido um outro suspeito". 
Na lista de crimes em causa que a PGR apresenta está também "detenção de arma proibida e tráfico de armas". 
Fonte ligada à investigação não quis comentar por "ainda estarem em curso várias diligências".

Esta manhã o Ministério Público (MP) e a Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ fizeram buscas na sede da Polícia Judiciária Militar (PJM) - localizada no edifício do ministério da Defesa, em Lisboa - onde foi detido o diretor, Coronel Luís Vieira., em Lisboa e no Porto. 
Foram também realizadas buscas em vários locais nas zonas da Grande Lisboa, Algarve, Porto e Santarém. 
O comandante da GNR de Loulé está também entre os detidos. 
Há mandados de detenção para cerca de meia dezena de militares, incluindo oficiais.

A operação está relacionada com o furto do material militar em Tancos e visa militares da PJM e da GNR suspeitos de terem forjado a "recuperação" das armas, em conivência com o próprio autor do roubo. 
Segundo a PGR os suspeitos estão indiciados por "factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas".

O material foi parcialmente recuperado a 18 de outubro de 2017, 113 dias depois de ter sido detetado o seu desaparecimento dos paióis de Tancos, a 28 de junho. 
A PJM contou que tinha recebido uma "chamada na anónima" a dar conta da presença dos caixotes com o material perto da Chamusca, mas os inspetores da UNCT, na altura liderados por Luís Neves, o atual diretor nacional da PJ, notaram algumas incongruências na narrativa. 
Um novo inquérito foi aberto e vários militares foram colocados sob investigação.

Em comunicado a PJM anunciou que "na prossecução das suas diligências de investigação no âmbito do combate ao tráfico e comércio ilícito de material de guerra, recuperou (...) na região da Chamusca, com a colaboração do núcleo de investigação criminal da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Loulé, o material de guerra furtado dos Paióis Nacionais de Tancos". 
O texto levantou suspeitas.

Primeiro pelas "diligências de investigação" quando o inquérito ao furto estava sob coordenação da PJ que desconhecia; depois pelo envolvimento da GNR de Loulé, bem longe do local em causa. 
Nada disto fazia sentido para a UNCT, que não deu o caso por "encerrado" para surpresa da PJM e do próprio Chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, que, em janeiro deste ano, tinha declarado "encerrado" o cado. 
Nesta altura já corria a nova investigação.

Incómodo na PJM
Desde que o MP colocou a PJ à frente da investigação, que a PJM foi dando sinais que não se tinha conformado com a decisão. 
No entender dos militares este roubou tratava-se de um crime "estritamente militar" e a investigação era da sua competência. 
Mas o histórico dos fracassos das suas investigações noutros roubos de armas (Carregueira e Alfeite, por exemplo) e a quantidade de material em causa, não deixou à Procuradora-Geral da República grande margem de manobra. 
A 4 de julho de 2017 Joana Marques Vidal emitiu um comunicado a dar conta que podiam estar em causa crimes de associação criminosa e terrorismo, tráfico internacional de armas e que a investigação seria conduzida pela PJ, com a polícia militar a dar "total colaboração institucional".

Nesse mesmo dia, Marcelo Rebelo de Sousa deslocou-se a Tancos e encontrou-se com um conjunto alargado de altos responsáveis políticos e militares: o chefe do Estado-Maior General Forças Armadas (CEMGFA), o chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), o ministro da Defesa, o secretário de Estado da Defesa, o diretor da PJM, o inspetor responsável pela investigação da PJM e um elemento do laboratório científico daquela polícia.

Segundo relatou na altura o Observador, o chefe de Estado ouviu o diretor da PJM, coronel, Luís Vieira, a fazer um resumo dos últimos dias e dos obstáculos colocados pela PJ à sua investigação. 
Foi aí também que terá revelado uma informação que surpreendeu muitos dos presentes: o MP tinha sido avisado no início do ano de que estaria em preparação um assalto a uma instalação militar da zona centro (onde se localiza Tancos) e o CEMGFA não tinha sido informado. 
A revista Sábado  publicaria no dia seguinte toda a história.

Na verdade, o MP terá tentado investigar este alerta, mas as diligências, entre as quais colocar sob escuta alguns suspeitos, foram inviabilizadas por sucessivos juízes. 
No entanto, ao trazer a questão a público, Luís Vieira comprometeu a investigação do MP e da PJ, pois alertou os suspeitos sobre a vigilância que estavam já a ser sujeitos.

A relação entre as duas polícias foi ficando cada vez mais tensa, mas quando a PJM anuncia A "recuperação" do material e o transporta para Santa Margarida, sem sequer informar o MP nem a UNCT, gelou mesmo. 
Ao ponto da desconfiança da PJ resultar numa investigação à própria Judiciária Militar.

Quem é o diretor da Polícia Judiciária Militar?

Assalto em Tancos
DN/Lusa  25 Setembro 2018 — 22:40
O coronel Luís Vieira, que foi detido no âmbito de uma investigação ao caso de Tancos, está à frente da Polícia Judiciária Militar desde 2011. 
Ao longo da carreira recebeu várias condecorações

O coronel dos Comandos Luís Vieira, detido esta terça-feira pela PJ no âmbito de uma investigação ao caso de Tancos, entrou na Polícia Judiciária Militar em 2002 e ficou à frente daquele órgão em 2011, recebendo várias condecorações.

Nascido em Moimenta da Beira em 1953, o coronel Luís Vieira cursou a Academia Militar entre 1973 e 1977 e completou o curso de Comandos no ano seguinte.

Ao longo da carreira recebeu várias condecorações. 
Foi distinguido com a medalha Comportamento Exemplar grau Ouro, a da Defesa Nacional de 1.ª classe e a de Mérito Militar de 2.ª classe.

Licenciou-se em Direito na Universidade Lusíada em 1999 e tem várias pós-graduações, um curso intensivo de Contra-Terrorismo e fez também o curso de auditor de Segurança Interna.

Na Polícia Judiciária Militar (PJM), começou como defensor oficioso em 2002/2003 e nos anos seguintes foi defensor oficioso no Supremo Tribunal Militar e juiz militar no Tribunal Criminal do Porto.

Em 2009 chegou a subdiretor-geral e dois anos depois assumiu as funções de diretor-geral, com um mandato de cinco anos que foi renovado em 2016 por despacho do atual ministro da Defesa, Azeredo Lopes.

Em julho de 2010, passou à reserva, segundo a nota curricular que consta do despacho de nomeação, em comissão de serviço, por um período de cinco anos, renovável.

A Polícia Judiciária Militar depende hierarquicamente do Ministro da Defesa Nacional. Tem como missão "coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação criminal, desenvolver e promover as ações de prevenção e investigação criminal da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes".

O aparecimento do material militar furtado em Tancos foi revelado a 18 de outubro do ano passado pela Polícia Judiciária Militar, através de um comunicado, no qual adiantava que teve a colaboração do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.

Na altura, a PJM indicou que o material recuperado já se encontrava nos Paióis de Santa Margarida, à guarda do Exército.

O coronel Luís Augusto Vieira foi detido para interrogatório, ao fim da manhã desta terça-feira, nas instalações da PJM, no Restelo, pela Polícia Judiciária, na presença de um oficial de patente superior, major-general do Exército, segundo fontes militares.

Um comunicado da Procuradoria-Geral da República adiantou que o inquérito que deu origem às detenções - oito, quatro de elementos da PJM, três da GNR e um civil - "investigam-se as circunstâncias em que ocorreu o aparecimento, em 18 de outubro de 2017, na região da Chamusca, de material de guerra furtado em Tancos".

Os mandados de detenção visam quatro responsáveis da PJM, incluindo Luís Vieira, um civil e três elementos da GNR.

"Inverosímil, mas nada é impossível", diz antigo diretor da PJ Militar

Assalto em Tancos
Manuel Carlos Freire  25 Setembro 2018  21:17
Militares incrédulos com a acusação e detenção do diretor da PJ Militar e na expectativa sobre os indícios recolhidos pelo Ministério Público.

A detenção do diretor da PJ Militar (PJM) deixou a generalidade dos militares em choque, surpreendidos com o caso e incrédulos perante a fundamentação invocada pelo Ministério Público (MP).

"Não acredito que um diretor [da PJM] o faça", afirmou ao DN o major-general Rodolfo Begonha, ele próprio ex-diretor daquela polícia na dependência do ministro da Defesa - com quem a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, esteve esta manhã - e, em termos funcionais, do MP.

"É inverosímil, mas nada é impossível", afirmou Rodolfo Begonha, já que os investigadores colocam "as hipóteses todas" para esclarecer um caso aparentemente iniciado com uma chamada anónima - de várias que antes já tinham sido feitas - a alertar a PJM para ir a um certo local na zona da Chamusca.

Segundo várias fontes, investigadores da PJM e da GNR de Loulé que estavam na região a investigar outro caso relacionado também com tráfico de armas - oriundas de locais onde estavam ou tinham estado destacadas unidades militares portuguesas - foram, por isso, chamados ao local.

Para o general Rodolfo Begonha, a possibilidade de a PJM - leia-se Luís Vieira, atual diretor desde 2012 - negociar ou simular a entrega do material furtado é algo que "não está na cabeça de nenhum militar" fazer, nomeadamente àquele nível.

Mas dando como certo que o MP tem dados para fundamentar os pedidos de detenção do diretor e dos restantes três investigadores da PJM (bem como os da GNR de Loulé), Rodolfo Begonha manifestou reservas quanto à sua interpretação.

O general invocou o teor da acusação feita aos instrutores dos Comandos envolvidos na morte de dois recrutas em 2016 e que, na sua perspetiva, traduziu um "desconhecimento completo" sobre como funciona a instituição militar.

O MP "tem elementos concerteza", mas também "tem que ter provas", concluiu o antigo diretor da PJM.

Militares sem jeito para ser polícias?
Outras fontes, sob anonimato por não estarem autorizadas a falar, manifestaram ao DN a mesma estupefação com os acontecimentos desta terça-feira - e várias interrogaram-se sobre alguma ligação com eventuais tentativas de extinguir a PJM (desde logo no âmbito da reforma 2020, preparada e aprovada pelo governo anterior mas sem sucesso nesse ponto).

Para uma alta patente, "passou-se uma de duas coisas: ou alguém quer acabar com a PJM" - leia-se a PJ, que alegadamente tenta há anos ter autoridade para entrar nas unidades militares e investigar crimes ali ocorridos - "ou [os investigadores militares] puseram-se a jeito."

"Baseado em quê? Não conseguimos perceber" os fundamentos das detenções, acrescentou um oficial superior.

Para outra alta patente, a ser verdade a acusação do MP, "é de uma infantilidade brutal" alguém da PJM fazer aquilo e revelador de que "os militares não têm preparação para serem polícias".

O porquê parece difícil de perceber: a ser verdade que o coronel Luís Vieira participou numa simulação para entregar o material de guerra, fê-lo por razões corporativas? Para resolver um caso em investigação pela PJ? Para proteger alguém direta ou indiretamente ligado à instituição militar? Para mitigar o escândalo em que caiu o Exército, ao garantir que o material não ia parar a mãos criminosas?

Um terceiro oficial general considerou a própria existência da PJM como mais um exemplo de que há militares a querer ser e fazer coisas distintas das que competem às Forças Armadas.

Lembrando que a Justiça é um braço civil do Estado, a mesma fonte perguntou: "As Finanças têm uma polícia própria" para investigar crimes dentro das respetivas repartições?

O facto é que a PJM existe e na dependência do poder político, pelo que "não é militar" - estatuto que só pode ter o que depende das chefias militares, argumentou Rodolfo Begonha.

Mas, no contexto da tensão entre a PJ e a PJM que terá sido acentuada com a proibição do Exército em deixar os investigadores civis entrarem em Santa Margarida horas depois da recolha do material furtado, algumas fontes continuam a admitir essa realidade como explicação possível para o ocorrido esta terça-feira.

Tancos: um crime, uma farsa e uma investigação difícil

Assalto em Tancos
Valentina Marcelino  26 Setembro 2018 — 00:10
Em Tancos houve roubo, a suspeita de que a Polícia Judiciária Militar participou numa farsa quando o material de guerra foi devolvido, e uma investigação da PJ sobre a PJM. 
O caso tornou-se mais complexo e o diretor da PJM foi detido. 
Causas e razões ainda não são conhecidas. 
E do roubo de Tancos continua a pouco saber-se.

Húbris... 
Mais uma vez a Polícia Judiciária (PJ) deu a uma das suas operações um nome enigmático. A detenção de sete militares, quatro da Polícia Judiciária Militar (PJM), entre os quais o próprio diretor, e de três elementos da GNR, bem como do presumível autor do roubo, levou o nome de código Operação Húbris.

"Orgulho ou autoconfiança excessiva: arrogância; insolência" é o significado. 
Para os gregos, húbris era uma conduta desmedida considerada um desafio aos deuses e que acarreta a ruína de quem assim age. O DN questionou a PJ e a Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o porquê da escolha. "Foi o que se passou", é a tese da PJ e do Ministério Público, justificada por fonte diretamente envolvida na investigação. Tudo atribuído à PJ Militar.

Em causa estará a suspeita de que os militares agora detidos terão sido coniventes com os autores do roubo, não no assalto propriamente dito, mas na entrega do material de guerra furtado - recorde-se que o material foi encontrado três meses depois, na Chamusca, pela PJM. Os militares são suspeitos de terem encenado a entrega, em cumplicidade com o próprio autor do roubo - cujo crime terão ignorado, não comunicando à PJ, que era a dona da investigação, sequer este contacto.

Do roubo de Tancos e da forma como tudo decorreu, quem o proporcionou ou não, e se há mais envolvidos, ainda pouco se sabe. Um suspeito do roubo está detido - sabe-se que tinha ligações ao mundo criminal, nomeadamente ao tráfico de armas. Mas a investigação espera agora apurar o resto, nomeadamente se havia cumplicidades internas.

O confronto entre as duas polícias foi conhecido durante a investigação - mas não havia sinais de um desfecho destes. Segundo a PJ, os militares da PJM terão conspirado com o próprio autor do assalto para organizar a alegada "recuperação" do material de guerra. Se foi apenas por "orgulho, insolência e arrogância" - como indica o nome da operação e é convicção da PJ e do MP - ou por outro motivo, é o que está ainda por esclarecer no processo.

Em todo o caso, a questão é grave e motivou a detenção do próprio diretor da PJM, ontem. Aliás, as suspeitas são de "factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas".

Os primeiros relacionados com os militares, os três últimos com o suspeito do assalto. No entender dos responsáveis pela operação, os militares quiseram perturbar a investigação da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ, na altura liderada por Luís Neves, o atual diretor da PJ. Mas não há certeza de que tenha sido essa a motivação dos militares.

Dois momentos-chave dos problemas na investigação
1)- Há dois momentos-chave no processo, sempre na perspetiva da investigação do MP e da PJ. Seis dias depois do assalto, a 4 de julho de 2017, Marcelo Rebelo de Sousa deslocou-se a Tancos e encontrou-se com um conjunto alargado de altos responsáveis políticos e militares: o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), o chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), o ministro da Defesa, o secretário de Estado da Defesa, o diretor da PJM, o inspetor responsável pela investigação da PJM e um elemento do laboratório científico daquela polícia.

O chefe do Estado ouviu o diretor da PJM, coronel Luís Vieira, agora detido, a fazer um resumo dos últimos dias e dos obstáculos colocados pela PJ à sua investigação. Uma das situações tinha sido quando os polícias militares tinham querido fazer buscas no quartel e a PJ teria entendido que não era ainda oportuno.

Foi aí também que o coronel terá revelado uma informação que surpreendeu muitos dos presentes: o MP tinha sido avisado no início do ano de que estaria em preparação um assalto a uma instalação militar da zona centro (onde se localiza Tancos) e o CEMGFA não tinha sido informado.

Ao trazer a questão a público, Luís Vieira terá comprometido a investigação do MP e da PJ, pois terá alertado publicamente os suspeitos sobre a vigilância que estavam já a ser sujeitos. "A partir daqui a investigação deparou-se com inúmeras dificuldades, pois os suspeitos souberam que estavam debaixo de olho por causa da denúncia", refere fonte judicial que acompanhou o processo.

2) - O segundo momento foi a 18 de outubro de 2017, quando a PJM anuncia, em comunicado, que "na prossecução das suas diligências de investigação no âmbito do combate ao tráfico e comércio ilícito de material de guerra, recuperou (...) na região da Chamusca, com a colaboração do núcleo de investigação criminal da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Loulé, o material de guerra furtado dos Paióis Nacionais de Tancos". Ou seja, tinha sido recuperado o material roubado.

Este anúncio levantou suspeitas na PJ. Primeiro pelas "diligências de investigação" da PJ Militar quando o inquérito estava sob coordenação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e da PJ, que as desconhecia; depois pelo envolvimento da GNR de Loulé, bem longe do local em causa. Aliás, ninguém percebeu, na altura, a ligação da GNR do Algarve ao caso.

A investigação que se seguiu, através das vigilâncias e escutas realizadas, terá conseguido estabelecer as ligações entre os militares de Loulé e da PJM com o suspeito do roubo - de nacionalidade portuguesa - e fazer o "filme" da alegada recuperação do material.

"Com este comunicado, a PJM simplesmente autoincriminou-se", diz uma fonte do processo. A justificação dada para a PJM não ter informado a PJ era não saber que o material de que tinha sido avisada por uma chamada anónima seria o de Tancos. Diz a mesma fonte que "não havia qualquer informação de outros roubos daquela dimensão".

Por outro lado, acrescenta, "a equipa da PJM que foi ao local era a mesma que estava envolvida na investigação a Tancos". A PJM só informou a PJ depois de ter retirado do local, perto da Chamusca, os caixotes do material de guerra e os ter transportado para o quartel de Santa Margarida, impedindo a PJ de fazer as perícias no local - o que provocou grandes críticas na altura.

O DN sabe que a partir daqui o Ministério Público ficou numa desconfortável posição de passar a PJM a alvo da própria investigação em que estava envolvida - o que trouxe uma complexidade ainda maior a um caso que já era grave e de interesse nacional. Foi aberto outro inquérito - de que resultou a operação desta terça-feira.

O que não se sabe
O que se passou quando foi encontrado o material de Tancos? 
Terá havido um acordo entre as partes - o suspeito do roubo e a PJM? 
Haverá mais alguma questão envolvida? 
É difícil explicar que haja uma polícia, ainda por cima militar, que tenha prejudicado uma investigação da qual fazia parte - e não se percebe bem qual o motivo. 
A explicação da PJ, de que terá sido feito no âmbito das guerras entre as duas polícias talvez não seja suficiente. 
Trata-se de militares de carreiras longas e respeitadas.

O que algumas fontes referem é que a PJM considerava que a "recuperação" do material de guerra na Chamusca devia ter sido ponto final neste grande incómodo para as Forças Armadas que foi o roubo de Tancos. O ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, congratulou-se no mesmo dia com o facto, sublinhando que era "a primeira vez em democracia" que se recuperava material de um furto desta natureza.

Já em janeiro deste ano, o Chefe do Estado-Maior-General do Exército, Rovisco Duarte, dizia que o furto era um "assunto encerrado". "Os paióis estão desativados, fizemos a transferência das munições para Marco do Grilo, Santa Margarida e Alcochete e os processos que havia de âmbito disciplinar correram a sua tramitação dentro dos prazos legais", afirmou.

A descoberta do material, na Chamusca, não foi mesmo o fim, mas o princípio de uma nova investigação no caso de Tancos.

O Exército abriu processos disciplinares a quatro militares que prestavam serviço em Tancos. A pena mais gravosa foi aplicada a um sargento do regimento de Engenharia 1, a proibição de saída durante 15 dias, por ter sido provado que "não mandou fazer as rondas como estava previsto na norma de execução permanente".

Acontece que não foi mesmo o fim, mas o princípio de uma nova investigação. Nem Marcelo Rebelo de Sousa nem António Costa deram o caso por terminado - ambos fazendo referências várias à complexidade e demora da investigação. E os procuradores do DCIAP e da UNCT continuaram o seu trabalho. No processo acabaram por conseguir também chegar ao suspeito do roubo - o que poderá agora ajudar a chegar à verdade sobre o que aconteceu de facto.

Ao final da noite de terça-feira soube-se a notícia de que um dos militares suspeitos está em missão na República Centro Africana - trata-se de um major que era responsável pela investigação e porta-voz da PJM, e que terá recebido a denúncia anónima.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Investigação a Tancos. Uma guerra entre duas polícias

Assalto em Tancos
Pedro Raínho   23 Outubro 2017
Passaram 117 dias desde o assalto. A Polícia Judiciária tinha o caso na mão, mas foi a Polícia Judiciária Militar que recuperou as armas e explosivos. 
Esta é a história de uma luta entre polícias.

“Isto não vai ficar assim, vai ser uma vingança até à cova!” 
Luís Neves, diretor da Unidade Nacional de Contra-Terrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) não conseguiu disfarçar o incómodo quando soube que o armamento de guerra furtado em Tancos tinha sido recuperado. 
A sua equipa foi ultrapassada, apanhada de surpresa pela operação da Polícia Judiciária Militar (PJM) na madrugada de quarta-feira, 18 de outubro. 
Um duro golpe para a PJ, num processo que, em muitos momentos, cada uma das polícias se preocupou mais com a gestão de protagonismos do que com a própria investigação. Foram quase quatro meses de jogos de influência e dissimulações. 
Os militares venceram a guerra.

O incómodo na Polícia Judiciária, dirigida por Almeida Rodrigues, começou ainda antes do assalto a Tancos. 
A acusação de 19 militares no chamado processo dos Comandos – em que a PJ não teve qualquer intervenção – deixou os inspetores da Judiciária de sobreaviso: os colegas da instituição militar estavam a conquistar demasiado palco mediático. 
A guerra é antiga: há muito tempo que a própria PJ, além da GNR, tentam integrar nas suas estruturas a investigação dos crimes praticados em ambiente militar.

Quando a notícia do assalto aos Paióis Nacionais de Tancos foi conhecida, a PJ entrou em campo. 
Nesse momento, venceu a sua primeira batalha, apenas três dias depois do assalto às instalações militares. 
Mas a euforia duraria pouco.

PJ trava buscas a suspeito nº1: eram “extemporâneas”
O assalto aos Paióis Nacionais de Tancos tinha acontecido entre as 20 horas de dia 26 de junho e as 16h30 de dia 28 – foi nesse intervalo de tempo que as habituais rondas não foram feitas segundo as regras habituais (ou não foram feitas de todo). 
Ainda nos primeiros dias de investigação no terreno, com os primeiros interrogatórios feitos, uma ideia começou a surgir na mente dos investigadores da PJM: avançar com buscas a casa e ao cacifo de um dos militares graduados de Tancos. 
Mas a PJ travou a fundo essas intenções dos militares.

Os responsáveis da equipa de investigação da PJM tinham reunido indícios fortes contra um dos militares responsáveis por garantir a segurança àquelas instalações, um sargento da unidade de Engenharia 1. 
Estavam prontos a avançar com as primeiras buscas ao principal suspeito do assalto e disseram-no ao coronel Manuel Estalagem, diretor da Unidade de Investigação Criminal da PJM. 
O coronel, responsável pela investigação, não quis contudo dar esse passo sozinho.

Em vez disso, Estalagem pediu ao chefe da equipa de investigadores militares, capitão João Bengalinha, que entrasse em contacto com os colegas da Polícia Judiciária. 
Vítor Matos, inspetor chefe da UNCT, ouviu o plano da PJM e respondeu que teria de comunicar essa intenção ao seu superior. 
Era madrugada de sábado. 
Luís Neves, diretor da UNCT, acabava de ser chamado a intervir.

Os inspetores da PJM tinham chegado a Tancos poucas horas depois de ser detetado o arrombamento de dois dos 29 paióis, na tarde de 28 de junho. 
Quatro horas e meia mais tarde, já os primeiros militares envolvidos na segurança dos armazéns militares estavam a ser interrogados.

Foi nesses interrogatórios iniciais que os investigadores ouviram da boca de mais de um militar a frase: “Esta noite, ninguém faz rondas.” 
A ordem, garantiam os homens, tinha-lhes sido dada por um dos graduados responsáveis pelas rondas. 
Quando se soube que as investigações estavam em curso, o mesmo militar deixara claro: “Vocês não abrem a boca.” 
Mas era tarde demais. 
O seu nome já constava das notas dos inspetores da PJM.

Quando soube que os inspetores da PJM queriam avançar com as primeiras buscas, o próprio comandante da unidade de Engenharia – um dos cinco coronéis exonerados com efeitos temporários pelo chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) – dispôs-se a ser, também ele, alvo de buscas. 
A estratégia da investigação era simples: dispersar atenções para que o foco não recaísse apenas sobre o principal suspeito.

Mas o plano da equipa de investigadores da PJM ficou sem efeito. 
O diretor da UNCT considerava ainda não ter chegado o momento de partir para a ação. Nesse momento, terá dito Luís Neves a Vítor Matos, era “extemporâneo” avançar para o terreno. 
As buscas – e a quase certa detenção do militar sobre o qual recaíram as primeiras suspeitas – ficaram suspensas. 
Não avançaram por decisão da Polícia Judiciária. 
Um dos pratos da balançava começava a pesar mais que o outro na investigação.

Joana Marques Vidal entra na investigação
O travão do diretor da UNCT às buscas ao principal suspeito da PJM, poucos dias depois do assalto, foi apenas o primeiro sinal de que havia um desequilíbrio na relação entre as duas polícias. 
Aliás, a relação estava em declínio acentuado e essa queda nunca seria revertida. 
Dias depois do bloqueio às buscas, um diferendo entre os diretores dos laboratórios científicos das duas polícias levaria a procuradora-geral da República a entrar em cena.

Segunda-feira, 3 de julho. 
As duas equipas de investigação ao furto de Tancos juntam-se no DCIAP para as apresentações formais. 
Além dos quatro investigadores (dois de cada equipa), estavam na sala Vítor Magalhães e João Melo, os dois procuradores titulares do processo. 
É nesse momento que informam os inspetores de que as informações recolhidas por cada uma das equipas seriam reunidas num único processo. 
À PJM era entregue a investigação ao furto e aos militares que pudessem ter ajudado à concretização do assalto; a PJ investigaria o destino das armas e ia atrás dos autores do assalto.

Havia, no entanto, uma ligeira nuance: o processo ficava com um “dono” principal, a Judiciária, e todas as informações obtidas pelos inspetores militares entrariam para um apenso desse processo principal. 
Uma hierarquia que a Procuradoria-Geral da República tornaria clara no comunicado que enviou às redações no dia seguinte.

Mas já se tinham sucedido uma série de momentos de tensão entre as duas polícias que acabariam por marcar a relação dos meses seguintes. 
O primeiro episódio aconteceu num encontro paralelo à reunião inicial entre magistrados e investigadores.

Além de procuradores e inspetores, na primeira reunião entre as equipas, no DCIAP, participavam também os diretores de cada um dos laboratórios científicos. 
Depois das apresentações, Luís Neves, diretor da Unidade de Contra-Terrorismo da PJ, deu indicação para que ambos se ausentassem da sala para poderem discutir entre si outras questões técnicas relacionadas com a investigação.

Naquela altura, os inspetores da PJM já tinham estado em Tancos. 
Já tinham sido recolhidas impressões digitais, pegadas e tinham sido tiradas fotografias aos canhões das fechaduras arrancados dos paióis de onde foi levado o material de guerra. 
O diretor do laboratório da PJ, Carlos Farinha, queria ter acesso a essas perícias, uma vez que os inspetores da Judiciária não tinham esse material da investigação na sua posse.

O tom cordial da reunião anterior terminaria ali. 
Nuno Reboleira, responsável do laboratório militar, recusou o pedido, dizendo que só com uma autorização superior passaria essas provas para a mão da PJ. 
Quando recebeu uma chamada de Farinha, o diretor da PJM, Luís Vieira, já tinha sido informado do teor dessa conversa tensa. 
Ao telefone, também ele recusou o pedido. 
“Eu conheço bem a dimensão do vosso laboratório”, terá ouvido a Carlos Farinha dizer do outro lado da linha.

O diretor da PJM percebeu nesse momento que a pressão sobre os seus homens ia aumentar e começou a pensar no passo que teria de dar em seguida para a sua instituição não ser encostada no processo: falar com os chefes militares, com o ministro… com o Presidente da República? 
Luís Vieira não imaginava, no entanto, que da próxima vez que o telefone tocasse seria a própria procuradora-geral da República a exigir-lhe que entregasse tudo o que o seu laboratório tinha recolhido em Tancos. 
“O seu processo perdeu autonomia”, ter-lhe-á dito Joana Marques Vidal num tom descrito como “feroz” e “acutilante”.

O facto de o coronel Luís Vieira (diretor da PJM) e Almeida Rodrigues (diretor da PJ) serem amigos de infância não impediu que as duas polícias se envolvessem num braço de ferro pela dianteira da investigação ao desaparecimento do material de guerra.

Marcelo vai “ao terreno” dar “apoio” à investigação
Os acontecimentos à margem da investigação atropelaram-se logo nos primeiros dias a seguir ao assalto aos Paióis Nacionais de Tancos. 
Depois da intervenção de Joana Marques Vidal no processo, a Procuradoria-Geral da República lançou um comunicado a 4 de julho que seguia a linha das palavras de Marques Vidal ao diretor da PJM no dia anterior: o Ministério Público era “coadjuvado” pela PJ e a polícia militar daria “total colaboração institucional” à investigação. 
Poucas horas depois, o Presidente da República teria uma noção mais exata do clima que se vivia entre as duas polícias.

Marcelo Rebelo de Sousa chegou a Tancos a meio da tarde dessa terça-feira. 
Durante duas horas, o Chefe de Estado esteve com um conjunto alargado de altos responsáveis políticos e militares: no encontro participaram o chefe do Estado-Maior General Forças Armadas (CEMGFA), o chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), o ministro da Defesa, o secretário de Estado da Defesa, o diretor da PJM, o inspetor-chefe responsável pela investigação da PJM e um elemento do laboratório científico daquela polícia. 
Foi a primeira vez que o coronel Luís Vieira falou com o Presidente da República.

O diretor da PJM fez um resumo sobre a última semana, desde o momento em que tinha soado o alerta para o assalto até aos interrogatórios feitos pela sua equipa de inspetores. Pelo meio, já a oposição da PJ tinha inviabilizado as buscas ao principal suspeito e já o MP tinha colocado a investigação nas mãos da PJ. 
Durante essa exposição, Luís Vieira deixou cair uma informação que surpreendeu muitos dos presentes: a Polícia Judiciária tinha sido avisada de que estava iminente um assalto a uma instalação militar (como o Observador e a revista Sábado escreveram).

Sentado à direita de Marcelo Rebelo de Sousa, que encabeçava a mesa, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, general Pina Monteiro, tomou a palavra. 
“Fico muito alarmado com o que ouvi aqui”, disse o chefe militar, garantindo que se tivesse tido conhecimento antecipado desse alerta teriam sido tomadas outras medidas de segurança.

A informação tinha sido passada à PJ por um informador. 
O homem dizia ter sido sondado para realizar um assalto a uma instalação militar num raio de 60 quilómetros em redor de Leiria (56,5 quilómetros separam aquela cidade da base de Tancos) e a PJ pediu autorização judicial para começar a escutar as comunicações do seu informador. O juiz Ivo Rosa não validou o pedido e a investigação ficou parada. 
Até ao assalto a Tancos.

Cerca de três meses mais tarde, Marcelo ouviu a intervenção do diretor da PJM em Tancos e registou. 
À saída da reunião,o chefe de Estado disse ter sido “muito útil e importante em termos informativos” ter ido “ao terreno”. 
Mas havia outra mensagem a passar: Marcelo queria “saudar a investigação” que ainda dava os primeiros passos. 
“Desde a primeira hora, disse que era fundamental levar a investigação até ao fim” e, por isso, foi ao terreno. 
“Quero exprimir o apoio àquilo que tem sido feito em termos de investigação. 
É muito importante e eu não queria deixar de formular aqui uma palavra de apoio a essa investigação”, disse o Presidente. 
Aquela foi uma “ocasião para apoiar a investigação em curso e estimular, incentivar aquilo que venham a ser os passos seguintes da investigação”.

Entretanto, cada uma das polícias continuava a sua investigação, sem que houvesse partilha de informação entre as equipas. 
Enquanto a PJM focava os esforços nos interrogatórios aos militares de Tancos, a PJ analisava matrículas que tivessem alguma relação com a base militar, reconstituía as deslocações mais suspeitas e seguia de perto os seus próprios “alvos”. 
E, escrevia o Expresso em setembro, virava-se para Espanha, onde acreditava que tinham sido comprados os instrumentos usados para abrir os portões dos paióis onde estava guardado o armamento militar.

Ambas as equipas investigavam o assalto a Tancos mas, na prática, era como se estivessem a trabalhar em processos sem qualquer relação entre si. 
A comunicação era escassa, os detalhes sobre a investigação ficavam fora das conversas entre os inspetores de cada um dos lados e os avanços eram literalmente escondidos dos outros investigadores. 
Até que a PJM tentou libertar-se da PJ.

Ministro da Defesa no meio de uma batalha jurídica
Para a Polícia Judiciária Militar, o processo de Tancos tinha um problema jurídico de base que comprometia tudo o resto: na ótica da instituição liderada por Luís Vieira, o único crime de que havia informação concreta era o furto de material de guerra: tinham desaparecido granadas, lança-rockets, explosivos e munições de uma instalação militar. 
As referências da PGR a crimes de “associação criminosa, tráfico de armas internacional e terrorismo internacional” não tinham sustentação. 
Foram recuperados os manuais de direito militar e pedidos pareceres jurídicos para tentar separar as águas.

Toda a linha de pensamento dos inspetores militares assentava no número 113 do Código de Justiça Militar (CJM). 
O artigo, que respeita à “competência por conexão”, tem apenas uma linha e refere que “a conexão não opera entre processos que sejam e processos que não sejam de natureza estritamente militar”. 
Por outras palavras, a investigação ao furto de armamento militar de Tancos não poderia ser feita a par da “investigação mais vasta” que o DCIAP tinha em mãos.

Para fundamentar essa posição, a equipa de investigadores da PJM recorreu a um conhecido jurista com peso político junto dos socialistas e das próprias polícias — a que o Observador teve acesso — para dar força a esse argumento. 
Estávamos no início de agosto e a instituição liderada por Luís Vieira tentava cortar as amarras que a prendiam à PJ. 
O parecer referia, precisamente que o artigo 113 do CJM distinguia (e separa) os crimes militares dos crimes civis. 
“Assim, nestes casos, nunca é admitida a conexão de processos”, refere o documento de duas páginas, antes de acrescentar que este regime autónomo “tem como fundamento a especificidade da justiça militar, que não foi anulada pela extinção dos tribunais militares em tempos de paz”. 
E concluía: “Perante a impossibilidade legal de conexão, não se pode, obviamente, transformar um dos processos “inconectáveis” num apenso de outro, ainda que se pretenda proceder futuramente a uma separação de processos (por exemplo, na fase de julgamento).”

Esse parecer — e a sua linha de argumentação — chegou ao conhecimento de José Azeredo Lopes. 
O ministro da Defesa também já tinha ouvido diretamente de Luís Vieira a insatisfação que o diretor da PJM sentia com a falta de colaboração da PJ. 
E, segundo algumas fontes, terá decidido documentar-se, pedindo um segundo parecer a um conceituado advogado do norte do país. 
A Defesa nega que isso tenha acontecido.

O facto é que nenhum documento chegou alguma vez a fazer parte do processo. 
Seria uma arma de negociação política que, na prática, não teve qualquer efeito. 
A investigação continuou nas mãos da PJ e a comunicação continuou a ser nula. 
Essa guerra entre as duas polícias até poderia ter acabado na última quarta-feira, quando a Polícia Judiciária Militar recuperou todo o armamento furtado de Tancos à exceção das munições de 9 milímetros.

Mas não. 
A descoberta das armas e explosivos de guerra abriu mais uma brecha entre as duas instituições. 
Agora, a PJ quer investigar a alegada denúncia anónima que o major Vasco Brazão, que também investigava o caso de Tancos, recebeu às três da manhã da última quarta-feira durante o piquete noturno, com a indicação exata do local onde estava o material.

O inspetor da PJM saiu de Lisboa em direção à Chamusca. 
Para o local foram também convocados militares da GNR de Loulé que estariam envolvidos numa investigação naquela região. 
Nada na chamada telefónica fazia adivinhar que, ao ar livre, os vários caixotes furtados de Tancos estariam ali em condições de serem recuperados. 
Devido à sensibilidade do material, foi chamada uma equipa do laboratório da PJM e também elementos da equipa de inativação de explosivos do Exército, que chegaram já às primeiras horas da manhã. 
Os caixotes foram então transportados para o Campo de Santa Margarida, ali ao lado, para serem analisados e só aí se confirmou que o armamento coincidia com o material desaparecido. 
A PJ seria informada da descoberta poucas horas depois.

No mesmo dia em que foi descoberto do material, na passada quarta-feira, houve uma reunião de emergência que juntou investigadores da PJ e da PJM, diretor do DCIAP incluído, os procuradores Vítor Magalhães e João Melo, e ainda o diretor da Unidade de Investigação Criminal da GNR. 
Os procuradores deixaram em aberto a possibilidade de se fazer uma investigação aos próprios inspetores para descobrir quem andou a falar com quem. 
A PJ suspeita da veracidade da chamada anónima que permitiu recuperar o material desviado no maior assalto de sempre a uma instalação militar em Portugal. 
A guerra das polícias sobre o caso ainda não acabou.