MIGUEL BANDEIRA JERÓNIMO 26/01/2014
– 11:53
Parece inacreditável,
mas é verdade. Ainda há muitos livros a serem publicados sobre a I Guerra
Mundial.
Muitos deles com uma qualidade
excepcional, não apenas por reorganizarem ou sintetizarem, de modo mais claro ou inovador, a vasta
informação já existente sobre este momento central da história contemporânea,
mas também por oferecerem interpretações originais. Apresentamos uma lista breve sobre os livros
recentes a ler acerca deste marcante acontecimento, cuja história e legados nos
ajudam a interrogar os nossos tempos.
É obrigatório começar
por destacar os três volumes Cambridge History
ofthe First World War (2013), coordenados
por um dos principais especialistas do tema, o excelente historiador Jay Winter
(universidade de Yale). Os três volumes oferecem uma erudita fusão entre
síntese e novidade. Estamos perante o mais completo compêndio sobre o que interessa
saber sobre a I Guerra Mundial: causas e origens, actores e consequências. De
facto, nos seus 73 capítulos (sem contar com as introduções e os exaustivos
ensaios bibliográficos) deparamo-nos com um sem-número de perspectivas críticas
actualizadas e com uma série de novas interrogações e renovadas interpretações.
A diversidade de temas, a pluralidade e a profundidade das análises, e a
solidez das interpretações são impressionantes.
O primeiro volume, intitulado Global
War, parte da premissa de que uma “guerra global requer
uma história global”. O que é cumprido com rigor e pormenor. O segundo volume,
intitulado The State, centra-se na análise do impacto
que o conflito teve nas instituições do Estado e na sua relação com a sociedade
civil num contexto de sucessivos estados de
excepção. O terceiro volume, intitulado Civil
Society, oferece um riquíssimo conjunto de textos que ilumina
o papel de várias instituições e práticas sociais no conflito mundial. Esta
obra colectiva perdurará por certo como a obra de referência sobre este tema.
Igualmente rica é a Encyclopédie
de la Grande Guerre, 1914-1918. Histoire et Culture (2004), publicada de novo, numa versão revista e aumentada, sob
coordenação de Stéphane Audoin-Rouzeau e Jean-Jacques Becker. Trata-se de um instrumento de trabalho indispensável, com dezenas de textos escritos
por especialistas de renome internacional. Temas como os do uso de armas
químicas, o do uso de contingentes militares recrutados no interior dos
impérios coloniais europeus, o das múltiplas formas de recusa de participação
no conflito, o do papel dos intelectuais, entre muitos outros, são explorados
com rigor e clareza.
O magnífico livro de Christopher
Clark The Sleepwalkers: How Europe Went to War in 1914 (2013) merece uma
recomendação entusiástica.
Informado, original e polémico, The Sleepwalkers consegue equilibrar uma
lúcida análise do conjunto de causas estruturais que explicam a emergência do
conflito — por exemplo, o sistema de alianças internacionais, as rivalidades
imperiais, a excessiva militarização ou a natureza pouco democrática das
sociedades envolvidas — com a difícil demonstração da irracionalidade
político-diplomática predominante. Mobilizando um sólido conjunto de argumentos
que devia ser obrigatoriamente lido por políticos, militares e “estrategos” de
serviço, Clark mostra o papel central que as ilusões de grandeza, os erros de
percepção e interpretação (baseados em escassa, apressada e mal apurada
informação), as suposições infundadas (que muito ficam a dever à malfadada
centralidade dos “especialistas” em cenários), os preconceitos e os
estereótipos sobre os inimigos (em muito devedores
dos mais ignaros racismo e xenofobia) ou a cultura do medo desempenharam. O
sonambulismo tem custos imprevisíveis, e inaceitáveis. Como em muitos momentos
históricos marcados pela aceitação da desumanidade — aprender a aceitar o
desumano ficou mais fácil para muitos a partir desta altura —, é crucial
interrogar a responsabilidade das “elites” envolvidas.
Uma reflexão erudita sobre o
papel das elites políticas europeias, sobretudo sobre os seus processos de
tomada de decisão, é precisamente o que nos oferece Margaret MacMillan, no
esplêndido The War That Ended Peace: The Road
to 1914 (2013), que deve ser
lido em conjunto com o seu Paris 1919: SixMonths That Changed the World (2003). A combinação de uma certa cultura de expectativa
positiva face à guerra, de uma paranóia generalizada — sobre o
outro, sobre a “degeneração” social e societal —, de uma megalomania
institucionalizada (ainda por cima em sociedades crescentemente militarizadas),
de um jingoísmo popular e ainda de
um punhado de julgamentos e decisões mais do que questionáveis foi fatal. Uma
coisa fica clara para MacMillan e para os que a lêem: a violência e a
mortandade eram evitáveis, existiram responsáveis concretos, mas não culpados
únicos.
Para os cultores da história contrafactual, que tanto tem de estimulante exercício intelectual como de perigoso
instrumento de revisionismo histórico,
recomendamos o livro de Richard Ned Lebow, Archduke
Franz Ferdinand Lives!: A World without World WarI (2014). Lebow oferece-nos vários mundos
plausíveis partindo da supressão de um único dado histórico: o
assassinato do arquiduque Francisco Fernando em Sarajevo, em 1914. Que mudanças
significativas seriam plausíveis nas trajectórias biográficas de inúmeras
personalidades da época e nos desenvolvimentos geopolíticos globais? Por
exemplo, como pensar a inexistência de um Estado de Israel face à inexistência
do Holocausto, face à inexistência do nacional-socialismo na Alemanha? The Plot
Against America, de Philip
Roth, talvez seja mais entusiasmante, mas o livro de Lebow constitui uma história
alternativa que demonstra como acontecimentos (e pequenas irresponsabilidades) podem provocar consequências tão nefastas e
duradouras como as que a I Guerra Mundial desencadeou.
Uma última nota de leitura sobre
um livro que só será publicado em meados deste ano, mas que promete transformar-se num notável exemplo do modo como se pode repensar a história da I Guerra: Empires at
War, 1911-1923, coordenado por Erez Maneia e Robert
Gerwarth. O objectivo é duplo: primeiro, redefinir a cronologia do conflito, da
invasão italiana da Líbia até aos inúmeros e violentos conflitos que se
prolongaram até 1923, na sequência da desagregação da Rússia Czarista e dos
Impérios Austro-húngaro e Otomano; segundo, demonstrar que se tratou de um
antagonismo global entre Estados-império e não entre Estados-nação. Pelo
conjunto de contribuições a que já tivemos acesso, podemos garantir que esta
obra rapidamente se tornará numa referência obrigatória para todos os que se
interessam pelo período histórico. Aguardemos com expectativa a sua publicação.
Assim como a de números outros livros. Que decerto inundarão as livrarias no
decurso de 2014.
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