Redação F8 20 de Fevereiro de 2020
"ARRESTO DE CONTAS IMPEDE PAGAMENTO DE SALÁRIOS"
A empresária angolana Isabel dos Santos afirma que o arresto de contas bancárias pessoais e das empresas que tem em Portugal está a impedir o pagamento de salários, a fornecedores e impostos, alertando para as consequências.
Em comunicado, a empresária refere que "contrariamente ao que aconteceu em Angola", com o arresto decretado no final de Dezembro pelo Tribunal de Luanda, em Portugal a justiça entendeu arrestar e congelar contas bancárias, bloqueando todo e qualquer movimento". A situação, prossegue o comunicado, está a ter consequências na gestão das empresas, segundo Isabel dos Santos.
"impedindo o funcionamento operacional e normal de qualquer organização, nomeadamente no cabal cumprimento das suas obrigações de pagar a trabalhadores, à Autoridade Tributária, Segurança Social e fornecedores, não podendo ser imputado às administrações das empresas responsabilidades criminais ou outras por falta de tais pagamentos, já que as mesmas, a ocorrer, não se devem à sua vontade, mas sim ao congelamento das contas bancárias", lê-se.
Par a empresária angolana, a situação representa um sério risco de detruição de valor para todos os "takeholders" das empresas em que tem participação em Portugal.
O Ministério Público requereu o arresto de contas bancárias da empresária Isabel dos Santos, "âmbito de pedido de cooperação judiciária internacional das autoridades angolanas", confirmou em 11 de Fevereiro a Procuradoria-Geral da República portuguesa.
Isabel dos Santos é suspeita de gestão danosa e evasão fiscal num processo que está a ser investigado em Angola e envolve uma transferência de vários milhões de dólares.
Em Dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do marido, o congolês Sindika Dokolo, e do português Mário da Silva, além de nove empresas nas quais a empresária detém participações sociais, por alegados negócios privados que terão lesado o Estado angolano.
No comunicado, Isabel dos Santos defende tratar-se de uma "situação inexplicável", com um "infundado arresto às diversas contas bancárias pessoais e das empresas em Portugal", entretanto alvo de um pedido de impugnação por parte dos advogados da empresária, mas que "na prática está a impedir o movimento das mesmas nos diversos bancos".
A empresária defende que em Angola, "os arrestos não impediram o pagamento de salários, a fornecedores, impostos e Segurança Social, contrariamente ao que diz estar a acontecer em Portugal.
"As empresas que detenho e trabalham em Portugal estão registadas no espaço Europeu não sendo nenhuma destas empresas offshore, e estão devidamente capitalizadas, auditadas e operam nos termos mas estritos da lei", insiste Isabel dos Santos, acrescentando que até ao final de 2019 "nenhuma das empresas devia um euro em salários, impostos e Segurança Social".
"Esta realidade passará naturalmente a ser outra", alerta a empresária angolana, acrescentando que "tudo" está a fazer para continuar a cumprir com os parceiros financeiros, com todos os trabalhadores e "ainda perante o Estado naquelas que são as obrigações fiscais e contribuições sociais".
"É por conseguinte, e face ao exposto, de capital importância as empresas poderem retomar a operar com toda a normalidade para que possam cumprir como lhes é exigido com todas as suas obrigações com todos os seus "stakeholders" e todos os seus trabalhadores", conclui Isabel dos Santos no comunicado.
Afinal onde é que Isabel dos Santos se financiou?
Isabel dos Santos tem uma dívida de mais de 500 milhões de euros a bancos portugueses, no âmbito de créditos que solicitou para investir em vários negócios em Portugal, nomeadamente na Efacec, no BPI e na Zon. A Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o Banco Comercial Português (BCP) lideram os empréstimos concedidos à angolana.
A Banca portuguesa concedeu, entre 2009 e 2015, empréstimos de 420 milhões de euros a Isabel dos Santos para a compra de acções do BPI, da Zon e da Efacec, conforme dados apurados pelo Correio da Manhã.
O BCP e a CGD surgem à cabeça, detendo a maioria dos empréstimos concedidos à empresária, respectivamente com mais de 172 milhões de euros e cerca de 148 milhões de euros.
O Novo Banco e o Montepio Geral terão também concedido empréstimos de 40 milhões de euros e de 34 milhões de euros, respectivamente, a Isabel dos Santos para a compra da Efacec numa altura em que esta empresa estava em falência técnica. A empresária já terá pago 66,5 milhões de euros destes créditos. No total, Isabel dos Santos já terá pago 306 milhões de euros à Banca.
Por sua vez o Expresso adianta que Isabel dos Santos ainda deve 570 milhões de euros a bancos portugueses. Esta quantia avultada terá levado o Banco de Portugal (BdP) a solicitar aos bancos e aos auditores uma avaliação de todos os financiamentos concedidos à empresária, nomeadamente para aferir se estão todos "cobertos por imparidades".
O semanário nota que há três bancos que "concentram a maior parte da dívida" e realça que o BdP solicitou uma actualização nos números a todas as entidades financeiras envolvidas.
O objectivo é aferir o grau de exposição da banca portuguesa às dívidas de Isabel dos Santos, numa altura em que ela está a ser investigada pela justiça angolana, no âmbito do Luanda Leaks", e quando tem as suas contas bancárias, em Portugal e em Angola, arrestadas.
Um dos bancos com a situação mais delicada é o EuroBic, onde Isabel dos Santos tem uma participação maioritária e que está em processo de venda ao Abanca de Espanha. Neste caso, o BdP apelou ao Conselho Fiscal do EuroBic para analisar os empréstimos concedidos a empresas de Angola, para aferir do "grau de adequação dos procedimentos seguidos pelo banco nas operações em causa", como aponta o Expresso.
No EuroBic também está a decorrer "uma monitorização especial da evolução dos depósitos" de contas de Isabel dos Santos e de pessoas que lhe são próximas, nomeadamente do marido Sindika Dokolo, para apurar eventuais transferência suspeitas.
A guerra continua, diz o BE
Entretanto o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou um requerimento para o Governador do Banco de Portugal ser ouvido com carácter de urgência na Assembleia da República. Este foi aprovado por unanimidade. O assunto é a anunciada venda da participação de Isabel dos Santos no EuroBic.
No âmbito do Luanda Leaks foi revelado "um esquema de ocultação, desvio de fundos e branqueamento de capitais, nomeadamente através das contas da Sonangol no EuroBic". Isto além de terem sido confirmadas as "denúncias reiteradas da forma como Isabel dos Santos acumulou uma fortuna a partir do financiamento público e da exploração de empresas estatais angolanas, proporcionados pelo poder político do seu pai, José Eduardo dos Santos".
No requerimento assinado por Mariana Mortágua assinala-se que o próprio banco comunicou, depois disso, ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal e à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária a existência de operações suspeitas e que, no seguimento, a justiça portuguesa determinou o arresto das contas bancárias de Isabel dos Santos e das suas empresas.
Só que as participações financeiras no EuroBic não foram arrestadas pelo que a posição de Isabel dos Santos neste banco já tem como comprador o Abanca. O BE considera que "se esta venda se concretizar, a participação no EuroBic adquirida por Isabel dos Santos com fundos de origem potencialmente ilegítima poderá ser transformada em liquidez, sem garantia de que essas receitas sejam rastreadas e impedida a sua integração na fortuna pessoal de Isabel dos Santos".
O BE realça assim as responsabilidades do Banco de Portugal nesta matéria: "Cabe ao Banco de Portugal, ao decidir sobre a autorização de venda, analisar se esta operação é susceptível de configurar a prática de branqueamento de capitais", podendo suspender a venda "se, em simultâneo, estiver a decorrer um processo de investigação às práticas do EuroBic pelo Departamento de Acção Sancionatória".
No requerimento considera-se assim "imperativo que o Banco de Portugal esclareça o acompanhamento que estará a fazer às actividades financeiras relacionadas com Isabel dos Santos em Portugal". O BE quer o que pretende fazer a instituição quanto ao apuramento de todas as responsabilidades nas falhas no sistema de prevenção do branqueamento de capitais do EuroBic, à avaliação da idoneidade dos accionistas e órgãos de administração do EuroBic no período que antecedeu a divulgação pública do caso Luanda Leaks e à avaliação da operação de venda da participação de Isabel dos Santos no EuroBic, quanto à idoneidade de todos os envolvidos e aos potenciais riscos da operação em matéria de branqueamento de capitais e/ou de obstrução da justiça.
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