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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Buraco "detectado" por Bruxelas vale 1.000 milhões

Texto João Silvestre
28 de Novembro de 2014
Fim da Contribuição Extraordinária de Solidariedade e devolução de parte dos cortes salariais seriam quase suficientes para assegurar consolidação exigida pelas regras europeias. Comissão continua a achar que havia margem para cortar despesa.

A Comissão Europeia não acredita que as medidas inscritas no Orçamento de Estado para 2015 seja suficientes paraa atingir a meta de 2,7% e avisa que há até o risco de as contas derraparam para lá do limite de 3% do PIB que permitirá sair do Procedimento por Défice Excessivo (PDE).
Portugal foi colocado no grupo dos países em risco de "não cumprimento do Pacto de EStabilidade e Crescimento" juntamente com a Áustria, Bélgica, França, Itália, Malta e Espanha.

A saída doPDE foi ontem sublinhada como fundamental por Pedro Passos Coelho, na entrevista que deu à RTP.
O primeiro-ministro nem mostrou grande preocupação com a meta de 2,7% em si mesma e colocou o alvo no limite de Maastricht.
Passos reafirmou, entretanto, que continua confiante nas estimativas do governo mas que está disponível para tomar medidas caso estas não se confirmem.

A análise de Bruxelas é baseada nas suas previsões de outono, publicadas recentemente, e que são bem menos favoráveis do que os números do governo.
Não só a economia deverá crescer menos (0,9% este ano e 1,3% em 2015, contra 1% e 1,5% das Finanças), como o défice do próximo ano deverá ser de 3,3%.

Esta diferença de sei décimas corresponde a cerca de €1.000 milhões de euros e é pouco mais do que o governo vai gastar no próximo ano com a devolução de 20% dos cortes salariais (€199 milhões) e com o fim da contribuição extraordinária de solidariedade sobre as pensões (€660 milhões).
Mesmo para chegar asos 3% do PIB, para respeitar o limite de Maastricht, há uma distância aproximadamente €500 milhões.

O relatório da Comissão não deixa de fazer críticas ao governo por consolidar as contas maioritariamente pelo lado da receita. 
Discorda, aliás, frontalmente sobre as alegadas dificuldades rem cortar mais despesa, principalmente depois de decisões desfavoráveis do Tribunal Constitucional nas pensões e salários: "Primeiro, não deve ser dado como garantido que a despesa não pode ser mais reduzida nas actuais circunstâncias".
E acrescenta: "Segundo, não apenas o Orçamento exclui quaiquer novas medidas nestas áreas, como prevê a reversão parcial dos cortes salariais no sector público actualmente em vigor e a abolição da contribuição extraordinária de solidariedade sobre as pensões (CES)".

EXCESSO DE OPTIMISMO
A Comissão está preocupada, essencialmente, com duas questões: a reduzida diminuição do défice estrutural (corrigido do ciclo económico e sem medidas extraordinárias) e os pressupostos excessivamente optimistas mnos cálculos da receita fiscal.

A Comissão sublinha que "há o risco de a proposta de Orçamento não cumprir as recomendações do Conselho Europeu para a correcção do défice excessivo em 2015" e que isto resulta de "hipóteses optimistas sobre o impacto dos desenvolvimentos macroeconómicos no orçamento e da falta de medidas estruturais".
Por isso, a recomendação é clara: "tomar as medidas necessárias para assegurar que o Orçamento de 2015 cumpre o Pacto de Estabilidade e Crescimento".

DÉFICE ESTRUTURAL DERRAPA
No plano estrutural, não é repeitado a redução mínioma do défice estrutural de 0,5 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB).
O Orçamento previa apenas a redução de uma décima - de 1,3% para 1,2% - e as contas da Comissão apontam mesmo para um agravamento de 1,3% para 1,7%.
Este indicador, embora controverso e questionado por vários especialistas devido às dificuldades de cálculo, é o referencial do tratado orçamental que impõe um tecto de 0,5%.

A este problema estrutural juntam-se ainda dúvidas sobre as medidas apresentadas e sobre o impacto do crescimento económico nas contas.
Um dos pontos fulcrais que tem levantado muitas dúvidas é a estimativa para as receitas fiscais.
O PIB nominal vai crescer 3% mas o governo conta com uma cobrança de impostos a crescer 5%.

É natural que, quando mhá ganhos de eficiência fiscal e resultados do combate à fraude e evasão, a receita possa crescer acima da economia só que a diferença, neste caso, parece excessiva segundo diversos analistas. 
Bruxelas sublinha mesmo que há "um aumento significativo das elasticidades dos impostos [aforma como estes variam em função do crescimento económico] face ao seu valor médio do passado".

MARIA LUÍS ALBUQUERQUE
O Expresso contactou o Ministério das Finanças para saber se, na sequências destas recomendações, vão ser tomadas novas medidas mas não obteve resposta até ao fecho desta edição do Diário.
No entanto, em declarações à saída de uma conferência em Lisboa, Maria Luís Albuquerque reconheceu que há uma divergência entre as previsões do governoe as da Comissão Europeia mas assegurou que o "governo está totalmente comprometido em que o procedimento por défice excessivo seja terminado em 2015".

Este 'puxão de orelhas' de Bruxelas não se traduz, na prática, numa obrigatoriedade imediata de tomar medidas, embora os países devam tentar seguir as recomendações já que estão associadas ao cumprimento de regras europeias que subscreveram.
A situação será novamente avaliada na primavera.

Apenas para os países em "não cumprimento grave", o que não acontece em nenhum caso nesta altura, a Comissão pode pedir uma alteração do Orçamento para ser apresentada no prazo de duas semanas.
Há, no entanto, consultas prévias à divulgação destas avaliações, como aconteceu com a França e a Itália, em que, na prática, a questão vai sendo negociada com os governos antes da tomada de uma decisão formal.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Seis teses de cabala contra Sócrates

27 de Novembro de 2014
OPINIÃO
É possível e tem acontecido a Justiça enganar-se. 
Tanto em casos que não deram em nada, como noutros em que resultaram condenações que a mim, pessoalmente, não me convenceram. 
Há, ainda, motivações que podem ser mais ou menos explícitas por parte de alguns agentes da Justiça. 
Mas no que nunca acreditei foi em teorias de conspiração.

Perante a detenção de Sócrates há quem não se exima de achar que isto é uma espécie de cabala contra o ex-secretário-geral (felizmente Costa tem sido imune a estes entendimentos). 
Já se lembrou o caso "Casa Pia", como se fossem idênticos (naquele caso havia claramente vítimas e procuravam-se culpados; neste não se percebe quem são as vítimas e não se sabe ao certo se há alguém culpado); já se atacou (Daniel Proença de Carvalho) o juiz do TIC, Carlos Alexandre; já se disse tudo. 
Eu contribuo com seis teses a favor de uma cabala contra Sócrates. 
Como em todas as cabalas, qualquer argumento serve, embora não acredite em nenhum deles.

1. - O poder político actual mandar na Justiça - 
É uma hipótese. 
Decapitar o PS pelo seu aparente elo mais fraco, José Sócrates. 
Mas se os actuais da Justiça são vulneráveis qo poder político, e sendo os mesmos (Rosário Teixeira, Carlos Alexandre, Procurador e Juíz) não o eram no tempo de Sócrates e do PS? 
Porque razão preferem este poder político, que lhes corta os salários e as regalias? 
É estranho!

2. - A Procurador Geral vingar o irmão - 
A actual Procuradora Geral, Joana Marques Vidal, é irmã do Procurador que investigou o caso "Face Oculta" e se opôs à destruição das escutas que envolviam Sócrates, mais tarde mandadas destruir por Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento. 
Pode querer 'vingar' o irmão dessa forma. 
No entanto, tanto o PGR como o ex-presidente do STJ mostraram (ainda recentemente, no lançamento do livro de Sócrates), serem mais próximos do poder anterior do que esta Procuradora se mostra deste. 
Neste ponto, podemos inverter os termos. 
Ou seja, isto não aconteceu antes de Sócrates porque ele teve protecção? 
(Repare-se que, pessoalmente, não acredito nem numa teoria nem noutra, apenas exponho).

3. - Pressão popular - 
Há quem defenda a teoria de que existe uma pressão popular sobre a Justiça para 'engavetar' uns poderosos. 
Mas essa pressão não se faz sentir no cado Paulo Portas/Submarinos (para o qual alguns dos agora tão preocupados com a presunção da inocência, não mostram a mesma preocupação)? 
O caso 'vistos dourados' (em que ninguém se preocupou com essa hipótese) não pode resultar do mesmo? 
E o caso BES?

4. - Pressão dos jornais (ou forças por detrás dos jornais) - 
É o mais complicado dos assuntos, porque aqui estou a ser juiz em causa própria. 
Mas se Sócrates foi dos políticos mais atacados na Comunicação Social, também foi dos mais defendidos. 
Além de que dificilmente se encontra outro com tantos 'casos e casinhos' - até casinhas - no historial político português. 
E esses casos não foram inventados. 
Foram. isso sim, todos mal explicados ou não explicados por Sócrates que se refugiou sempre atrás de uma retórica de acossado para recusar uma serena explicação. 
Nesse sentido, o que aconteceu a Sócrates não é uma surpresa, na medida em que o seria se acontecesse a, por exemplo, Eanes ou Jorge Sampaio.

5. - António Costa querer livrar-se de Sócrates -
Já estou a ver alguns pensarem que isto é delirio puro. 
Mas o juiz Carlos Alexandre foi colega de Costa e apoiou-o nas acções académicas e políticas que o actual líder do PS desenvolveu na Faculdade de Direito de Lisboa. 
Quem sabe qual a relação entre os dois, tanto mais que Costa foi ministro da Justiça. Reparem - e sublinho mais uma vez - que eu não acredito em nada do que para trás ficou dito. 
Só ensaio de teorias possíveis, porque uma boa história é sempre mais atraente do que a realidade.

6. - António Reis, fundador do PS e maçon estar a manobrar - 
É outra excelente pista para quem gosta de conspirações. 
Entre 1982 e 1984 Carlos Alexandre foi deputado pelo PS na Assembleia Municipal da sua terra, Mação. 
Foi levado para esse cargo por António Reis, natural da mesma terra. 
Embora não explicando nada (até porque nessa época Reis não tinha ainda entrado para a Maçonaria), dá um ar conspirativo simultaneamente terrível e credível.



Como se vê, Portugal é um país pequeno, onde todos se conhecem e onde uma boa teoria de conspiração é sempre possível. 
Aqui ficam seis à escolha.

Por fim, deixo a minha versão: há uma suspeita de que a Justiça considera fundada sobre os gastos e os rendimentos de José Sócrates. 
Face a isso investigou e recolheu indícios que considera suficientes para o fazer condenar. Se o são, ou não, há de um tribunal dizer. 
Até lá só há três conclusões:

Sócrates está inocente até prova em contrário;

Sócrates não está, nem pode estar acima da lei;

A um político, como já dizia Júlio Cesar referindo-se à sua mulher, não basta ser sério; 
é preciso que o pareça.

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Facebook : Henrique Monteiro

Fiscalização considera legal mas imprudente operação de "limpeza electrónica" do SIS

Operação de "varrimento" no gabinete de António Figueiredo, um dos detidos no âmbito do caso dos vistos gold.

O Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) considerou esta quinta-feira legal mas imprudente a operação de "limpeza electrónica" feita pelo SIS no gabinete do presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN), António Figueiredo. 
Esta posição foi transmitida aos jornalistas pelo presidente do CFSIRP, o deputado social-democrata Paulo Mota Pinto, depois de três horas de reunião da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, que decorreu à porta fechada.

Os membros do CFSIRP apresentaram explicações aos deputados sobre os resultados da sua investigação relativamente ao caso de elementos da PJ terem observado agentes do SIS (entre eles o próprio director, Horácio Pinto) a fazerem uma "limpeza electrónica" no gabinete de António Figueiredo, entretanto preso preventivamente no âmbito da Operação Labirinto, relacionada com a concessão de vistos gold.


"Concluímos que a realização dessa operação de varrimento não representou violação dos deveres legais ou dos limites funcionais dos serviços de informação, [sobretudo] tendo em conta a interpretação que [essa operação] se enquadrava num enquadramento de contraespionagem", declarou o presidente do CFSIRP. 
No entanto, Paulo Mota Pinto disse também, agora numa nota de crítica, que a realização dessa operação, "depois da divulgação de notícias a 5 e 6 de Junho sobre a existência de investigações que poderiam envolver o IRN, não foi uma decisão prudente".


"Foi uma decisão imprudente", reforçou o ex-vice-presidente do PSD e antigo juiz do Tribunal Constitucional. 
Face a estas duas conclusões, Paulo Mota Pinto afirmou que o CFSIRP entendeu fazer duas recomendações específicas às direcções das "secretas".


"Deve passar a haver um registo escrito da realização destas operações, também de tipo defensivo e sobre a sua fundamentação. 
Em segundo lugar, quando se verificar este tipo de notícias, deve haver um escrutínio sobre as possíveis motivações dos requerentes deste tipo de operações, mesmo de caráter defensivo", referiu o presidente do CFSIRP, numa alusão a António Figueiredo, preso preventivamente por corrupção.


Deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais disseram à agência Lusa que estas conclusões apresentadas pelo Conselho de Fiscalização das "secretas" correspondem em parte à interpretação deste caso feita pelo secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira, que brevemente também prestará esclarecimento na Assembleia da República.


Fontes da Comissão de Assuntos Constitucionais referiram que responsáveis dos serviços de informações já fizeram chegar a membros do Governo e a outros responsáveis políticos a estreita ligação existente entre o IRN e os serviços de informações, principalmente ao nível da protecção de identidades.


De acordo com esta perspetiva, as identidades são alvo de cobiça por parte de "secretas" de países não aliados de Portugal com o objectivo de permitir aos seus agentes uma circulação discreta e fácil, sobretudo no espaço da União Europeia.


Porém, no caso em apreciação no Parlamento, o director do SIS, Horácio Pinto, de acordo com a mesma tese, deveria ter tido em conta que António Figueiredo já estava a ser investigado pela PJ e, como tal, o seu pedido ao SIS poderia ter afinal como objectivo uma limpeza de escutas ambientais que lhe tinham sido montadas legalmente.


Aos jornalistas, Paulo Mota Pinto disse que, desde que rebentou esta controvérsia no passado dia 15, o CFSIRP realizou "uma intensa actividade investigatória". 
"Fizemos visitas, audições e consulta de documentação diversa", especificou.

Para Cândida Almeida o segredo de justiça é tratado como “bagatela”

lusa  27/11/2014  - 20:04
A procuradora-geral adjunta considera que a moldura penal deste crime "é muito pequena"

A magistrada do Ministério Público Cândida Almeida sustentou esta quinta-feira que o legislador tem tratado o segredo de justiça como "uma bagatela" e que no caso que envolve José Sócrates a violação "deve ser investigada até às últimas consequências".

Cândida Almeida falava à imprensa à margem da conferência internacional "A convenção de Istambul e os crimes sexuais", na reitoria da Universidade Nova de Lisboa, em Lisboa. Quando questionada sobre se houve violação do segredo de justiça no inquérito-crime que envolve o ex-primeiro ministro, a procuradora-geral adjunta concordou antes de defender uma "investigação séria".

"Houve necessariamente violação do segredo de justiça, uma vez que a comunicação social foi informada, portanto, alguém violou e eu, como defensora do segredo de justiça, acho fundamental que se faça uma investigação séria; não quer dizer que se chegue a saber quem é o nome, isso são circunstancialismos do respectivo inquérito, mas é importante que se investigue", sustentou.

A procuradora-geral adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) acusou ainda o legislador de tratar o segredo de justiça como uma "bagatela", já que a moldura penal "é muito pequena" e os meios de investigação são poucos, não admitindo sequer escutas telefónicas.

Questionada sobre se o almoço entre o antigo procurador-geral da República Pinto Monteiro e José Sócrates também devia ser investigado no âmbito do inquérito à violação do segredo de justiça, Cândida Almeida discordou.

Sobre se a carta de José Sócrates, veiculada hoje na imprensa, pode configurar perturbação do inquérito, a procuradora-geral adjunta considerou que não, explicando que "perturbação do inquérito é prejudicar", nomeadamente destruir ou esconder provas.

Sobre o facto de não terem sido divulgados os fundamentos para a aplicação de prisão preventiva ao ex-ministro socialista, Cândida Almeida disse que "normalmente não se dão os fundamentos".

"Dado o interesse público podem eventualmente dar-se, mas isso tem que ser uma decisão conjunta do Ministério Público e do juiz e saber se isso põe em causa o segredo de justiça ou não", concluiu.

O ex-primeiro ministro foi detido pouco depois das 22:00 de sexta-feira, no aeroporto de Lisboa, depois da viagem desde Paris, tendo sido transportado de imediato para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), onde lhe foi comunicado que estava indiciado dos crimes de branqueamento de capitais, corrupção e fraude fiscal qualificada.

A presumível inocência de Sócrates

OPINIÃO
JOÃO MIGUEL TAVARES
27/11/2014 - 01:34
Tenho todo o direito de presumir que Sócrates é culpado daquilo que o acusam – pela simples razão de que as regras do espaço público não são as regras de um tribunal.

Da mesma forma que os gatos têm sete vidas, eu acho excelente que um cidadão tenha sete presunções de inocência. 
O problema de José Sócrates, tal como o de um gato que falece, é que já as gastou. Sócrates foi presumível inocente na construção de casas na Guarda, foi presumível inocente na licenciatura da Independente, foi presumível inocente na Cova da Beira, foi presumível inocente no Freeport, foi presumível inocente na casa da Braamcamp, foi presumível inocente no assalto ao BCP, foi presumível inocente na tentativa de controlar a TVI, foi presumível inocente no pequeno-almoço pago a Luís Figo. 
Mal começou a ser escrutinado, a presunção de inocência tornou-se uma segunda pele.

Claro que José Sócrates continua presumível inocente aos olhos da justiça, e assim continuará até ao trânsito em julgado da sentença. 
Claro que a presunção de inocência é pedra angular de uma democracia decente e de qualquer sistema judicial digno. 
Mas eu não sou juiz, nem polícia. 
Sou um cidadão e um colunista. 
E, enquanto tal, tenho todo o direito – repito: todo o direito – de presumir, face ao que leio nos jornais, às minhas deduções, às minhas convicções, à minha experiência, à minha memória e ao esgotamento de sete presunções de inocência, que Sócrates é culpado daquilo que o acusam. 
E tenho todo o direito de o escrever – pela simples razão de que as regras do espaço público não são as regras de um tribunal.

Esta insistência em confundir o plano mediático com o plano da justiça é absurda. 
Levado ao extremo, faria com que só pudéssemos pronunciar-nos sobre a honorabilidade de José Sócrates daqui a sete ou oito anos, quando todos os recursos tivessem sido esgotados e a sua sentença transitado em julgado. 
Eu não tenho o poder de um juiz. 
Não posso, felizmente, prender ninguém. 
E se não tenho o seu poder, é óbvio que também não tenho as suas limitações. 
É por isso que a minha liberdade de expressão é mais lata do que a do juiz Carlos Alexandre: ele fala pouco porque pode muito; eu falo muito porque posso pouco. 
À justiça o que é da justiça, aos jornais o que é dos jornais.

Existe uma admirável coincidência entre os fazedores de opinião que estão a demonstrar uma hiper-sensibilidade às falhas do segredo de justiça e uma notável abnegação na defesa da presunção de inocência, e aqueles fazedores de opinião que durante anos e anos defenderam José Sócrates contra os ataques ad hominem e o julgaram vítima de infames conspirações. 
Quando vejo Miguel Sousa Tavares ou Clara Ferreira Alves mais entretidos a discutir fugas de informação e timings de detenção do que a possibilidade muito real de um ex-primeiro-ministro ser corrupto, eu sei que eles estão menos a defender Sócrates do que a defenderem-se a si próprios, e àquilo que andaram a escrever ao longo dos anos.

Ainda ontem, no DN, Ferreira Fernandes dizia o seguinte: “Em 2009, escrevi: ‘Prendam-no ou calem-se.’ 
A turba, com muita gana mas sem prova, chegou primeiro do que a opinião pública – e depois?” 
E depois, caro Ferreira Fernandes, é que ali entre 2007 e 2011 boa parte da opinião pública preferiu fechar os olhos ao elefante no meio da sala. 
Se não havia provas, havia infindáveis indícios – e boa parte da opinião pública preferiu engolir as teses surreais de Sócrates, mantendo-se impassível diante do sufoco evidente do poder judicial às mãos do poder político. 
Viram, ouviram e leram. 
Mas preferiram ignorar. 
É uma escolha, claro. 
Só que convém assumi-la, até para que ninguém a esqueça.

Sócrates ao PÚBLICO: "As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas"

PAULO PENA  26/11/2014 - 23:56
José Sócrates reage, pela primeira vez desde que foi detido no aeroporto, ao processo em que o acusam de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Pede que a política “fique à margem”, embora não tenha dúvida de que "este caso tem também contornos políticos”. "As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas", diz.

Preso preventivamente desde a noite de segunda-feira, 24, e detido para interrogatório nos três dias anteriores, José Sócrates, 57 anos, esteve em silêncio sobre o caso mais mediático do país – o seu – durante cinco longos dias. 
Nesta quarta-feira à tarde ditou, de uma cabine telefónica da prisão de Évora, onde se encontra, uma carta ao seu advogado, João Araújo, para entregar ao PÚBLICO.

Nela, invocando "legítima defesa", diz considerar "absurdas, injustas e infundamentadas" as acusações de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais que a Justiça portuguesa lhe dirigiu. 
Nesse texto de oito parágrafos, afirma que "este caso tem também contornos políticos”.

O texto começa por uma imagem que evoca o “ascetismo” filosófico: “Fora do mundo”, é como José Sócrates diz estar, há cinco dias. 
E logo avança para a sua primeira crítica – ao “crime” que diz estar a ser cometido contra a Justiça e contra si. 
Para o ex-primeiro-ministro, esse crime tem um autor: a acusação, ou seja, o Ministério Público.

De seguida, Sócrates garante que, “em legítima defesa”, irá, “conforme for entendendo”, “desmentir as falsidades lançadas sobre [si] e responsabilizar os que as engendraram”. 

E é só no quarto parágrafo que aborda a questão essencial, e aquela por que aguardavam a maioria dos que seguem o seu caso. 
Ainda assim, Sócrates detém-se primeiro nos aspectos processuais – “A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo montado em torno dela uma infâmia” – para só depois falar da substância das acusações que sobre si recaem: “As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas.” 
A escolha das palavras é esta. 
Depois dessa frase, Sócrates queixa-se da “humilhação gratuita” que sofreu com a decisão do juiz Carlos Alexandre de o colocar em prisão preventiva, uma medida de coacção que considera ser “injustificada”.

O texto tem, então, uma passagem quase sarcástica, aquela em que o homem que dirigiu o Governo durante sete anos, cinco dos quais com maioria absoluta, descobre “uma lição de vida” sobre o poder. “[O] verdadeiro poder – de prender e de libertar.” ´
Neste texto, e nas circunstâncias que o produziram, é fácil encontrar figuras de estilo pouco habituais nos discursos políticos. 
O que dizer da frase, naturalmente dirigida aos que o prenderam, mas que parece ter uma ressonância quase pessoal, se lida por muitos dos que o acusavam de ser autoritário? 
“Não raro, a prepotência atraiçoa o prepotente.”

O final da declaração é guardado para marcar uma fronteira. 
“Este é um caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido.” 
Porém, Sócrates não deixa de ver aqui “contornos políticos” – mas não aprofunda o tema. A intenção torna-se clara a seguir. 
Sócrates agradece a solidariedade de amigos e camaradas. 
Exige, todavia, que a política não se misture no seu caso. 
“Este processo é comigo e só comigo. 
Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.” 
Assim, por esta ordem. 
Sócrates parece dizer que não é por nenhuma grandeza retórica que pede o afastamento do PS, é porque a mistura, indesejada, entre o processo e o partido prejudicá-lo-ia em primeiro lugar.

E, no fim, uma frase que parece demonstrar o ânimo que nele têm visto, e sublinhado, os que o viram depois da detenção: do advogado, João Araújo, a Mário Soares e Capoulas Santos. 
Se tivesse reticências, no final, a frase soaria, quase, a bravata. 
Assim, é uma quase constatação: “Este processo só agora começou.”

Para já, sai à liça o advogado que nesta quarta-feira anunciou à agência Lusa que na próxima semana vai pedir a libertação do ex-primeiro-ministro, por considerar que a sua prisão preventiva é ilegal. 
João Araújo indicou que o recurso que irá apresentar no Tribunal da Relação de Lisboa visa a libertação do ex-líder socialista, justificando que a sua detenção está ferida de ilegalidade por "questões substanciais", que não especificou.

O advogado disse ainda que pretende fazer esta semana uma visita de trabalho a José Sócrates no Estabelecimento Prisional de Évora para "analisar a situação e o despacho do juiz" de instrução.

Entre a “bandalheira” e a “normalidade”
A situação, já se sabe, suscita opiniões muito diversas e retrato disso é o fosso entre a leitura que o actual Presidente da República e o antigo chefe de Estado Mário Soares fazem do caso. 
A partir de Évora, onde foi ontem visitar o ex-primeiro-ministro, o fundador do PS qualificou o caso como uma “bandalheira”, enquanto em Abu Dhabi, onde se encontra em visita oficial , Cavaco Silva considerou que “as instituições democráticas estão a funcionar com toda a normalidade”.

Apesar da multiplicação na comunicação social estrangeira de notícias sobre a detenção de Sócrates, o Presidente da República diz acreditar que a imagem de Portugal não sofrerá grandes danos. 
“Até há duas semanas, Portugal estava com uma muito boa imagem nos mercados externos, na União Europeia e fora da União Europeia”, começou por dizer, numa menção temporal alargada para abarcar também o caso dos vistos gold. 
“Estou convencido de que essa imagem não se vai alterar significativamente”, afirmou Cavaco Silva. 
E acrescentou: “Quem nos observa verifica que as instituições democráticas estão a funcionar com toda a normalidade no nosso país.”

Sobre o caso em si recusou pronunciar-se: "No respeito pelo princípio da separação de poderes, eu entendo que, como Presidente da República, não devo acrescentar uma única palavra sobre esse assunto."

Livre desse jugo, o histórico líder socialista Mário Soares criticou duramente o facto de o ex-primeiro-ministro estar preso preventivamente, qualificando o caso como "político" e orquestrado por "malandros". 
"Todo o PS está contra esta bandalheira", disse, apesar de considerar que este caso não tem "nada a ver com os socialistas". 
Uma declaração que contrasta com o pedido feito por António Costa para que o partido não fosse envolvido "na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de direito, só à Justiça cabe conduzir com plena independência".

Sobre o encontro propriamente dito Soares usou a palavra "emoção" para o descrever: “Ficou emocionado por eu estar [a visitá-lo] e eu fiquei emocionado por vê-lo.” 
O ex-Presidente disse que falaram "sobre tudo", comentando que está "muito bem" e com "um moral fantástico". com Maria Lopes, em Abu Dhabi, e Lusa


António Costa separa PS de investigação a Sócrates

SÃO JOSÉ ALMEIDA 
22/11/2014 - 12:29
António Costa enviou um SMS aos militantes do PS em que separa "os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais" da apreciação de um processo" que "só à Justiça cabe conduzir"

António Costa enviou, ao fim da manhã deste sábado, uma mensagem por telemóvel a todos os militantes do PS em que se pronuncia sobre a detenção do ex-líder do PS e antigo primeiro-ministro José Sócrates, separando este caso de justiça do que é o PS e a “acção política” deste partido.

A mensagem começa por afirmar a surpresa que atingiu os socialistas: “Estamos todos por certo chocados com a notícia da detenção de José Socrátes.” Mas prossegue fazendo uma demarcação clara entre o que é a acção da investigação policial e a acção judicial e o que é a vida partidária.

“Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de direito, só à Justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos”, afirma António Costa, que hoje será eleito secretário-geral do PS, nas directas que começaram ontem.

A terminar, António Costa adverte que o PS deve “concentrar-se na sua acção de mobilizar Portugal na afirmação da alternativa ao Governo e à sua política”.

A declaração de Sócrates ao PÚBLICO na íntegra

27/11/2014 - 00:13
Há cinco dias "fora do mundo", todo agora consciência de que, como é habitual, as imputaçõese as "circunstâncias" devidamente seleccionadas contra mim pela acusação ocupam os jornais e as televisões.
Essas "fugas" de informação são crime.
Contra a Justiça, é certo; mas também contra mim.

Não espero que os jornais, a quem elas aproveitam e ocupam, denunciem o crime e o quanto ele põe em causa os ditames da lealdade processual e os princípios do processo justo.

Por isso, será em legítima defesa que irei, conforme for entendendo, desmentir as falsidades lançadas sobre mim e responsabilizar os que as engendraram.

A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo montado em torno dela uma infâmia; as imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas; a decisão de me colocar em prisão preventiva é injustificada e constitui uma humilhação gratuita.

Aqui está toda uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder - de prender e de libertar.
Mas em contrapartida, não raro a prepotência atraiçoa o prepotente.

Defender-me-ei com as armas do estado de Direito - são as únicas em que acredito. Este é um  caso da Justiça e é com a Justiça Democráytica que será resolvido.

Não tenho dúvidas que este caso tem também contornos políticos e sensibilizaram-me as manifestações de solidariedade de tantos camaradas e amigos.
Mas quero o que for político à margem deste debate.
Este processo é comigo e só comigo.
Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.

Este processo só agora começou.

Évora, 26 de Novembro de 2014

José Sócrates


quarta-feira, 26 de novembro de 2014

NEGÓCIOS DA CHINA

20 a 26 De Novembro de 2014
Por Sónia Sapage, José Plácido Júnior e Sara Ridrigues
Quem é António Figueiredo e porque é que o presidente do Instituto dos Registos e Notariado parece estar no centro de toda a Operação Labirinto, que resultou em onze detenções, por suspeitas de tráfico de influência, corrupção, branqueamento de capitais e peculato na atribuição de vistos dourados.

O  Instituto dos Registos e Notariado (IRN) é dono de um precioso banco de dados. Estáali registada a situação de todos os imóveis (além de outras edificações e terrenos) existentes no País. Se o imóvel se encontra ou não licenciado, se está ou não em propriedade horizontal, se impedem hipotecas ou penhoras - a tudo isto e muito mais aquele banco responde em poucos instantes. Para sinalizar rapidamente potenciais bons negócios imobiliários, em qualquer ponto do território nacionl, nada se assemelhaà mencionada ferramenta.

Com ou sem razão, quem está no métier logo selembrou deste pormenor quando, há oito dias, foi notificada a detenção do presidente do IRN, António Figueiredo, no âmbito da Operação Labirinto, da PJ e do DCIAP (Departamento Central de Investigaçãoe Acção Penal), que conduziu 11 suspeitos para interrogatório do juiz de instrução Carlos Alexandre, por indícios de corrupção, branqueamento de capitais, tráfico de influências e peculato, na atribuição de vistos Gold.

Com «uma costela de atrevido», como o descreve quem o conhece, António Figueiredo começou, de algum tempo a esta parte, a dar nas vistas, até no seu próprio círculo de amigos, pelas novas e boas relações que mantinha com indivíduos de nacionalidade chinesa. Efectuaria, aliás, uma viagem de lazer à China, de que trouxe as melhores recordações, como relatou a próximos.

Um currículo preenchido
Além do banco de dados que tinh sob a sua alçada, o presidente do IRN era ainda dono de uma rede de amizaders invejável. Mesmo sem estrangeiros à mistura.

Foi em São João Pesqueira, a 8 de Maio de 1957, que nasceu António Luís Pereira Figueiredo. Os dois anos (menos dois dias) que o separam de Miguel Macedo, nascido a 6 de Maio de 1959, não os impedirem de frequentaro mesmo curso de Direito, em Coimbra, e de formarem uma amizade que se prolongouaté aos dias de hoje e que foi uma das razões que levou Macedo a apresentar a sua demissão de ministro da Administração Interna, para proteger o Governo.

Figueiredo mantém o cargo mais elavado no Instituto de Registosd e Notariado (apenas pediu suspensão de funções) desde 2007, para onde foi nomeado  por José Sócrates e Alverto Costa. Antes disso, havia sido Celeste Cardona, ministra da Justiça, a escolhê-lo para director-geral do mesmo serviço, por indicação de Miguel Macedo, seu secretário de Estado.

Profissionalmente, passou pelas conservatórias da Lousã, de Cascais, Montemor-o-Velho, Penacova, Soure, Coimbra, Leiria, Oliveira do Hospital e Fronteira. Foi ainda notário privativo da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital. Esre currículo na área dos registos e notariado, tem~lhe valido o reconhecimento profissional dos seus pares.

As visitas de Figueiredo.
Em Março passado, António Figueiredo já surgia, nos jornais, como estando sob investigação do Ministério Público e da PJ, por alegados ilícitos relacionados com a atribuição de vistos dourados a cidadãos chineses.

Ainda assim, o presidente do IRN manteve as suas amizades privilegiadas, como por exemplo com o director do SIS (Serviço de Informações de Segurança), Horácio Pinto, fde quem era visita de casa (um apartamentyo da Expo), fazendo-se acompanhar ds filha, Ana Luísa Figueiredo, agora também envolvida no processo dos vistos dourados.

Segundo a últim edição do seminário Expresso, uma vigilância da PJ apanhou e fotografou, em Maio, a entrada de Horácio Pinto e de dois funcionários da secreta civil, «fora do horário de expediente», no edíficio do IRN. no Campus da Justiça, em Lisboa. O SIS confirmaria à agência Lusa tal diligência: feito no gabinete de António Figueiredo, a pedido deste, que suspeitava estar sob escuta de microfones presenciais dissimulados e com o computador monitorizado. A direcção da secreta civil diria que semelhantes procedimentods são efectuados em instituições do Estado, mas não concretizou, com números e factos, o esclarecimento. O certo é quem em maio, já era público, há dois meses, que António Figueiredo se encontrava sob averiguação. O que significa que o SIS, ao fazer tais varrimentos, colidiu frontal e inexplicavelmente com a PJ.
Parque das Nações. Uma das zonas da cidade de Lisboa mais desejada pelos investidores chineses.

Oa mistérios do IRN
«O IRN dreve possuir o estatuto de ministério». ironiza quem tem de trabalhar com o organismo. Pelos vários andares do seu edifício dispersam-se os serviços tutelares de todas as conservatórias do País. E, sabe-se no meio, há as «conservatórias amigas», que são aquelas que produzem registos ilegais de compras de imóveis. Mas a partir do momento em que o (a) conservador (a) os drespacha favoravelmente, tornando-se irreversíveis.

Um exemplo típico: na aquisição de um imóvel, a documentação refere que foram liquidados impostos sobre €200 mil. Mas à frente, porém, o valor da compra é fixado em €500 mil. Ou seja, sobram €300 mil para comissões, obviamente ilícitas.

Os €500 mil são o montante mínimo, quanto à aquisição de imóveis, estipulado pela lei para a obtenção do visto dourado. E é aqui que os candidatos chenises se amontoam. «Eles mostram-se muito ansiosos até conseguirem o visto gold - que é o que realmente lhes interessa, para circularem livremente pelos países do Espaço Schengen», explica um jurista conhecedor. «No que respeita às casas, mais de 90% desles arrendam-nas.»

Manuel Jarmela Palos, director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o outro arguido sonante da Operação Labirinto (ao lado da António Figueiredo), terá dito ao juís Carlos Alexandre que altas figuras do Estado lhe solicitaram que «agilizasse» a aprovaçãoder alguns pedidos  de vistos gold. Numa consulta feita a operadores nesta área, a VISÂO apurou que, ultimamente, houve pedidos devistos dourados que obtiveram a crucial luz verde do SEF em menos de uma semana, quando o período normal é superior a dois meses. Melhor do que meia dezenas de dias, dir-se-ia, é impossível.

Renúncia relâmpago
Desde Outubro de 2012, foram concedidos 1775 vistos dourados, sobretudo a cidadãos chineses (1429). E quase todos foram atribuídos através da aquisição de imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros (1681), dizem números do SEF. Apenas 91 resultaram de transferência de capital igual ou superior a um milhão de euros. No total, o Estado viu entrar 1,075 milhões de euros de investimentos (972 milhões referentes a compra de casas).

OS VISTOS GOLD JÁ RENDERAM MAIS DE MIL MILHÕES DE EUROS AO ESTADO, 972 MILHÕES DOS QUAIS RESULTANTES DE INVESTIMENTOS EM IMOBILIÁRIO.

Neste contexto, o facto de a filha do presidente do Instituto de Registos e Notariado ter sido sócia de cidadãos chineses numa imobiliária, parece ter captado a atenção dos investigadores. António Figueiredo é casado e pai de Ana Luísa Figueiredo, sócia funfadora da empresa Golden Vista Europe, dedicada à compra, venda, revenda, areendamento de imóveis, gestão e administração de condomínios, exploração de unidades hoteleiras, organização de eventos, importação, exportação, etc.

Estranhamente, a empresária que já foi ouvida no Campus de Justiça, renunciou à sua posição na empresa a 23 de outubro de 2013, nove dias depois de ela ser constituída. E deixou a Golden Vista Europe nas mãos dos restantes sócios: os cidadãos chineses Zhu Baoe (casado com Zhu Xiao Dong) e Shengrong Lu, e os portugueses João Martins, Carlos Oliveira e Tiago Oliveira (tendos os dois últimos a mesma residência).

O papel desta empresa, sediada na Quinta da Bicuda, no precesso de venda de casas a chineses e na obtenção de vistos gold estará sob a mira dos investigadores, A VISÃO não conseguiu apurar se terãosido estes os anfitriões de António Figueiredo durante a viagem à China, mas seriam para o casal Zhu, de acordo com o Correio da Manhã, os bilhetes de futebol que Miguel Macedo alegadamente pediu a Fernando Gomes, da Federação Portuguesa de Futebol, por altura do jogo da Liga dos Campeões, em Maio deste ano. A VISÃO tentou confirmar esta informação com o ex-ministro, mas ele não quis acrescentar mais declarações.

Abra-se um parênteses para explicar que Ana Luísa era também um dos quatro sócios da empresa JMF, Projects & Business, com actividade considerada suspensa desde Março de 2013 - os outros eram Marques Mendes, Jaime Gomes e Miguel Macedo, tendo este último vendido a sua quota em 2011. Sem se saber ainda quais os reais motivos de sua detenção (se a ligação à JMF ou a qualquer outra empresa do sector farmacêutico e da Saúde a quem está ligado), Jaime Gomes, empresário natural de Aveiro, também foi presente ao juiz Carlos Alexandre nos últimos dias.

Terá sido através de Mihuel Macedo, de quem é amigo desde os tempos da JSD, que Jaime conheceu António Figueiredo e notícias recentes dão como certo que este trio se juntou, em Abril, em Islantilla, longe de «ouvidos» indesejáveis, n uma altura em que o Expresso já havia escrito sobre os cidadãos chenises que se sentiam enganados com o negócio do imobiliário em Portugal.
Miguel Macedo e Júlio Pereira. Se a cúpula do PSD lamenta asaída do ex-governante, já quanto ao dirigente do SIRP considera que está há demasiado tempo no cargo.

Sociedades e jantares
Parênteses fechado, é altura de recordar uma pequena curiosidade que liga o casal Zhu a outra pessoa chamada para depor: Maria Antónia Anes. Zhu Baoe teve uma sociedade com António Anes, marido de Antónia Anes, que foi secretária-geral do MInistério da Justiça até ser desencadeada a Operação Labirinto. A empresa de ambos era um centro de estética chamado Hora do Descanso e estava sedeada no n.º 34 da Quinta da Bicuda, exactamente na mesma morada que a Golden Vista Europe, que era também residência oficial do casal Zhu.

Apesar de não ser sócia do marido na Hora do Descanso, Maria Antónia Anes, tinha, com ele, outras empresas, como a Leite & Anes (construção de edifícios). Mas era nas suas funções públicas e políticas que a antiga secretária-geral do ministério de Paula Teixeira da Cruz se encontrava há vários anos.

As boas relações de Maria Antónia, ex-funcionária da PJ, perceberam-se pelas pessoas que recebia em casa - ficou famoso o jantar, já durante a fase de investigações, com gente da Justiça, incluindo o dirigente do SIRP, Júlio Pereira, que estará para ser substituído -, mas também pelos políticos com quem trabalhou.

Licenciada em História, em Lisboa, passou pelos gabinetes governamentais de Laborinho Lúcio (1991), Paulo Teixeira Pinto (1992), Aguiar Branco (2004) e Sofia Galvão (2005. António Figueiredo nomeou-a, por duas vezes, para a estrutura dos Registos e Notariado, em 2004 e 2010. E ela acabou por participar em quase todos os júris nos concursos recentes da Comissão de Recrutamento para a Adninistração Pública (Cresap), cujas instalações foram alvo de buscas na última terça-feira, 18, para a área da Justiça.

O Vinho 'gold'
Duas pessoas ainda não referidas foram implicadas no Labirinto:Manuel Jarmela Palos, do SEF, e Albertina Gonçalves (secretária-geral do Ministério do Ambiente, entretanto substituída). Ambos têm, também, ligações a António Figueiredo.

O primeiro terá assumido, em interrogatório, que recebeu duas garrafas de vinho oferecidas pelo presidente do IRN e produzidas na sua quinta.

Palos dirige o SEF desde 2005,onde foi sendo sucessivamente reconduzido por António Costa, Rui Pereira e MIguel Macedo, mas é funcionário na estrutura desde 1993. É oriundo da freguesia de Nave de Haver (Almeida) e mantém a pronúncia nortenha. Licenciou-se em Coimbrae foi lá director regional do centro do SEF.

A segunda é mais próxima de Miguel Macedo e desconhece-se, por enquanto, qual a sua ligação aos vistos gold. No entanto, é advogada licenciada em Direito, em Coimbra. Antes de chegar ao Ambiente passou pela Câmara de Cascais, pela Gebalis e ainda adjunta de Macedo na Justíça, de 2002 a 2004. Também foi parceira do agora ex-ministro numa sociedade de advogados.

Os escritórios de advogados podem ser, aliás, uma chave para a compreensão de como funcionam as atribuiçõesde vistos dourados.Regra geral, os estrangeiros espreitam primeiro os directórios internacionais onde estão os nomes dos maiores escritórios da praça em busca de referências e, depois, contactam-nos directamente. Nos gabinetes de topo há causídicos que falam chinês ou russo, por exemplo, exactamente para facilitar a comunicação.

Esta preatação de serviços, que pode custar entre €2.500 e €10.000 por processo, consoante a complexidade, serve para tratar das burocracias inerentes aos requisitos para atribuição do visto, como o certificado de saúde, a abertura de conta bancária ou a representação fiscal no País.

Imobiliário de luxo
Outra pista para entender a importância dos negócios dos vistos gold esta nas agências imobiliárias. Elisa Chuang, da Century 21, já vendeu 30 casas a famílias cjinesas, na zona de Lisboa, Cascais, Algarve e Porto. Natutal de Taiwan, esta agente imobiliária não teme a repercussão do cado nas vendas. «Pelo contrário, até me pode ajudar. Assim, os clientes deixam de ir às agências de emigraçãoe falam directamente connosco».

Estas agências - qu existem em todas as províncias chinesas e que, neste momento, têm como prioridade Portugal - funcionam como intermediárias, angariando clientes, mas estão «com muita má fama», segundo Elisa. «Há nuita gente a queixar-se de ter sido enganada». Também já teve conhecimento de outros lamentos n uma rede social chinesa: «Li o relatode um cliente que diz ter sido enganado em Portugal, por um advogado. Pagou € 500 mil pela casa, mas esta, afinal, valia €200 mil».

A VISÃO contactou algumas imobiliárias que comercializam casas de luxo. Estas empresas, que nunca tinham ouvido falar na Golden Vista, embora os ecos de comissões demasiado altas cobradas aclienetes já tivessem sido assunto de conversa em várias ocasiões, esperam que o Governo não mude as regras do jogo.

A atribuição de vistos gold a estrangeiros que invistam  em imóveis, veio, dizem, ressucitar um sector que estava estagnado por causa da crise financeira. «ÉR como se estivéssemos a exportar imóveis, mas eles estão cá», refere um agente que já vendeu casas a brasileiros, sul-africanos e árabes.

Na sequêncis do caso dos vistos gold, a Associação de Profissionais e empresas de Mediação Imobiliária em Portugal divulgou um comunicado em qye refuta generalizações às agências, dizendo que estas não devem «servir de bode expiatório ou de arma para batalhas políticas». E acrescenta: «O programa dos vistos dourados não é, ao contrário de algumas opiniões, um expediente facilitador do branqueamento de capitais e de outros crimes, nem é de pouca importância para o emprego em Portugal».
A justiça não o diria melhor.