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segunda-feira, 23 de julho de 2018

Capacetes Brancos: Os salvadores mais fotogênicos do mundo que 'não se importam' com civis?


World News
8 Abr, 2018 23:26

O notório grupo dos Capacetes Brancos, alegando ser os primeiros socorros imparciais a proteger os sírios - e filmar-se a fazê-lo - estão novamente em evidência na cobertura da mídia ocidental, depois que acusaram Damasco de um ataque químico.
O grupo, que surgiu de equipes de resgate 'voluntários' operando em áreas controladas por militantes de Aleppo e Idlib em 2012, alcançou o auge de sua fama mundial durante a Batalha de Aleppo em 2016, tornando-se uma das fontes de informação mais utilizadas. materiais visuais na cobertura da mídia ocidental sobre o conflito sírio.


E, enquanto um documentário da Netflix sobre os Capacetes Brancos elogiava os primeiros socorristas corajosos e acabou ganhando um Oscar, as pessoas em campo em Aleppo, que conversaram com Murad Gazdiev em 2017, descreviam um lado muito mais sombrio da rotina dos voluntários.

Os auto-proclamados salvadores estavam trabalhando em estreita colaboração com os militantes e operando sob sua proteção, Aleppans disse RT, descrevendo como os trabalhadores humanitários supostamente imparciais estavam salvando apenas "seus próprios". 

Os membros dos Capacetes Brancos também foram acusados ​​de saquear a ajuda muito pouco que estava vindo para a cidade e de usar as provisões para forçar moradores locais famintos a agir em câmera em troca de um pedaço de pão.

Outra evidência da estreita colaboração do grupo financiado pelo Ocidente com os militantes foi descoberta por Gazdiev, enquanto ele percorria vários de seus quartéis-generais em toda a cidade destruída. 
Assista ao relatório completo de Murad Gazdiev para reviver a libertação de Aleppo e obter uma visão mais ampla da rotina diária dos Capacetes Brancos.

EUA congelam financiamento para "Capacetes Brancos" da Síria

CBS NEWS 
Kylie Atwood    3 de maio de 2018, 18:34

Menos de dois meses atrás, o Departamento de Estado hospedou membros dos Capacetes Brancos em Foggy Bottom. 
Na época, o grupo humanitário recebeu elogios por salvar vidas na Síria.

"Nossas reuniões em março foram muito positivas. 
Houve até mesmo comentários de altos funcionários sobre compromissos de longo prazo até 2020. 
Não houve nenhuma sugestão sobre parar de apoiar", disse Raed Saleh, líder do grupo, à CBS News.

Agora eles não estão recebendo nenhum financiamento dos EUA, pois o Departamento de Estado diz que o apoio está "sob revisão ativa". 
Os EUA foram responsáveis ​​por cerca de um terço do financiamento total do grupo.

"Este é um desenvolvimento muito preocupante", disse um funcionário do Capacetes Brancos. 
"Em última análise, isso afetará negativamente a capacidade dos trabalhadores humanitários de salvar vidas".

Os Capacetes Brancos, formalmente conhecidos como a Defesa Civil Síria, são um grupo de 3.000 salvadores voluntários que salvaram milhares de vidas desde que a guerra civil síria começou em 2011. 
Um improvisado 911, eles correram para os prédios em colapso para puxar crianças, homens e mulheres fora do caminho do perigo. 
Eles dizem que salvaram mais de 70.000 vidas. 

Não tendo recebido financiamento dos EUA nas últimas semanas, os Capacetes Brancos estão questionando o que isso significa para o futuro. 
Eles não receberam nenhuma declaração formal do governo dos EUA de que a assistência monetária chegou a um impasse total, mas o pessoal do grupo no terreno na Síria relata que seus fundos foram cortados.

O grupo tem um "plano de emergência" se o financiamento for interrompido por um ou dois meses - mas eles estão preocupados com o congelamento a longo prazo.

"Se isso for uma paragem a longo prazo ou permanente, isso terá um impacto sério em nossa capacidade de fornecer a mesma intensidade e qualidade de serviços que atualmente fornecemos aos civis", disse Saleh.

Um documento interno do Departamento de Estado dizia que seu Escritório do Oriente Próximo precisava da confirmação da administração para o financiamento de luz verde para os Capacetes Brancos na Síria até 15 de abril ou que o departamento iniciasse "procedimentos de paralisação em uma base contínua". 
Esse documento também dizia que o departamento precisava ser notificado até o dia 6 de abril de que poderia continuar programas focados na remoção de minas terrestres, restauração de serviços essenciais e fornecimento de alimentos a forças moderadas e suas famílias ou esses programas também teriam que ser fechados.

No entanto, os funcionários do governo dos EUA não estão falando sobre a data do corte real do financiamento para cada programa, o que está causando confusão.

A porta-voz do Departamento de Estado, Heather Nauert, já havia chamado os capacetes brancos de "homens altruístas" e pediu a jornalistas que assistissem a um documentário sobre seu trabalho. 
Mas o Departamento de Estado não respondeu a um inquérito da CBS News no início desta semana sobre quais programas ainda estão recebendo financiamento, e a data em que certos programas perderão seu financiamento. 

O presidente Trump congelou os US $ 200 milhões do financiamento norte-americano para os esforços de recuperação na Síria no final de março. 
Este congelamento significa que o apoio dos EUA aos Capacetes Brancos não é o único projeto em risco. 
Há também muitos outros esforços de estabilização apoiados pelos EUA - incluindo a limpeza de dispositivos explosivos, a recuperação da eletricidade, a reconstrução de escolas e o fornecimento de água - que podem terminar em breve.

Autoridades dos EUA estão trabalhando para ver se há uma maneira de ajustar o financiamento existente para cobrir os custos desses projetos. 
No início deste ano, em Bruxelas, para a conferência de doadores para a Síria, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Maas, prometeu mais de US $ 1,1 bilhão para ajudar as pessoas necessitadas na Síria. 
Mas a partir de agora, a Alemanha não se comprometeu oficialmente a ultrapassar este compromisso inicial.

Os observadores também estão cada vez mais preocupados com os jovens da Síria, que são mais propensos à radicalização se não conseguirem a segurança e o apoio de que precisam. 
Como resultado dos combates no país, milhares de escolas foram destruídas. 
O punhado de escolas que abriram suas portas novamente recebeu necessidades simples, como cadeiras, mesas e quadros-negros dos EUA - mas na maioria das escolas as crianças ainda estão sentadas no chão, e os professores são extremamente difíceis de encontrar.

"A quantidade de apoio dos EUA é muito limitada, mas é melhor do que nada, então se isso vai parar, isso será um desastre. 
Depois do ISIS eles começaram a abrir as escolas e se o dinheiro parar, isso será feito", disse um veterano. membro do conselho da cidade de Deir ez-Zor. 
"Sem educação, as pessoas só têm idéias ISIS."

Esta semana, o Departamento de Estado disse que continuaria a defender seus parceiros na Síria quando anunciassem as operações finais para libertar redutos do Estado Islâmico no país.

"A luta será difícil, mas nós e nossos parceiros prevaleceremos. 
Defenderemos os Estados Unidos, a Coligação e as forças parceiras se forem atacados. Os dias de controle do território do EI e aterrorizando o povo da Síria estão chegando ao fim", escreveu o Estado. 
A porta-voz do Departamento, Heather Nauert. 
Ela não escreveu nada sobre os projetos de estabilização.

Enquanto isso, grande parte da Síria que foi inocentada do controle do Estado Islâmico - como Raqqa, sua autoproclamada capital - ainda está em ruínas e quase impossível de se viver.

"Raqqa é como uma pessoa doente em uma sala de emergência. 
Assim, o dinheiro ou tratamento deve vir mais rápido do que o modo rotineiro. 
Ele não é uma pessoa normal doente", Abdullah al-Arian, advogado em Raqqa assessorando o Conselho Civil.

"A paixão e poder que os EUA colocaram para libertar Raqqa não se iguala à paixão pela reconstrução de Raqqa. 
É muito diferente, muito menos, muito mais lenta", diz Al-Arian. 
"Eles nos dão palavras e promessas muito bonitas, mas não muito mais."

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Guerra na Síria: a escalada da indiferença



ANÁLISE
Ana Santos Pinto
9 de Março de 2018, 7:45

O cenário sírio demonstra, assim, que rapidamente se poderá passar de uma “guerra por procuração” (onde forças externas se digladiam indiretamente) para um confronto direto, com consequências imprevisíveis.

O atual momento da guerra na Síria, exposto nos sucessivos bombardeamentos e centenas de vítimas em Ghouta (a 10 km do centro da capital, Damasco), revela perigos que não devem ser ignorados. 
Por um lado, o risco de escalada militar, num conflito que há muito deixou de ser uma guerra civil — entre o regime de Bashar al-Assad e os múltiplos movimentos de oposição — e se transformou numa luta pela afirmação de interesses e influência de atores externos: da Rússia aos Estados Unidos, passando pelo Irão, Turquia, Israel e Estados do Golfo. 
Por outro, a ausência de resposta internacional à tragédia humanitária, com uma preocupante apatia das lideranças políticas, embora patente noutros contextos, dos o Iémen é exemplo.

Após sete anos de conflito, assiste-se a um novo agravamento da violência. 
Para além de combates entre forças do regime e movimentos de resistência, bem como a reiterada utilização de armas químicas contra civis, destacam-se dois incidentes que envolvem atores externos. 
A 7 de fevereiro último, conflitos entre forças aliadas ao Presidente sírio e militares norte-americanos em Deir Ezzor, zona curda no nordeste do país, resultaram em mais de 100 mortos, entre os quais foram identificados mercenários de nacionalidade russa, alegadamente ao serviço de uma empresa militar privada. 
Três dias depois, um F-16 israelita foi abatido em território sírio, quando regressava de um ataque a uma possível infraestrutura iraniana, de onde teria sido lançado um drone identificado no espaço aéreo de Israel. 
Acrescem ofensivas turcas em Afrin, zona curda na fronteira entre os dois países, em retaliação contra milícias das Unidades de Proteção do Povo (YPG), que Ankara considera ser uma extensão do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

O cenário sírio demonstra, assim, que rapidamente se poderá passar de uma “guerra por procuração” (onde forças externas se digladiam indiretamente) para um confronto direto, com consequências imprevisíveis. 
Um conflito com estas caraterísticas significa não só um agravamento da destabilização regional — por envolver os principais Estados do Médio Oriente — mas também da conflitualidade internacional, dada a presença de forças militares de duas potências: a Rússia e os Estados Unidos.

Dois anos e meio após o início do apoio formal das forças armadas russas ao governo de Bashar al-Assad, o regime sírio controla mais de metade do território (em 2015 dominava pouco mais de 15%) e os seus aliados internacionais, a Rússia e o Irão, aumentaram a sua influência. 
A derrota militar do autoproclamado ‘Estado Islâmico’ (Daesh), em 2017, em boa medida resultado das ações militares da Coligação Internacional estabelecida para o efeito, expõe que a conflitualidade na Síria tinha no Daesh apenas um dos seus componentes. 
Sob o rótulo de insurgentes, ou “terroristas” para os regimes sírio e russo, permanecem dezenas de movimentos com múltiplas filiações e interesses, mas com um elemento comum: a inexistência de uma hierarquia que imponha regras de ação ou pausa nos ataques.

Significa isto que estamos perante múltiplos conflitos, em paralelo, no mesmo cenário de guerra: entre o regime de Assad e movimentos insurgentes; entre os múltiplos movimentos insurgentes; entre a Turquia (membro da NATO) e forças curdas, algumas apoiadas pelos Estados Unidos e outros aliados da NATO; entre o Irão, persa e xiita, e os Estados do Golfo, árabes e sunitas, em particular a Arábia Saudita, num confronto que para além da dimensão etnoreligiosa assenta numa luta pelo poder regional; e entre o Irão e Israel que, à semelhança do Líbano, encontra na Síria atual um ambiente propício para o confronto. Ignorar esta complexidade impede soluções duradoras e promove uma fundada inquietação quanto ao futuro próximo.

Igual preocupação é gerada pela passividade perante a tragédia humanitária na Síria. 
De acordo com a ONU, desde o início do conflito, em Março de 2011, calculam-se mais de 250 mil mortos, 5.,5 milhões de refugiados, 6,.1 milhões de deslocados internos e 13,.1 milhões de pessoas a necessitar de ajuda humanitária. 
Em Ghouta, as ações militares das últimas semanas provocaram centenas de mortos, entre os quais dezenas de crianças, e um cerco à cidade que resulta em escassez extrema de alimentos e medicação, impedindo um tratamento mínimo aos feridos.

Chocam as imagens de destruição. 
A resposta internacional foi a adoção de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que exige um cessar de hostilidades por 30 dias e uma “pausa humanitária” que permita a entrada de ajuda e evacuações médicas. 
Em Ghouta, continuaram os ataques e cresceu o número de vítimas. 
O Presidente russo, Vladimir Putin, terá ordenado uma pausa diária das hostilidades, de cinco horas, para permitir apoio humanitário. 
Em Ghouta, prosseguiram os ataques e aumentaram as vítimas. 
Fracassadas as iniciativas diplomáticas em Genebra, sob égide na ONU, em Astana, organizadas pela Rússia, Turquia e Irão, e em Sochi, lideradas pela Rússia, escasseiam soluções. 
Os Estados Unidos reduzem-se a posições de condenação, consideram responsabilidade russa controlar o regime de Damasco e avaliam novas soluções militares. 
Sem mudança, depois de Ghouta seguir-se-á a cidade Idlib e os seus cerca de 150 mil habitantes.

O impasse na Síria resulta da passividade e apatia internacional, mas também da banalização de uma violência que diariamente inunda os cidadãos, tornando a exceção uma regra. 
A inação face à tragédia na Síria não é apenas um problema no Médio Oriente, é um sinal de alerta para as sociedades liberais, defensoras dos direitos e da dignidade humana.

Investigadora do IPRI-NOVA

Assad triunfa em Deraa e força rebeldes à rendição

SÍRIA
Público
7 de Julho de 2018, 9:11 
Acordo negociado por Moscovo prevê entrega das armas no Sul da Síria, depois de semanas de bombardeamentos. Damasco reconquista posto fronteiriço importantíssimo três anos depois.

Bashar al-Assad conseguiu uma importante vitória na batalha contra as forças rebeldes pelo controlo do território sírio. 
Cerca de três semanas volvidas do início da ofensiva militar no Sul do país o seu exército reconquistou uma parte significativa da província de Deraa e, com o apoio de Moscovo, forçou os combatentes da oposição a aceitar uma rendição e a entregar as suas armas.

Com este desfecho, Damasco volta a controlar o posto fronteiriço de Nassib-Jaber, junto à Jordânia, que esteve nas mãos dos rebeldes durante três anos. 
Um ponto estratégico que permitirá ao regime reabrir uma importante rota comercial, essencial para a recuperação económica da Síria e para o desbaratamento das bolsas de territórios ainda controladas por opositores.

Segundo a Al-Jazira, o acordo de rendição foi negociado entre as facções rebeldes de Deraa e a Rússia e fechado na sexta-feira, depois da Jordânia – que alberga mais de 1,4 milhões de refugiados sírios – ter encerrado a fronteira, pressionando as partes a alcançar um entendimento.

O Exército Livre da Síria comprometeu-se a entregar o seu armamento médio e pesado, em troca da passagem segura dos seus combatentes, e respectivos familiares, das vilas de Kahil, Al-Sahwa, Al-Jiza e Al-Misaifra para a região Norte de Idlib ou para uma área mais reduzida nas imediações dos Montes Golã, no Sul – ambas controladas por opositores a Assad.

Elementos da polícia militar russa vão ser mobilizados ao longo da fronteira com a Jordânia para garantir que o compromisso é cumprido na íntegra.

De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 320 mil pessoas fugiram de Deraa desde o dia 19 de Junho, quando se deu o início da ofensiva militar de Assad sobre a região.

Assad tomou Deraa e há 250 mil deslocados em situação "terrível"

A GUERRA NA SÍRIA
Maria João Guimarães
13 de Julho de 2018, 19:33 

Regime sírio declara a conquista da cidade que foi o berço da revolta contra o líder em 2011. 
Mas muitas das 250 mil pessoas que fugiram da ofensiva continuam no deserto, sem abrigos ou condições.

Deraa foi tomada pelas forças do regime, anunciaram os media estatais sírios, descrevendo que pela primeira vez em sete anos as forças de Bashar al-Assad entraram na cidade e içaram a bandeira síria. Enquanto isso, cerca de 250 mil pessoas que fugiram da ofensiva governamental estão em condições precárias no deserto na parte Sul do país. 
E na parte oriental do país, na fronteira com o Iraque, havia relatos de um ataque norte-americano contra combatentes do Daesh que deixou dezenas de mortos, incluindo também civis.

A tomada de Deraa na quinta-feira pelas forças do regime é de enorme importância extrema para o regime. 
Foi aí que nasceram os protestos contra Assad, inspirados nos movimentos de revolta na Tunísia e no Egipto. 
A primeira acção foram uns rabiscos contra Assad grafitados numa parede por um grupo de homens e adolescentes, em Março de 2011. 
Estes foram detidos, e dias depois mortos com sinais de tortura (unhas arrancadas, um dos corpos, de um rapaz de 13 anos, não tinha genitais)
Depois da tomada de Deraa na quinta-feira um deputado leal a Assad, Fares Shehabi, perguntava no Twitter se tinham encontrado as unhas dos rapazes.

O caso provocou uma onda de indignação e mais protestos, que foram brutalmente reprimidos; os revoltosos começaram a usar armas e o conflito transformou-se numa guerra civil, que se complicou com a entrada em cena de grupos islamistas que lutaram com ou contra os rebeldes. 
O apoio militar do Irão e do grupo xiita libanês apoiado por Teerão Hezbollah, e sobretudo o da Rússia, ajudaram Assad a recuperar território e a conquista de Deraa é uma das últimas vitórias. 
Entretanto, morreram mais de 350 mil pessoas e 11 milhões deixaram as suas casas.

A ofensiva a Deraa foi responsável por um dos maiores episódios de deslocação do conflito, diz o diário britânico The Guardian. 
Temendo operações semelhantes às de Ghouta Oriental, meses antes, em que morreram mais de 2000 pessoas em ataques particularmente violentos e indiscriminados, mais de 250 mil civis fugiram para zonas de fronteira, ou com Israel ou com a Jordânia.

Enquanto a maioria dos que estavam perto da Jordânia regressaram às suas casas quando as aldeias assinaram tréguas com o regime, os que estão perto de Israel – que eram cerca de 70% do total, diz a ONU – mantinham-se lá. 
Segundo o Gabinete para a Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU, estão em condições “terríveis”, a dormir em automóveis ou no chão, sem acesso a água potável e com provisões alimentares a terminar. 
Pelo menos 12 pessoas morreram por desidratação (as temperaturas chegam a 45 graus), água contaminada ou picadas de escorpiões.

Ainda na zona, mísseis israelitas abateram esta semana dois drones vindos de território sírio, um na quarta-feira feira e outro na sexta – numa das vezes a retaliação foi contra posições do Hezbollah na parte Sul da Síria. 
Israel disse várias vezes que não permitiria a presença de forças ligadas ao Irão tão perto do seu território.

Enquanto isso, um ataque norte-americano atingiu uma posição do Daesh, que mantém uma pequena presença perto da fronteira com o Iraque, matando 54 pessoas, das quais 28 eram civis, segundo o grupo Observatório Sírio para os Direitos Humanos. 
O observatório, com sede em Londres, disse ainda que a maioria dos civis mortos eram iraquianos. 
Os Estados Unidos confirmaram um ataque na zona, mas disseram não ter mais informação.

maria.joao.guimaraes@publico.pt

"Só contamos com a solidariedade dos povos, não dos governos"

ENTREVISTA
António Marujo
18 de Abril de 2018, 21:07 
Os Capacetes Brancos salvam pessoas dos escombros nos bombardeamentos na guerra na Síria. Com cerca de quatro mil membros, de todas as religiões, tornaram-se um símbolo de resistência da sociedade civil neste conflito. Dois deles estão em Portugal.
Os Capacetes Brancos em Fafe 

Os Capacetes Brancos salvam pessoas dos escombros nos bombardeamentos na guerra na Síria. 
Com cerca de quatro mil membros, de todas as religiões, tornaram-se um símbolo de resistência da sociedade civil neste conflito. 
Dois deles estão em Portugal.

Em quatro anos, os Capacetes Brancos (CB) da Síria já resgataram 114 mil pessoas. 
“Se não fosse a esperança numa Síria em paz, já teríamos morrido”, dizem Ahmad Al Yousef, 38 anos, que era professor de matemática, e Nidal Izzden, 37, dentista de profissão. 
Os dois membros dos CB estão em Fafe desde quarta-feira, para participar num conjunto de iniciativas no âmbito do festival Terra Justa – Encontro de Causas e Valores da Humanidade.

Os CB já só esperam, agora, a solidariedade dos povos, já que os governos dos países mais poderosos ficam-se pelas condenações verbais. 
Com cerca de quatro mil membros, dos quais cerca de 400 mulheres, reunindo muçulmanos, cristãos “e até ateus”, os CB já pagaram também um preço alto da sua missão: 237 foram mortos quando socorriam outras pessoas.

Há alguma história que vos tenha marcado mais, nestes quatro anos de missões?
AHMAD AL YOUSEF (A.Y.) – Houve um voluntário dos CB que me ligou [ontem]: um dia foi chamado para ajudar depois de um bombardeamento; poucos minutos depois, os aviões voltaram para bombardear ali perto; disseram-lhe para ir ao segundo sítio e descreveram-lhe o local. 
Ele percebeu que era a casa dele; correu para lá, assustado e, quando chegou, a casa estava destruída. 
Viu a esposa e perguntou pela mãe, que tinha ficado no quarto, sob os escombros. 
Ficou em choque e começou a chamar por ela, a dizer que estava a salvar os outros e não tinha conseguido salvar a mãe...

Porque registam o que fazem?
A.Y. – Quando filmamos, não é para fazer propaganda. 
A razão mais importante é documentar o que acontece no terreno, documentar os crimes. 
A comunidade internacional não se vai mexer por ver uns vídeos de pessoas a morrer. 
Mas a nossa missão é dar voz a quem não tem voz, as vítimas também têm direitos.

O regime e a Rússia dizem que o ataque químico em Douma foi uma mentira. Qual é a vossa convicção?
N.I. – O regime diz que não usou armas químicas. 
Não só estamos convencidos do contrário, como documentámos o ataque. 
Não temos um laboratório para saber que agente químico foi usado, mas filmámos pessoas a salivar e outras cuja pele ficou azul. 
No início, o regime disse que não tinha armas químicas, mas depois assinou um acordo para as entregar. 
Como é que se disse que não se tem e depois se diz que entregam as armas?

A Rússia e o regime acusam-nos de estarem ligados a grupos terroristas. Como conseguem trabalhar mantendo a neutralidade?
N.I. – A única garantia para não sermos atacados por nenhum dos grupos que combatem é a nossa neutralidade. 
Caso contrário, seríamos o primeiro alvo dos ataques.

Sete anos depois do início da guerra, como se sai daqui?
N.I. – É muito difícil responder. 
Teremos de chamar à justiça os criminosos, que mandaram aviões para bombardear as pessoas, que permitiram que muita gente que estava nas prisões saísse para formar grupos da Al-Qaeda, do Daesh, etc. 
São os que ajudaram os mesmos grupos no Iraque. 
E são estes grupos a base do mal. 
Antes de 2011, havia um Estado. 
Depois de 2011 e da revolução, instalou-se um caos generalizado, formaram-se grupos armados para espalhar o pânico, abriram-se as fronteiras para deixar entrar toda a gente... O regime é que permitiu o que está a acontecer.

Os Capacetes Brancos têm pedido a intervenção da ONU, mas as Nações Unidas são o que os EUA, a Rússia e a União Europeia permitirem. O que se pode fazer?
N.I. – O povo sírio já perdeu a fé e a esperança na comunidade internacional. 
Agora, só contamos com a solidariedade dos povos, não dos governos. 
Todos os dias ouvimos condenações, mas o que acontece a seguir? 
Que passos concretos se dão? 
Nenhuns... 
Na ONU houve 12 vetos, seis deles só por causa do uso de armas químicas. 
Houve uma resolução para um cessar-fogo em Goutha, e o que aconteceu? 
Houve um deslocamento forçado das pessoas que, a seguir, foram bombardeadas com armas químicas...

Têm esperança numa Síria em paz, onde seja possível a convivência de diferentes culturas e religiões? É possível, numa Síria sem Assad, que a liberdade religiosa subsista?
N.I. – Se não fosse essa esperança, já tínhamos morrido. 
Uma das estratégias que temos é de espalhar a mensagem de que todos têm lugar. 
A convivência que existia na Síria não existia em muitos lugares do mundo. 
Há muitos lugares onde vivem cristãos, católicos ou outros, muçulmanos xiitas e outros. 
E nos CB também temos essa mistura, até temos ateus.

No início, pensávamos no que iria acontecer depois de Assad, se seria possível arranjar alternativa para ele sem acontecerem coisas piores. 
Mas Assad continua lá e o pior está a acontecer, não pode haver pior do que isto: um país destruído e cortado aos bocados...

Serviço special para o PÚBLICO

Com a queda de Alepo acabaram as “revoltas coloridas”, diz Moscovo

A GUERRA NA SÍRIA
Sofia Lorena
22 de Dezembro de 2016, 14:38 actualizado 22 de Dezembro de 2016, 19:14 
Putin com o ministro Shoigu atrás, enquanto cumprimenta o adjunto da Defesa
Exército anuncia regresso à cidade. 
Assad afirma que a vitória na metrópole do Norte da Síria é tanto sua como da Rússia e do Irão.

As últimas pessoas foram retiradas do Leste de Alepo e o último enclave da oposição a Bashar al-Assad na cidade com mais população da Síria caiu mesmo para o regime. 
O Presidente sírio diz que é uma vitória tanto para o seu país como para a Rússia e o Irão, cita a PressTV iraniana; o Governo russo que põe fim "às 'revoluções coloridas'" que começaram em 2011.

 Os sucessos de Assad e dos seus aliados no campo de batalha “são um passo essencial no caminho para pôr fim ao terrorismo em toda a Síria e na criação das condições certas para terminar a guerra”, diz ainda o ditador, citado pela mesma rede de informação internacional do Irão. 
Assad já se congratulara por esta “vitória”, que descreve como “história a acontecer, merecedora de mais do que os ‘parabéns’ do mundo”.

"Graças ao sangue dos nossos mártires e ao sacríficio das nossas corajosas Forças Armadas assim como das forças suplementares e aliadas, o comando geral anuncia o regresso da segurança a Alepo após o anúncio da sua libertação dos terrorismo e dos terroristas e da saída dos que restavam", anunciou o Exército de Assad num comunicado.     

Alepo estava dividida em duas grandes partes desde 2012, quando a oposição armada conquistou algumas zonas. 
Com a linha da frente perto da Cidade Velha (Património da Humanidade), houve dezenas de milhares de mortos e uma destruição avassaladora. 
Os últimos bairros a cair, desde o início da última ofensiva aérea das forças de Assad e dos seus dois aliados externos, a 15 de Novembro, estão quase em escombros – nos últimos dias, chegam de lá fotografias de combatentes leais ao líder sírio a caminhar entre os destroços.

O conflito está tão complexo como há um mês, e diferentes países com uma agenda própria estão envolvidos enquanto continua uma revolta cidadã que foi esmagada por uma ditadura, ao mesmo tempo que os terroristas aproveitaram vazios de poder para criar santuários (o mesmo fizeram os curdos sírios, que controlam grande parte de Rojava, o Curdistão da Síria, no Nordeste, até às fronteiras turca a Norte e iraquiana a Leste, para além de Afrin, no Noroeste e Kobani, no Centro Norte do país). 

A Turquia, que combate o Daesh e os curdos junto à sua fronteira, matou esta quinta-feira pelo menos 29 civis, incluindo oito crianças, num bombardeamento contra Al-Bab, uma pequena cidade controlada pelos jihadistas, diz o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, ONG ligada à oposição.

Rússia, Irão e Turquia, os países que mediaram as negociações para o acordo que permitiu parar com as bombas e deixar sair as dezenas de milhares de civis e combatentes que ainda restavam há uma semana do lado rebelde, já se encontraram entretanto para debater o futuro da Síria
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Riabkov, esclareceu esta quinta-feira que em cima da mesa nestas discussões não está o destino de Assad.

Nada de estranho, já que a Rússia nunca admitiu discutir uma saída de Assad quando negociava com os Estados Unidos. 
Assad falou no final de um encontro com o adjunto dos Negócios Estrangeiros iraniano, Hossein Ansari, em Damasco.

A Rússia fez o seu balanço da participação directa no conflito sírio, informando que desde Setembro de 2015 "liquidou 35 mil combatentes e destruiu 725 campos de treino e 405 depósitos de armas. 
“Agora, somos mais fortes do que qualquer potencial agressor”, disse o Presidente russo, Vladimir Putin, numa reunião no Ministério da Defesa, em Moscovo. 
“A cadeia de ‘revoluções coloridas’ que se espalhou pelo Médio Oriente e África quebrou-se”, afirmou, no mesmo encontro, o adjunto do ministro da Defesa, Serguei Shoigu.

O responsável estaria a referir-se à vaga de revoltas populares e pró-democráticas que começou na Tunísia, em Dezembro de 2010 e levou, em 2011, à queda de ditadores como Ben Ali e o egípcio Hosni Mubarak. 
Em Março de 2012, foi a vez de a Síria assistir às suas primeiras manifestações, brutalmente reprimidas por Assad.

slorena@publico.pt

Capacetes brancos: os “verdadeiros heróis” da Síria são candidatos aos Óscares

SÍRIA
Sofia Lorena
25 de Fevereiro de 2017, 9:23 

Conhecidos como Capacetes Brancos, passam os dias a correr na direcção das bombas, a “fazer o combate que vale a pena”. 
Domingo à noite, The White Helmets disputa a estatueta dourada de melhor documentário de curta-metragem.

Já tanto aconteceu na Síria que se torna difícil recordar como tudo começou. 
Pensar nos Capacetes Brancos, como são conhecidos os voluntários da Defesa Civil Síria, ajuda a regressar a 2011. 
Nomeados para o Nobel da Paz, receberam o chamado “Nobel alternativo”, o prémio Right Livelihood, pela “extraordinária coragem, compaixão e empenho humanitário no resgate de civis”.

São perto de 3000, a maioria homens, e têm uns 120 centros espalhados pela Síria. 
Salvam vítimas de bombardeamentos soterradas nos escombros, apagam incêndios, repõem serviços básicos, constroem abrigos para civis. 
“Salvar uma vida é salvar toda a humanidade", é o lema que os faz correr. 
Bashar al-Assad descreve-os como “terroristas” e estão proibidos de actuar nas áreas controladas pelo regime. 
Perderam 162 socorristas só em 2016 e já salvaram quase 80 mil pessoas.

Em Setembro, quando recebiam o Right Livelihood em Estocolmo, a plataforma de streaming Netflix estreava um documentário de 40 minutos sobre o seu trabalho. 
Domingo, o realizador Orlando von Einsiedel e a produtora Joanna Natasegara estarão sentados no Teatro Dolby de Hollywood. The White Helmets é candidato ao Óscar de Melhor documentário de curta-metragem.

Para a síria Ola Suliman, esta nomeação “é especialmente importante porque o filme se centra em Alepo e nós perdemos Alepo”. 
O prémio, diz, “seria uma oportunidade para a reescrita da história, morreu muita gente na cidade e eles acham que falharam, apesar de terem feito o seu melhor.”

Alepo é a grande cidade do Norte da Síria, era a maior metrópole do país antes da guerra, e esteve dividida entre o regime e a oposição até Dezembro. 
Depois de bombardeamentos da aviação de Assad e da Rússia com uma violência nunca vista no conflito, os opositores aceitaram uma trégua e os bairros que controlavam foram evacuados. 

Nascida em Homs, uma das cidades mais castigadas pelo regime, Suliman é uma espécie de “pré-capacete branco”. 
Tinha 24 anos quando a revolução começou e estava em Damasco, a trabalhar como engenheira electrotécnica. 
“Acabei a licenciatura em 2010 e estava à espera de viajar para a Alemanha, onde ia completar os meus estudos”, conta ao telefone a partir de Istambul.

Há seis anos, por estes dias, tudo mudou. 
Em Fevereiro de 2011, a detenção e tortura de uns miúdos que escreveram “abaixo Assad” numa escola de Deraa desencadeou uma série de protestos, primeiro nesta cidade do Sul da Síria, depois noutras zonas. 
De repente, milhares de sírios pediam nas ruas “justiça, mais direitos e a responsabilização” das autoridades pelos seus crimes.

Assad mandou os militares disparar contra manifestantes desarmados, logo depois começou a bombardeá-los. 
Em Agosto, a revolta tornava-se armada, com a criação do Exército Livre da Síria, formado por desertores e civis. 
Começava assim um conflito que hoje é uma guerra total, com terroristas que aproveitaram o vazio de poder para conquistar território e a participação directa ou indirecta de dezenas de países, das monarquias árabes do Golfo à Turquia, dos Estados Unidos ao Reino Unido.

Ajudar como se pode

“Primeiro participei nos protestos. 
Depois, organizei-me com outros para levar ajuda médica e alimentos aos primeiros deslocados”, descreve Suliman. 
“Em 2012, surgiram as primeiras zonas libertadas [do regime], nos arredores de Damasco. Sempre que uma zona era libertada isso significava que ia começar a ser bombardeada e era preciso dar assistência às vítimas. 
Também ajudámos em Yarmouk [campo de refugiados palestinianos], um dos meus irmãos é médico e foi para lá”, conta.

Foi reagindo à medida que a realidade mudava. 
Sem formação médica, fazia o que podia. 
“O que sabia é que já não podia ir para a Alemanha. 
Não podia abandonar os sírios.” 
Entretanto, adoptou uma criança e passou a fronteira, estabelecendo-se na Turquia. “Através de contactos da revolução, comecei a trabalhar com a Defesa Civil, a treinar e a equipar os Capacetes Brancos.”

Os próprios Capacetes Brancos iam nascendo ao mesmo tempo que Suliman ia percebendo como ajudar. 
Começaram por ser pequenos grupos que se organizavam em cada cidade ou vila para reagir a cada bombardeamento. 
Depois, foram-se organizando, entraram em contacto uns com os outros. 
Perceberam que precisavam de treino e que funcionariam melhor se houvesse uma estrutura. 
Quando começaram a ter algum financiamento, adoptaram o uniforme – fato de macaco bege e capacete branco.

Raed al-Saleh, vendedor de equipamento electrónico até 2011, foi escolhido para os dirigir num dos primeiros encontros de vários grupos locais – hoje fazem duas reuniões por ano e contam com financiamento de agências ao desenvolvimento de diferentes países (incluindo os EUA e vários membros da União Europeia). 
Na Turquia, são apoiados pela AKUT, especializada em resposta a desastres, e pela organização sem fins lucrativos Mayday Rescue, fundada pelo britânico James le Mesurier.

Suliman acabou por se estabelecer na Mayday, no fim de 2014, quando os voluntários começaram a ir com regularidade à Turquia. 
“Estou sempre em contacto com eles, por Skype. 
Já os encontrei aqui, em formações na Turquia, e noutras na Jordânia”, descreve. 
“É extraordinário poder lidar com eles. 
Eu e os outros sírios da Mayday fazemos isto por nós, não é por eles. 
É uma sorte imensa conhecer estes heróis, os verdadeiros heróis da Síria”.

Combater a guerra

Cidades arrasadas, centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados deixaram muitos sírios com vontade de vingança. 
“Os miúdos, por exemplo, queriam todos combater o regime. 
É terrível, mas percebe-se. 
Toda a gente perdeu pessoas”, afirma Suliman. 
“A nossa mensagem é muito difícil de fazer passar, mas com os Capacetes Brancos é possível. 
Os miúdos começaram a olhar para eles e a querer imitá-los, já nem todos querem lutar.”

“O que eles mostram todos os dias é que é preciso combater a guerra, a violência, não combater os outros sírios. 
Eles fazem o combate que vale a pena”, sublinha Suliman.

O documentário da Netflix acompanha uma acção de formação na Turquia, intercalando esses treinos e as entrevistas com três voluntários com imagens de Alepo filmadas por Khaled Khatib, um jovem de 21 anos que regista o trabalho do grupo.

Vemos o salvamento de um recém-nascido que passou 16 horas debaixo dos escombros de um edifício em Alepo (foram estas imagens, divulgadas nas redes sociais em 2014, que levaram Einsiedel e Natasegara a querer filmar os Capacetes Brancos), e reencontramos a criança, Mahmoud, na Turquia. 
Assistimos ao momento em que um dos socorristas sabe pelo telefone da morte do seu irmão, socorrista como ele, um alvo como todos.

Num editorial em que defendia que o grupo recebesse o Nobel da Paz, o jornal britânico The Guardian escreve que os Capacetes Brancos representam “resiliência e coragem face à barbárie”. Para o diário, estes voluntários “personificam um espírito de resistência cívica – defendendo alguns dos ideais da revolta popular pacífica de 2011 e dando exemplos de coragem e solidariedade face ao terror patrocinado pelo Estado”.

“A Rússia matou-me a esperança”, diz Suleiman, mas logo a seguir tenta explicar que ainda há algo a que dá esse nome. “Já não tenho esperança na paz e acho que ninguém na Síria tem. Mas sobra qualquer coisa que nos faz continuar, acho que vem do sofrimento. É como se depois de tudo o que perdemos não pudéssemos desistir. Eu concentro-me nas pessoas boas e acredito que um dia vamos criar uma Síria melhor juntos. Foi para isso que fizemos a revolução.”

slorena@publico.pt

Os Capacetes Brancos da Síria e a guerra de propaganda

OPINIÃO
José Pedro Teixeira Fernandes
20 de Abril de 2018, 11:58
Os Capacetes Brancos têm uma acção meritória, e que merece respeito, no apoio humanitário a milhares de vítimas da guerra. 

Mas não podem ser vistos como uma criação da sociedade civil síria.

1. A organização não governamental (ONG) Defesa Civil da Síria, mais conhecida por Capacetes Brancos, tem tido um papel crucial na ajuda humanitária às vítimas da guerra da Síria. 
Em particular, desenvolve acções de apoio e tratamento médico às muitas vítimas do conflito, sobretudo nas zonas de guerra ocupadas pelos grupos rebeldes. 
Na página oficial da Internet pode ser vista a sua divisa humanitária sob o logótipo: “Actuamos neutralmente, imparcialmente e para todos os sírios”. 
Sobre a forma como operam no terreno é explicado tratar-se de acções baseadas num generoso voluntariado. 
“Num lugar onde os serviços públicos deixaram de funcionar e as bombas caem sobre os civis, nós, os Defensores Civis Sírios, agimos como voluntários desarmados e arriscamos nossas vidas para ajudar qualquer pessoa necessitada — independentemente da sua religião ou política.” 
O trabalho dos Capacetes Brancos é objecto de admiração e tem um elevado estatuto moral no Ocidente. 
Tiveram uma prestigiada nomeação para o prémio Nobel da paz em 2016. 
Um documentário sobre o trabalho humanitário desta ONG na Síria foi também premiado em 2017 com um óscar de Hollywood. 

2. Uma outra imagem dos Capacetes Brancos é apresentada pelos que apoiam o esforço de guerra de Bashar al-Assad na Síria. 
Nos canais de informação, provavelmente mais de propaganda, próximos do governo da Rússia — RT News e Sputnik —, os Capacetes Brancos são denunciados de forma cáustica pela sua parcialidade na guerra: “O grupo, que surgiu das equipas de resgate de ‘voluntários’ que operavam em áreas controladas por rebeldes em Alepo e no Idlib, em 2012”, tornou-se uma das “fontes de informação mais utilizadas nos materiais visuais na cobertura dos media ocidentais”. 
Mas “os auto-proclamados salvadores” trabalham em “estreita colaboração com os rebeldes e operam sob sua protecção.” 
É frequente encontrar tal descrição pejorativa noutros artigos e videos da RT News. 
Mas a denúncia mais bizarra está ligada ao ex-Pink Floyd Roger Waters. 
Num concerto, acusou a ONG de ser uma “falsa organização” que fornece propaganda para os “jihadistas e terroristas”. 
A RT News forneceu uma explicação para essa denúncia estridente: “O polémico grupo activista sírio, Capacetes Brancos, tentou influenciar o co-fundador dos Pink Floyd, Roger Waters, com dinheiro da Arábia Saudita.” 
Para além destes relatos e críticas corrosivas, um dos argumentos contra os Capacetes Brancos é o de estarem ao serviço dos interesses dos doadores: os governos ocidentais que pretendem derrubar Bashar al-Assad. 

3. Há uma guerra real em curso na Síria e uma guerra de propaganda em paralelo. 
A Rússia, com interesses óbvios no conflito, não é um Estado internacionalmente conhecido pela grande liberdade de imprensa e por uma sociedade civil forte. 
Pelo contrário, a propaganda, nas suas múltiplas formas, está aí bem enraizada desde “Os Protocolos dos Sábios de Sião”, nos tempos do Czar Nicolau II, até à propaganda ideológica do socialismo-comunista da era soviética. 
Também o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, que passou pelo KGB soviético (os serviços secretos), não é estranho às técnicas de propaganda e de manipulação da informação. Sendo assim, devemos afastar totalmente a credibilidade dos relatos anti-Capacetes Brancos da Síria, como mera propaganda russa? 
Essa é uma conclusão tentadora, mas precipitada. 
O historial de propaganda da Rússia, só por si, não encerra a questão. 
Importa notar que é um facto confirmável que os Capacetes Brancos da Síria recebem apoios financeiros — através da Mayday Rescue e Chemonics —, dos governos do Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Alemanha, Canadá, Nova Zelândia e EUA. 
A questão merece por isso ser analisada com mais detalhe nas suas diferentes implicações.

4. O governo britânico publicou informação concreta sobre a dimensão financeira do apoio aos Capacetes Brancos da Síria. 
Importa notar que não foi uma espontânea iniciativa governamental em prol da transparência, mas ocorreu na sequência de um pedido de divulgação dessa informação, feito ao abrigo da legislação interna do Reino Unido. 
Segundo a informação oficial publicada, o valor total dos fundos atribuídos aos Capacetes Brancos, entre 2013 e 2016, ascendeu a 19,7 milhões de libras. 
(Ver Governo do Reino Unido, 16/10/2017, “FOI release: how White Helmets spend funds”). Na mesma informação oficial britânica é ainda referido que “o apoio do Reino Unido à Defesa Civil da Síria (Capacetes Brancos) é fornecido através do nosso parceiro de implementação, a Mayday Rescue, que é uma fundação registada na Holanda.” 
A par da Chemonics, a Mayday Rescue suporta financeiramente os Capacetes Brancos da Síria. 
Olhemos agora para o perfil destas duas organizações que também apoiam, com treino para a missão humanitária no terreno, os Capacetes Brancos. 
Isso permitirá tentar perceber em que medida a neutralidade e imparcialidade na sua tarefa, de ajuda humanitária às populações civis na guerra da Síria, poderá estar em causa, como denunciam os seus críticos mais cáusticos e detractores.

5. A Chemonics é uma organização privada fundada em 1975 em Washington, que usualmente trabalha com o governo dos EUA, através da USAID, na ajuda ao desenvolvimento. 
Quanto à Mayday Rescue é uma fundação recente, com sede em Amesterdão, na Holanda, desconhecida da opinião pública internacional. 
Foi fundada em 2012, sendo dirigida por James Le Mesurier. 
O seu financiamento vem de governos europeus: o britânico, o holandês, o dinamarquês e o alemão. 
Na apresentação pessoal no Twitter de James Le Mesunier que a chefia, este afirma-se “orgulhoso de a ter erguido, treinar e sustentar.” 
Aparentemente, não existe informação oficial sobre o percurso anterior do seu fundador, nem na Mayday Rescue, nem nas páginas pessoais das redes sociais do seu fundador. 
No entanto, é possível ouvir uma (rara) entrevista que terá dado à BBC Radio 4. 
Curiosamente, não parece estar disponível no site oficial da BBC Radio 4. 

6. A fundação Mayday Rescue acaba, assim, por estar no centro das acusações que se projectam nos Capacetes Brancos, sejam elas provenientes da Rússia, do governo sírio, ou de outras origens. 
Para os seus detractores, James Le Mesurier não é um genuino activista e empreendedor humanitário que deva ser elogiado pelo seu trabalho de solidariedade humana em prol das muitas vítimas civis da guerra da Síria. 
É um ex-oficial do exército britânico ligado a empresas militares privadas. 
Paira sobre ele o “legado maligno das guerras sujas britânicas, travadas no Quénia, em Áden, na Irlanda, no Iraque, e na Líbia.” 
É acusado de ser um produto da “academia militar britânica Sandhurst” e de ter “servido em vários destacamentos militares do exército / NATO no Reino Unido nas últimas três décadas, especificamente na Bósnia, no Kosovo, no Iraque e no Líbano”. 
Na base dessa acusação está também Scott Rider, um norte-americano que esteve ligado às inspecções de armamento das Nações Unidas ao Iraque de Saddam Hussein nos anos 1990. 
Posteriormente, Scott Rider tornou-se um forte crítico da política externa dos EUA para o Médio Oriente. 
Que pensar de tudo isto?

7. Para responder a esta questão, é necessário efectuar aqui uma reflexão prévia sobre as ONGs. 
Em geral, estas têm uma conotação muito positiva no Ocidente e as suas informações e críticas são valorizadas pelos media. 
Essa imagem favorável e credibilidade resulta, em grande parte, de duas coisas: serem vistas como expressões genuínas da capacidade de organização e mobilização da sociedade civil; funcionarem como actores que promovem boas causas, em termos éticos e políticos. 
Assim, as ONGs tendem a ser vistas como um necessário contrapeso aos interesses e políticas dos Estados e/ou das grandes multinacionais. 
É isto que dá prestígio e respeitabilidade, por exemplo, ao Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na ajuda humanitária (em situações de guerra); à Amnistia Internacional e à Human Rights Watch (nos Direitos Humanos); ou à Greenpeace (na ecologia e ambiente). Crucial, por isso, é manterem um elevado grau de independência na prossecução dos seus fins. 
Não é por acaso que a Amnistia Internacional não aceita doacções/financiamentos de Estados e partidos políticos. 
A mesma norma tem a Human Rights Watch, de não aceitar dinheiro com proveniência directa ou indirecta de governos, para manter autonomia de actuação. 
De forma similar, a Greenpeace rejeita qualquer financiamento de governos, partidos políticos ou empresas.

8. A forma de financiamento dos Capacetes Brancos da Síria não acompanha o esquema de autonomia usual nas ONGs. 
Como notado, estas certamente não teriam a credibilidade que usualmente têm se fossem financiadas por governos nacionais, de forma directa ou indirecta. 
Podemos imaginar o que seria a imagem e credibilidade da Amnistia Internacional se recebesse donativos do governo chinês, ou se a Greenpeace, fosse financiada, de alguma forma, pelo governo dos EUA. 
O facto de os Capacetes Brancos dependerem de dois doadores — a Chemonics, com uma conexão indirecta ao governo dos EUA pela via da USAID; e a Mayday Rescue, com uma conexão a diversos governos europeus, não é argumento, em si mesmo, para denegrir todo o trabalho da organização no terreno. 
Isso é injusto para muitos dos que, de forma altruísta e desinteressada, ajudam outros seres humanos no sofrimento da guerra. 
Mas, ao mesmo tempo, não se pode ignorar que esses donativos são um dado relevante politicamente. 
Não é crível que um governo nacional, por muito altruísta e humanitário que seja, apoie organizações da sociedade civil contra a sua visão e interesses de política internacional. Isso levanta uma questão crítica: pode, nessas circunstâncias, uma organização humanitária actuar sempre “neutralmente, imparcialmente e para todos os sírios” como diz a divisa dos Capacetes Brancos? 
E, sobretudo, pode ser considerada uma fonte de informação acima de qualquer suspeita de parcialidade, sobre o que se passa no terreno?

9. O problema adquire particular intensidade em situações como as que ocorreram em Douma, a 7 de Abril, com uso de armas químicas. 
Estas foram relatadas para o exterior por ONGs. 
Tais informações e relatos foram invocados pelos EUA, França e Reino Unido para responsabilizar o governo de Bashar al-Assad. 
Mas um caso anterior, com um vídeo que simulava um homem preso entre escombros e aparentemente congelado, onde participaram Capacetes Brancos, mostra um problema delicado. 
Como em todas as organizações humanas — e especialmente em situações críticas como a guerra —, nem sempre o comportamento dos trabalhadores humanitários é o mais apropriado. 
(Ver BBC, “White Helmets backlash after Mannequin Challenge video” 24/11/2016). 
Na justificação oficial era apenas um vídeo para sensibilizar a opinião pública para os horrores da guerra, posto a circular fora dos canais oficiais da ONG. 
Mas será que isso ficaria logo clarificado se não tivesse sido denunciada a encenação? 
Fica a resposta em aberto. 
Como já notado, os Capacetes Brancos têm uma acção meritória, e que merece respeito, no apoio humanitário a milhares de vítimas da guerra. 
Ao mesmo tempo, não podem ser vistos como uma criação da sociedade civil síria, similar à Amnistia Internacional ou à Greenpeace no Ocidente. 
Para terem esse estatuto, teriam de preencher os usuais critérios de independência face aos Estados, mas a dependência financeira dos Capacetes Brancos da Chemonics e da Mayday Rescue não o permite. 
Em que medida isso afectará a imparcialidade dos seus relatos sobre os horrores da guerra, e pode ser instrumentalizado para episódios como o uso de armas químicas em Douma, é uma questão à qual é impossível responder sem margem para dúvidas.

Investigador