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sábado, 27 de janeiro de 2018

O golpe, parte II

ANÁLISE
Lula da Silva
Manuel Carvalho
24 de Janeiro de 2018, 21:20

Lula dificilmente não saberia que o seu partido e o seu Governo estavam embrulhados numa tenebrosa operação de corrupção.

Estava escrito nas estrelas que o tribunal de segunda instância iria recusar a anulação da uma pena de prisão de nove anos e meio aplicada a Lula da Silva, ex-Presidente do Brasil. 
O que estava em causa no Tribunal Federal Regional da 4ª Região judicial do Brasil era um duelo entre magistrados e políticos no qual os magistrados tinham a palavra final.

Entre a tomada de posição pública de vários magistrados a favor da condenação, entre os quais o presidente do Tribunal que analisou o recurso, e as denúncias da esquerda em protesto contra o que dizem ser um “julgamento político”, o espaço para a aplicação da lei tinha-se reduzido drasticamente. 
Lula viu a sua condenação à prisão confirmada e, pior, agravada para 12 anos e um mês  e, como consequência, a democracia brasileira estilhaçou-se ainda mais num conflito de legitimidades que envenena a vida pública, contamina a soberania popular e ameaça a transparência e os fundamentos do Estado de Direito.

Numa democracia, o princípio da igualdade de todos perante a lei é sagrado, o que obriga um ex-Presidente da República ou qualquer outro cidadão aos mesmos direitos, às mesmas responsabilidades e à mesma sujeição à alçada da lei.

Lula da Silva foi denunciado por supostamente ter beneficiado de subornos da construtora OAS na sequência de alegados favorecimentos em contratos da petrolífera estatal Petrobras. 
Feita a denúncia, a equipa da Operação Lava Jato tinha o dever de o investigar como investigou dezenas de empresários ou de políticos envolvidos nessa nódoa abjecta de corrupção que expôs com crueza a vilania das elites políticas e económicas do Brasil.

O problema é que, desde o início do inquérito, ficou sempre a ideia que para o juiz Sérgio Moro e para a sua equipa, uma condenação de Lula seria a abóbada do edifício que a justiça brasileira se empenhou a construir para limpar o país da corrupção. 
Condenar ex-ministros e grandes empresários deixando de fora o Presidente que mandava nos destinos do Brasil era uma falha que urgia colmatar. 
Condenar Lula seria pois o corolário lógico da limpeza em curso. 
Nessa estratégia, a Justiça não poupou nos meios, colando o segredo de justiça, revelando escutas a advogados de Lula, ou contribuindo para essa infame detenção numa madrugada na qual, ao atentar contra a dignidade de uma pessoa, os juízes ajudaram a destruir a dignidade da democracia brasileira.

Lula dificilmente não saberia que o seu partido e o seu Governo estavam embrulhados numa tenebrosa operação de corrupção. 
O caso do Mensalão tinha provado que o PT, eleito com base na promessa de uma revolução ética, se tinha contaminado com o ar espúrio de um sistema eleitoral e de uma elite política habituada aos subornos e à troca de votos por dinheiro público.

Para quem o viu como o poder regenerador de um regime e de um país minados pela gula oligárquica e pela cleptocracia dos poderosos, Lula foi uma terrível desilusão. 
Mas daqui a uma acusação e a uma condenação judicial vai ainda uma longa distância. Lula podia ser condenado desde que a investigação policial e judicial se munissem de um conjunto de provas consistentes. 
Não foi isso que aconteceu. 
Os factos apresentados pela acusação e dados como provados na primeira instância têm por base muitas ilações e convicções e muito poucas provas materiais. 
Nenhum tribunal europeu (ou, de acordo com opiniões de analistas americanos) dos Estados Unidos o condenaria com base nestes pressupostos.

Condenado por unanimidade, Lula vai poder recorrer e com sorte poderá candidatar-se à presidência do Brasil, numa corrida onde aparece nas sondagens destacado nas preferências dos eleitores. 
Mas, cedo ou tarde, a sua biografia política acabou. 
Para metade do Brasil, a justiça terá ganho a batalha à democracia. 
Para a outra metade, os desmandos do PT no poder foram finalmente punidos. 
Certo é que as elites conservadoras ganharam a batalha e o Nordeste pobre e atrasado perdeu o seu ídolo. 
Entre uns e outros, cavou-se um fosso no qual se enterram os consensos e a possibilidade de compromisso que são o nutriente clássico das democracias. 
O Brasil está no fio da navalha. 
Tudo pode acontecer. 

manuel.carvalho@publico.pt

“Agora quero ser Presidente”, diz Lula

BRASIL
Lula da Silva
PÚBLICO 25 de Janeiro de 2018, 14:45 actualizado a 25 de Janeiro de 2018, 15:24)
"Vamos lutar em defesa da democracia em todas as instâncias, na Justiça e principalmente nas ruas", disse o PT em comunicado após o julgamento de Lula

Partido dos Trabalhadores insiste na sua candidatura à presidência do Brasil. 
Alguns apoiantes apelam a “desobedecer” à Justiça, depois da confirmação da condenação.

O Partido dos Trabalhadores não desarma e um dia depois de Lula da Silva ter visto a sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro confirmada pelos três juízes do tribunal de segunda instância de Porto Alegre (que até pediram a ampliação da pena de nove anos e meio para 12 anos e um mês) anunciou que o seu nome é o único que admite como candidato às eleições presidenciais de Outubro

“Estamos lançando a pré-candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República”, disse a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, no início da reunião da comissão executiva nacional do partido. 
“Lula, guerreiro do povo brasileiro!”, gritaram os militantes presentes na reunião das lideranças nacionais do partido, reunidas na sede da CUT (Central Única dos Trabalhadores), o maior sindicado do Brasil.

A defesa de Lula já tinha afirmado antes do julgamento que iria esgotar todas as hipóteses de recurso, antes de tudo por questões técnicas que visam atrasar a fixação da sentença de quarta-feira. 
Só assim será possível travar a própria condenação e permitir, assim, a Lula da Silva candidatar-se às presidenciais, para regressar ao cargo que ocupou entre 2003-2011.

No final do julgamento, a presidente do PT, Gleisi Hoffman, tinha já afirmado que os votos dos juízes tinham sido “claramente combinados”. 
O PT, garantia, vai lutar para que Lula possa voltar a ser Presidente.

O problema, para o partido, é a ausência de alternativas. 
Apesar do que diz Lula – “Temos outros candidatos” – só ele, segundo as sondagens, garante o voto de um terço dos brasileiros. 
Isto, quando o partido ainda recupera do trauma da destituição (que considerou “um golpe de Estado) de Dilma Rousseff, sucessora de Lula, em 2016

NOTA DO PT: Não nos rendemos perante a injustiça.Lula é candidato
O dia 24 de janeiro de 2018 marca o início de mais uma jornada do povo brasileiro em defesa da Democracia e do direito inalienável de votar em Lula para presidente da República. O resultado do julgamento do recurso da defesa de Lula, no TRF-4, com votos claramente combinados dos três desembargadores, configura uma farsa judicial.

“É o começo da grande caminhada que, pela vontade do povo, vai levar o companheiro Lula novamente à Presidência”, concluiu Hoffman. 
Alguns membros do PT e movimentos aliados já pediram “desobediência” face às decisões judiciais. 
“Nós, os movimentos populares, não aceitaremos de forma alguma e impediremos com tudo o que for possível que o companheiro Lula seja preso”, afirmou João Pedro Stédile, da coordenação nacional dos Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra.

“Não tenho ilusão de que vamos achar saídas por dentro das instituições”, disse o líder do partido no Senado, Lindbergh Farias. 
“Só temos um caminho, que são as ruas, as mobilizações, a rebelião, a desobediência civil”, disse ainda, acrescentando que será preciso “prender milhões de pessoas” antes de conseguirem prender Lula. 
“Agora quero ser Presidente”, afirmou, por seu turno, o próprio Lula, falando de “farsa judicial”.

Para já, Lula permanece livre  e à vontade para fazer campanha. 
“As duas próximas semanas vão ser cruciais”, adianta o advogado e jurista Eugênio Aragão, ex-membro do Ministério Público Federal e antigo ministro da Justiça na presidência de Dilma Rousseff, muito crítico do processo contra Lula.

Os jornais e a generalidade dos analistas aconselham o PT a reflectir num plano alternativo, que poderia passar pela candidatura do antigo ministro Jacques Wagner ou de Fernando Hadad, ex-presidente da Câmara de São Paulo. 
Descrevendo a condenação dos juízes de Porto Alegre como “a pior derrota do percurso político” de Lula, o editorial do jornal Globo estima que agora a sua “candidatura seria quase um milagre”.

Tribunal proíbe Lula de sair do país

BRASIL
Operação Zelotes
PÚBLICO 25 de Janeiro de 2018, 23:00

Medida foi decidida no âmbito da Operação Zelotes, onde o antigo Presidente é suspeito de crimes como tráfico de influências e lavagem de dinheiro.

O antigo Presidente brasileiro Lula da Silva recebeu ordem para entregar o seu passaporte, estando proibido de deixar o Brasil. 
A medida decretada pelo juiz Ricardo Leite não está relacionada com o processo Lava Jato, no âmbito do qual foi confirmada, na quarta-feira, a sentença de prisão de Lula foi não só confirmada como aumentada para 12 anos
Em causa agora está a Operação Zelotes, onde é suspeito de tráfico de influência e lavagem de dinheiro na compra de caças suecos durante a presidência de Dilma Roussef.

O juiz informou a Polícia Federal da decisão, mas não foi divulgado o prazo dado a Lula para entregar o passaporte. 
O ex-Presidente tinha uma viagem marcada para esta sexta-feira, para Etiópia, onde devia ficar até dia 29 - um convite da União Africana.

Segundo o jornal Folha de São Paulo, as autoridades iriam notificar os advogados de Lula para que a viagem fosse cancelada, evitando que o antigo Presidente fosse barrado em pleno aeroporto.

Mensagem aos democratas brasileiros

OPINIÃO
Boaventura Sousa Santos
27 de Janeiro de 2018, 6:42
A democracia brasileira está em perigo, e só as forças políticas de esquerda e de centro-esquerda a podem salvar.

Dirijo-me aos democratas brasileiros porque só eles podem estar interessados no teor desta mensagem. 
Vivemos um tempo de emoções fortes. 
Para alguém, como eu e tantos outros que nestes anos acompanhámos as lutas e iniciativas de todos os brasileiros no sentido de consolidar e aprofundar a democracia brasileira e contribuir para uma sociedade mais justa e menos racista e menos preconceituosa, este não é um momento de júbilo. 
Para alguém, como eu e tantos outros que nas últimas décadas se dedicaram a estudar o sistema judicial brasileiro e a promover uma cultura de independência democrática e de responsabilidade social entre os magistrados e os jovens estudantes de direito, este é um momento de grande frustração. 
Para alguém, como eu e tantos outros que estiveram atentos aos objectivos das forças reaccionárias brasileiras e do imperialismo norte-americano no sentido de voltarem a controlar os destinos do país, como sempre fizeram mas pensaram que desta vez as forças populares e democratas tinham prevalecido sobre eles, este é um momento de algum desalento. 
As emoções fortes são preciosas se forem parte da razão quente que nos impele a continuar, se a indignação, longe de nos fazer desistir, reforçar o inconformismo e municiar a resistência, se a raiva ante sonhos injustamente destroçados não liquidar a vontade de sonhar. 
É com estes pressupostos que me dirijo a vós. 
Uma palavra de análise e outra de princípios da acção. 

Porque estamos aqui? 
Este não é o lugar nem o momento para analisar os últimos 15 anos da história do Brasil. Concentro-me nos últimos tempos. 
A grande maioria dos brasileiros saudou o surgimento da operação Lava-Jato como um instrumento que contribuiria para fortalecer a democracia brasileira pela via da luta contra a corrupção. 
No entanto, em face das chocantes irregularidades processuais e da grosseira selectividade das investigações, cedo nos demos conta de que não se tratava disso mas antes de liquidar, pela via judicial, não só as conquistas sociais da última década como também as forças políticas que as tornaram possíveis. 
Acontece que as classes dominantes perdem frequentemente em lucidez o que ganham em arrogância. 
A destituição de Dilma Rousseff, a Presidente que foi talvez o Presidente mais honesto da história do Brasil, foi o sinal que a arrogância era o outro lado da quase desesperada impaciência em liquidar o passado recente. 
Foi tudo tão grotescamente óbvio que os brasileiros conseguiram afastar momentaneamente a cortina de fumo do monopólio mediático. 
O sinal mais visível da sua reacção foi o modo como se entusiasmaram com a campanha pelo direito do ex-Presidente Lula da Silva a ser candidato às eleições de 2018, um entusiasmo que contagiou mesmo aqueles que não votariam nele, caso ele fosse candidato. 
Tratou-se pois de um exercício de democracia de alta intensidade.

Temos, no entanto, de convir que, da perspectiva das forças conservadoras e do imperialismo norte-americano, a vitória deste movimento popular era algo inaceitável. 
Dada a popularidade de Lula da Silva, era bem possível que ganhasse as eleições, caso fosse candidato. 
Isso significaria que o processo de contra-reforma que tinha sido iniciado com a destituição de Dilma Rousseff e a condução política da Lava-Jato tinha sido em vão. 
Todo o investimento político, financeiro e mediático teria sido desperdiçado, todos os ganhos económicos já obtidos postos em perigo ou perdidos. 
Do ponto de vista destas forças, Lula da Silva não poderia voltar ao poder. 
Se o Judiciário não tivesse cumprido a sua função, talvez Lula da Silva viesse a ser vítima de um acidente de aviação, ou algo semelhante. 
Mas o investimento imperial no Judiciário (muito maior do que se pode imaginar) permitiu que não se chegasse a tais extremos.

Que fazer? 
A democracia brasileira está em perigo, e só as forças políticas de esquerda e de centro-esquerda a podem salvar. 
Para muitos, talvez seja triste constatar que neste momento não é possível confiar nas forças de direita para colaborar na defesa da democracia. 
Mas esta é a verdade. 
Não excluo que haja grupos de direita que apenas se revejam nos modos democráticos de lutar pelo poder. 
Apesar disso, não estão dispostos a colaborar genuinamente com as forças de esquerda. Porquê? 
Porque se vêem como parte de uma elite que sempre governou o país e que ainda não se curou da ferida caótica que os governos lulistas lhe infligiram, uma ferida profunda que advém do facto de um grupo social estranho à elite ter ousado governar o país, e ainda por cima ter cometido o grave erro (e foi realmente grave) de querer governar como se fosse elite.

Neste momento, a sobrevivência da democracia brasileira está nas mãos da esquerda e do centro-esquerda. 
Só podem ter êxito nesta exigente tarefa se se unirem. 
São diversas as forças de esquerda e a diversidade deve ser saudada. 
Acresce que uma delas, o PT, sofre do desgaste da governação, um desgaste que foi omitido durante a campanha pelo direito de Lula a ser candidato.
Mas à medida que entrarmos no período pós-Lula (por mais que custe a muitos), o desgaste cobrará o seu preço e a melhor forma de o estabelecer democraticamente é através de um regresso às bases e de uma discussão interna que leve a mudanças de fundo. 
Continuar a evitar essa discussão sob o pretexto do apoio unitário a um outro candidato é um convite ao desastre. 
O património simbólico e histórico de Lula saiu intacto das mãos dos justiceiros de Curitiba & Co. 
É um património a preservar para o futuro. 
Seria um erro desperdiçá-lo, instrumentalizando-o para indicar novos candidatos. 
Uma coisa é o candidato Lula, outra, muito diferente, são os candidatos de Lula. 
Lula equivocou-se muitas vezes, e as nomeações para o Supremo Tribunal Federal aí estão a mostrá-lo.

A unidade das forças de esquerda deve ser pragmática, mas feita com princípios e compromissos detalhados. 
Pragmática, porque o que está em causa é algo básico: a sobrevivência da democracia. Mas com princípios e compromissos, pois o tempo dos cheques em branco causou muito mal ao país em todos estes anos. 
Sei que, para algumas forças, a política de classe deve ser privilegiada, enquanto para outras, as políticas de inclusão devem ser mais amplas e diversas. 
A verdade é que a sociedade brasileira é uma sociedade capitalista, racista e sexista. 
E é extremamente desigual e violenta. 
Entre 2012 e 2016 foram assassinadas mais pessoas no Brasil do que na Síria (279.000/256.000), apesar de este último país estar em guerra e o Brasil estar em “paz”. 
A esquerda que pensar que só existe política de classe está equivocada, a que pensar que não há política de classe está desarmada.

Director do Centro de Estudos Sociais

Mas há alguma surpresa no caso Lula?

OPINIÃO
Francisco Louçã
27 de Janeiro de 2018, 7:12
O Brasil virou uma página e entrou naquela terra misteriosa que os mapeadores dos navegantes portugueses marcavam com o hic sunt leones, a partir daqui é a selva.

Houve emoção e suspense, grandes manifestações, transmissão em directo na televisão, Michel Temer até viajou para fora do país para fingir que não era nada com ele, e concluiu-se o que se esperava, os três desembargadores de Porto Alegre confirmaram a condenação do ex-presidente Lula e, obedecendo a desígnios miraculosos, concordaram exactamente no mesmo aumento de pena para uns bíblicos doze anos e um mês. 
O Brasil virou uma página e entrou naquela terra misteriosa que os mapeadores dos navegantes portugueses marcavam com o hic sunt leones, a partir daqui é a selva. 
As elites brasileiras, escravocratas e gananciosas, não admitem a intromissão de movimentos ou protagonistas populares ou de qualquer entrave à extorsão do pecúlio público. 
Como aqui se chegou, no entanto, é cristalino e não sugere qualquer surpresa.

O objectivo da condenação é evidente. 
O julgamento foi precipitado através de procedimentos expeditos porque era necessário impedir a inscrição da candidatura de Lula no registo eleitoral, tanto mais que, apesar de toda a pressão, ele tem subido nas sondagens e até aparece como vencedor da segunda volta em todos os cenários actualmente identificados. 
A exibida festa dos candidatos de direita e de extrema-direita, que bem podiam ter-se mantido sobriamente distantes, ajudou a mostrar o alvo e o serviço. 
Nenhuma surpresa.

A protecção do fulgor político do judiciário também não suscita nenhuma surpresa. 
Manuel Carvalho escrevia aqui no PÚBLICO que nenhum tribunal europeu aceitaria as provas que condenaram Lula e tem provavelmente razão. 
Uma casa que o putativo comprador e o putativo vendedor afirmam que não transaccionaram; uma suspeita de corrupção para favorecer vantagens não identificadas, sem qualquer evidência ou prova; é tudo demasiado manipulável. 
Acresce que o Tribunal da Relação terá sentido a obrigação de confirmar a sentença do juiz Moro, um homem do PSDB que foi simultaneamente o instrutor do processo, o acusador e o julgador – um conceito de justiça que sobrevive ao arrepio das tradições do direito pós-Idade Média. 
Os juízes tornaram-se assim o braço executivo de um conflito político, mas isso não é inédito. 
Para mais, precisavam de defender a “delação premiada”, o negócio que troca absolvições por denúncias, e pedir no Brasil que todas as acusações de corrupção sejam julgadas da mesma forma é ingenuidade. 
Nenhum surpresa, mais uma vez.

As empresas mais poderosas da comunicação social promoveram o golpe, incensaram os golpistas, multiplicaram a violência acusatória, convocaram apoios. 
Mas isso não é surpresa, a Rede Globo tinha sido no Brasil uma das vozes essenciais da preparação do golpe militar de 1964. 
Já aqui escrevi que, em momentos de tensão, o fim do jornalismo como comunicador de factos, esgotando-se estes no cabo, no twitter e nos onlines, e a transformação do jornalismo em comentário partidário, alinha a imprensa nas lutas políticas e até as agrava, porque nessa guerra não se limpam armas, só conta o efeito imediato, o que acelera os golpes e contra-golpes. 
O que será novidade é a capilarização da caça às bruxas nas redes sociais, transformadas em paraíso de uma comunicação delinquente.

Nenhuma surpresa ainda na vulnerabilidade do PT, ferido pela sua própria política, desde as alianças, como a que deu a vice-presidência a Temer e o congresso a Cunha, até à corrupção, como no caso Mensalão. 
O PT perdeu-se a si próprio nessas cedências mas, quando a presidente Dilma foi demitida na base de um processo escabroso sem qualquer acusação, houve uma resposta popular que se apercebeu do risco e que se colocou na trincheira que conhecia melhor.

A partir daqui está a terra dos leões, é a selva desconhecida.

A tragédia brasileira



EDITORIAL
Diogo Queiroz de Andrade
27 de Janeiro de 2018, 7:19
Quando as “forças progressistas” da Europa criticam o Brasil pela condenação de Lula, estão a prestar um mau serviço à nação sul-americana e um péssimo serviço à esquerda que dizem amar.

A guerra entre a classe política brasileira e o sistema judicial já fez uma vítima: a democracia brasileira. 
Tudo aquilo de que o Brasil não precisa é de uma eleição presidencial em ambiente de guerra civil – mas é precisamente isso que vai ter em Outubro.

A endémica corrupção brasileira subsiste graças a uma elite corrupta que há décadas rouba o Brasil e que tem o condão de sujar quem quer que dele se aproxime. 
O PT tem as mãos tão emporcalhadas que faria um favor à nação se simplesmente sumisse e levasse com ele Lula – um homem que está tão assustado com a possibilidade de ir parar à cadeia que já se compara a Nelson Mandela e exige que as forças armadas o resgatem do presídio, caso lá chegue.

A triste realidade é que Lula e o PT são tão parte do problema brasileiro como Michel Temer e Fernando Collor. 
E forçar esta guerra entre a justiça e a classe política só vai garantir que mais uma vez não existirão condições para que a escolha seja plenamente democrática: o debate político está contaminado e será impossível discutir o futuro do Brasil.

Quando as “forças progressistas” da Europa criticam o Brasil pela condenação de Lula, estão a prestar um mau serviço à nação sul-americana e um péssimo serviço à esquerda que dizem amar. 
É certo que a causa brasileira tem laivos românticos que excitam os velhos rebeldes sem causa a quem poucos já dão importância: o tropicalismo da “causa Lula”, espesso como uma folha de papel, dá a estes intelectuais reformados a oportunidade para fugir à irrelevância e ajudam a manter a ilusão de que o mundo não mudou.

Mas mudou. 
E o Brasil tem de mudar com ele. 
Aliás, a principal razão para a fraqueza democrática do Brasil é a asfixia da classe média que se agravou neste século, durante o reinado do PT: os pobres melhoraram muito a sua condição mas os milionários também, quem sofreu foi a classe intermédia que pagou as benesses dos pobres e depois levou com uma crise económica sustentada pela tremenda incompetência do estado.

Por tudo aquilo que o Brasil pode ser e não é, o século XXI brasileiro só pode ser classificado de tragédia. 
E se há povo que merece melhores políticos, é seguramente o brasileiro. 
Até porque não se vislumbra quem possa, de entre os pré-candidatos, vir a ocupar condignamente o posto de Presidente do Brasil. 
Por agora, tudo está calmo: o carnaval está quase aí, a folia vai começar e as eleições são só em outubro. 
A tragédia segue dentro de momentos.

dqandrade@publico.pt

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Teste falhado. Míssil terá atingido cidade norte-coreana

MUNDO
Clima De Tensão
05 DE JANEIRO DE 2018 10:24

Engenho terá falhado cerca de um minuto depois de ter sido lançado, não tendo atingido mais do que 70 quilómetros de altitude

Na mensagem de ano novo, o líder norte-coreano afirmou que o programa nuclear está completo e que os Estados Unidos devem estar cientes de que as armas nucleares do país são agora uma realidade e não uma ameaça. 
Só que, nos testes realizados ao longo do ano, nem tudo terá corrido bem, havendo agora informações de que um teste falhou e um míssil terá atingido uma estrutura perto de uma cidade norte-coreana.

De acordo com a The Diplomat, revista online sedeada no Japão e especializada em conteúdos sobre política, sociedade e cultura na Ásia e Pacífico, a 28 de abril do ano passado um teste correu mal e um míssil balístico de médio alcance caiu na cidade de Tokchon, causando "danos consideráveis num complexo industrial ou edifícios agrícolas".

Segundo uma fonte norte-americana com conhecimento acerca do armamento norte-coreano citada pelo site, o engenho - um Hwasong-12 - falhou cerca de um minuto depois de ter sido lançado, não tendo atingido mais do que 70 quilómetros de altitude. 
De acordo com o The Diplomat, as provas do incidente podem ser comprovadas por imagens de satélite comercialmente disponíveis de abril e maio de 2017.

Durante todo o ano passado, o regime de Kim Jong-un fez questão de mostrar o seu poderio militar. 
A 15 de abril, antes deste alegado lançamento falhado, mostrou vários mísseis balísticos, incluindo um possível novo projétil de alcance intercontinental, num desfile militar para assinalar o aniversário do fundador do país.

Em 2017, a Coreia do Norte realizou cerca de duas dezenas de lançamentos de mísseis e, em setembro, o sexto teste nuclear e o mais potente de sempre, o qual, segundo informou entretanto uma televisão japonesa, terá provocado o desmoronamento de um túnel e levado à morte de mais de 200 pessoas.

Os testes deram origem a trocas de ameaças e insultos entre Kim Jong-un e o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

"O botão nuclear continua na minha secretária. 
Não se trata de uma chantagem, mas da realidade", declarou o líder norte-coreano no Ano Novo.

Em resposta, o presidente norte-americano garantiu ter um botão maior e mais poderoso.

Em 2017, a ONU agravou várias vezes as sanções contra a Coreia do Norte em resposta ao incremento dos ensaios nucleares e de mísseis pelo regime.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

A guerra entre Riad e Teerão já chegou aos direitos das mulheres?

IRÃO
Sofia Lorena
1 de Janeiro de 2018, 17:47
Mulheres passam ao lado de um mural do Guia Supremo, Ali Khamenei

No dia em que estalavam os primeiros protestos contra o aumento dos preços e o próprio regime do Irão, a polícia da capital anunciou que deixará de deter mulheres por usarem o lenço islâmico de forma a deixar ver cabelo.

Seria a primeira boa notícia da guerra sem tréguas que a Arábia Saudita lançou nos últimos anos, em reacção ao acordo nuclear que permitiu aos iranianos regressarem mais ou menos como iguais ao palco do mundo.

Em vez de financiarem grupos radicais para combater o líder sírio que os iranianos ajudam, ou matarem milhares de iemenitas debaixo de bombas porque os rebeldes huthis são próximos dos aliados xiitas de Teerão, em vez de brincarem a ver quem tira e repõe primeiros-ministros no Líbano, estarão as duas potências que disputam a hegemonia do Golfo Pérsico a ver quem se despacha a dar mais direitos às mulheres dos seus países?

A verdade é que apesar do rigor das regras sauditas, nunca as mulheres deixaram de exigir novos direitos. 
Do mesmo modo, apesar da repressão com que a chamada revolução verde de 2009 (contra eleições fraudulentas) foi esmagada, as iranianas têm mantido acesa a chama do protesto: durante o Verão, cresceram o número de mulheres envolvidas na campanha lançada pelo movimento My Stealthy Freedom (A Minha Liberdade Furtiva), um dos vários grupos empenhados em combater o uso uso compulsivo do véu no Irão
No ano que agora acabou, a novidade foi o número crescente de mulheres a recusarem usar hijab enquanto conduziam (para além de detidas, viam muitas vezes as suas viaturas confiscadas).

Na véspera do início dos protestos contra o regime – onde já se ouve gritar “Abaixo o ditador” e “Khamenei, devias ter vergonha, deixa o país em paz”, tinha-se celebrado mais uma #WhiteWednesday, a campanha que o My Stealthy Freedom iniciou depois da reeleição de Hassan Rohani para a presidência, em Maio.

A cada quarta-feira, as mulheres são convidadas a usar véu branco, os homens a vestirem de branco em solidariedade. 
Aliás, uma fotografia que chegou a circular como ícone dos novos protestos tinha sido tirada na quarta-feira, mostrando uma iraniana sem o seu hijab branco, que atara ao pau que segurava.

A foto era na verdade de Teerão e a fotografada foi detida, na véspera do início dos protestos generalizados, que estalaram primeiro em Mashad (segunda maior cidade do país, no Nordeste) contra o aumento dos preços e o investimento iraniano na região (no apoio a Bashar al-Assad na Síria, ao Hezbollah no Líbano ou ao Hamas), por oposição às dificuldades que tantos iranianos passam. 
Investimento feito precisamente no contexto do conflito entre a potência xiita e a potência árabe sunita da região.

Fim das detenções

Rapidamente estas manifestações evoluíram nos slogans e se expandiram a grande parte do país, com 12 mortos já confirmados durante o fim-de-semana.

No dia em que foi tirada aquela foto, as habitantes de Teerão ficaram a saber que a chamada “polícia da moralidade” vai deixar de deter as mulheres “apanhadas” a usar “mau hijab” – o obrigatório lenço islâmico que cobre os cabelos usado de forma solta, a deixar ver mais ou menos madeixas.

Trata-se de uma primeira vitória, mas apenas isso: poderão ser reencaminhadas para aulas de reeducação e, se reincidirem, ainda estão sujeitas a ser acusadas de um crime e, eventualmente, multadas.

Entretanto, decorria na Arábia Saudita o principal torneio do mundo de xadrez – a federação internacional da modalidade chegou a acordo com os organizadores sobre o código de vestuário, que não envolveu a obrigação de usar hijab nem abaya (túnica comprida), “uma estreia para qualquer competição desportiva” no reino dos santuários do islão.

Isso não impediu o boicote do torneio por parte da ucraniana Anna Muzichuk, dupla campeã mundial, que decidiu assim abdicar de medalhas para “não ser acompanhado por um homem nas saídas e não se sentir como uma criatura secundária”.

Terão estas pequenas aberturas algo a ver com a rivalidade permanente entre Riad e Teerão?

Há algumas suspeitas, mas não é certo: pequenas conquistas recentes serão mais fruto da persistência de activistas incansáveis e do trabalho que dá, na prática, persistir em restrições absurdas. 
Mais isso do que uma troca de respostas permanente entre a Arábia Saudita do príncipe herdeiro Mohammad bin Salman, jovem e mais liberal nos costumes, apesar de ser um falcão na Defesa e Política Externa, obcecado com o Irão, e Teerão, que permanece a teocracia nascida da revolução de 1979, mas com o centrista Rohani como Presidente.

Futebol e condução

Ainda assim, algumas medidas foram anunciadas logo a seguir a novidades no país rival, o que dá que pensar. 
Por exemplo, pouco tempo depois do anúncio dos sauditas de que as mulheres passariam a poder assistir no estádio a jogos de futebol (uma das lutas mais duras que as iranianas travam há anos), em Outubro, o Irão apressou-se a divulgar que vai permitir às suas atletas de levantamento do peso competir pela primeira vez em torneios internacionais, onde quer que estes se realizem.

Mas a grande notícia de 2017 para as sauditas foi mesmo que a partir de Junho vão  poder conduzir, finalmente, e não apenas carros, também motas e camiões. 
Sim, as sauditas continuavam a ser as únicas mulheres na região impedidas de se deslocar livremente nas suas próprias viaturas, uma regra absolutamente incompreensível e contra a qual muitas activistas protestavam com regularidade, enfrentando, nalguns casos, a prisão.

Para Rada Hakakian, poeta e jornalista irano-americana, co-fundadora do Centro de Documentação dos Direitos Humanos no Irão em New Haven, Connecticut, iranianas e sauditas têm beneficiado “de uma competição entre os dois regimes para ganhar a medalha de alternativa islâmica mais moderada”.

Numa coluna de opinião publicada quarta-feira no jornal The New York Times, Hakakian cita ainda uma activista iraniana, Mariam Memarsadeghi, que se diz não só feliz pelos avanços das sauditas mas “encantada porque o regime iraniano ver a sua falsa superioridade moral desfeita, com as leis e as acções do regime contra as mulheres mostradas como são, atrasadas e absurdas, mesmo por comparação com um país que é visto como o mais retrógrado da região”.

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Khamenei culpa "inimigos do Irão" pelos protestos em que já morreram 22 pessoas

IRÃO
Sofia Lorena
2 de Janeiro de 2018, 19:40

Entre as vítimas há já um menino de 11 anos, sem que se saiba ao certo quem o matou. 
Média de idades dos detidos está abaixo dos 25 anos. 
Sem líderes e com motivações distintas, estas manifestações são bem diferentes das de 2009.

Ao sexto dia consecutivo de protestos em dezenas de cidades iranianas, e quando ja se contabilizam pelo menos 22 mortos, o Guia Supremo, ayatollah Ali Khamenei, que tal como o Presidente Hassan Rohani tem ouvido gritos de “ditador”, falou finalmente, para afirmar que estão a ser promovidos por agentes estrangeiros.

É a maior vaga de protestos desde a chamada “revolução verde” de 2009, e uma das diferenças é que, desta vez, alguns dos manifestantes têm atacado esquadras, centros religiosos, bancos ou sedes da Bassiji (milícia islâmica do regime) e o caos já serviu para um iraniano matar a tiro um membro dos Guardas da Revolução.

Mas face aos apelos para que continuem as manifestações, Khamenei disse mais ou menos o que se esperaria: “Nos últimos dias, inimigos do Irão usaram diferentes ferramentas, incluindo dinheiro, armas, serviços políticos e secretos para criar distúrbios na República Islâmica.” 
Depois deste comentário, publicado no seu site oficial, o ayatollah promete dirigir-se à nação “quando for o tempo certo”.

A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, declarou que era "um disparate" alegar que havia influência estrangeira. 
"As manifestações são totalmente espontâneas", declarou.

Diferente de 2009

Jovens, como os que saíram à rua há oito anos e meio, estes manifestantes também parecem ser mais rurais e menos urbanos, quando em 2009 grande parte da revolta foi feita por universitários e académicos. 
Desta vez, há relatos de gente que se desloca até às cidades por todo o país para nelas se manifestar.

Ao mesmo tempo, enquanto os protestos esmagados pelo regime nesse Verão começaram por causa de umas eleições tidas como fraudulentas – as que reelegeram o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad –, estes foram motivados pelas expectativas de progressos na economia e de maiores aberturas, expectativas criadas pelo actual Presidente, o centrista moderado Hassan Rohani, principalmente desde a assinatura do acordo sobre o programa nuclear iraniano, em 2015. 
A população acreditou tanto nele que em Maio o reelegeu com 57% dos votos, mais dos que tinha obtido em 2013.

Em 2009, os iranianos saíram em defesa dos candidatos moderados que acreditavam ter sido os vencedores reais das presidenciais e estes eram, na prática, os líderes da revolta. Desta vez, o movimento é muito mais espontâneo e disperso, e não há interlocutores. Mehdi Karroubi, de 79 anos, e Mir-Hossein Moussavi, de 75, permanecem ambos em prisão domiciliária.

Outra grande diferença, ligada a estas, é que Teerão não tem sido o centro e a maioria dos que estão na rua são homens: há manifestações na capital, mas não são de todo as maiores, e os protestos começaram em Mashad, no Nordeste, a segunda maior cidade do país, cidade-santuário onde funciona a mais rica fundação do Irão, que tem a cargo a gestão de mesquitas, mausoléus e outras propriedades na região.

As primeiras mortes entre os manifestantes terão ocorrido sábado à noite, em Izbeh, no Sudoeste, num protesto que terminou com dezenas de feridos. 
Pelo que se sabe, as vítimas foram mortas a tiro. 
No dia seguinte, domingo, pelo menos mais dez pessoas que se manifestavam foram mortas.

Assalto a uma esquadra

Na noite de segunda para terça-feira, seis manifestantes morreram em confrontos com as forças de segurança, quando um grupo estaria a tentar tomar de assalto uma esquadra da polícia em Qahderijan, cidade da província de Isfaão, no centro do país. 
Na mesma região, mas em Khomeinishahr, um menino de 11 anos e o seu pai foram mortos a tiro quando passavam perto de uma concentração – alguns media dizem que foram mortos por manifestantes. 
Já em Khariz Sang, um jovem membro dos Guardiães da Revolução (a força de elite do regime) foi morto a tiros de caçadeira.

O site de notícias da televisão do Estado dá ainda conta da morte de um polícia durante “actos de violência” em Najafabad, ainda na mesma província de Isfaão.

Só em Teerão foram entretanto detidas pelo menos 450 pessoas desde sábado. 
“Duzentas pessoas foram presas no sábado, 150 domingo e cerca 100 na segunda-feira”, disse o adjunto do presidente da câmara, Ali-Asghar Nasserbakht à agência ILNA, próxima dos reformadores.

Na capital, onde estão a maioria dos poucos correspondestes estrangeiros que trabalham actualmente no país, os protestos têm ocorrido em pequenos grupos e durado pouco tempo – o aparato de segurança é impressionante.

Como em 2009, o regime está a responder com repressão e ameaças – apesar do tom inicialmente conciliatório de Rohani, defendendo o direito “à crítica e ao protesto”, mas “não à violência” – e já tratou de bloquear algumas aplicações e redes de troca de mensagens (Instagram, Telegram), essenciais para organizar a contestação de há oito anos e meio, quando a oposição diz terem sido mortas 72 pessoas.

Operação cirúrgica

Desde o início dos protestos, Rohani também prometeu “resolver os problemas da população”, nomeadamente o desemprego, que subiu em 2017 – e que no caso dos jovens (a média dos detidos tem menos de 25 anos) chega oficialmente aos 28,8% (os especialistas dizem que, na verdade, está mais próximo dos 40%). 
“A nossa economia precisa de uma grande operação cirúrgica”, disse o Presidente.

A verdade é que as sanções internacionais que deveriam ter desaparecido com o acordo não foram todas levantadas – os EUA mantêm algumas e Donald Trump passou o seu primeiro ano na presidência a prometer mais, afastando algum investimento estrangeiro. Rohani fez pouco, mas também enfrentou obstáculos para fazer mais – e há importantes áreas da economia que escapam ao seu controlo e estão nas mãos de poderes obscuros, incluindo fundações religiosas e os próprios Guardas da Revolução.

Os iranianos esperavam mais. 
Os manifestantes não são exactamente pessoas que estejam a passar fome, diz à Al-Jazira o académico e analista político iraniano Mohammad Ali Shabani. 
“A questão são as expectativas elevadas, é daí que vem o perigo. 
As pessoas estavam à espera de viver melhor, em parte por causa das promessas de Rohani na sequência do acordo nuclear. 
Não é a pobreza absoluta que está a levar as pessoas à rua, é pensarem: ‘Precisamos de mais do que isto, foi-nos prometido mais, não temos os empregos que esperávamos.’

”Ali Vaez, o director do projecto para o Irão do think tank International Crisis Group, concorda. 
“O Governo inflacionou muito as expectativas públicas”, diz, notando que não se pode ignorar os recuos americanos e a descida dos preços do petróleo como factores que prejudicaram os planos de Rohani.

Na verdade, este até cumpriu mais em questões de costumes: passaram a ser permitidos concertos, a “polícia da moralidade” anda quase desaparecida e as festas “ilegais” deixaram de ser alvo de raides da polícia. 
O problema é mesmo a economia, campo em que, segundo Vaez, Rohani “prometeu a mais e cumpriu a menos”.

slorena@publico.pt