26/01/2014 – 14:42
A aproximação
do centenário do início da I Guerra Mundial já cristalizou uma ideia: é preciso
olhar para a Europa de 1914 para reflectir sobre a Europa de 2014 e decidir bem
— pelo menos melhor.
Hoje temos uma Europa sem união,
sem estratégia e sem solidariedade, que encolhe os ombros perante o
nacionalismo crescente, é complacente face ao extremismo descarado e ignora com
cortesia o engrossar do cortejo de deputados radicais, anti-imigração e anti-Europa nos parlamentos nacionais.
Em 1994, ainda próximos dos
acontecimentos, comemorámos o 25 de Abril muito colados à narrativa dos factos
— quem estava onde, a que horas e a fazer o quê. Hoje, quando pensamos nos 40
anos da democracia portuguesa, damos os factos da operação como adquiridos
(embora haja ainda uma ou duas perguntas “operacionais” por responder) e
reflectimos sobre o país que entretanto foi construído: somos o país das cunhas
e das “jotas políticas”, mas onde os bebés já não morrem à taxa de 60 por mil
nascimentos (a taxa desceu para 3); o país com liberdade de expressão e de
imprensa, mas sem transparência em relação aos accionistas de alguns jornais; o
país que enterrou o conceito de “crime político”, mas onde a lentidão da
justiça não tem fim à vista; o país que evoluiu de um ensino básico insipiente
e aplicado graças à intervenção da GNR - que ia buscar crianças a casa para as
levar à escola — para uma progressiva aproximação das médias internacionais,
mas que acaba de cortar 40% das bolsas de doutoramento e 65% de
pós-doutoramento, quando quase metade desse financiamento vem dos fundos
comunitários.
Com a I Guerra Mundial passa-se o
mesmo. Se há umas décadas nos dávamos por satisfeitos com o relembrar das
manobras militares, os bastidores da diplomacia e a análise sobre vencidos e
vencedores, hoje estamos em processo de auto-análise colectiva. A Europa, este
Verão, vai deitar-se num divã e olhar para si própria. O exercício, de resto,
já começou.
Portugal apresentou a sua candidatura
à CEE logo em 1977 — três anos depois do 25 de Abril. Mário Soares teve a
sabedoria de identificar o país com o ideal europeu e as preocupações dos seus
fundadores, homens que tinham visto a Europa ser devastada por duas guerras
mundiais no espaço de 20 anos e que acreditaram que sem uma união formal dos
países europeus o continente não teria paz.
Há dois anos, Helmut Kohl — que
fez a reunificação alemã e defendeu o euro como “instrumento de paz” essencial
para evitar a guerra — disse que, 70 anos depois do fim da II Guerra Mundial,
“a Europa continua a ser uma questão de guerra e paz”. É crucial relembrar o timing das suas
palavras. O velho chanceler alemão, que Bill Clinton disse um dia ser o mais
importante estadista europeu vivo, falou de guerra e paz dias depois de o seu
partido, a CDU de Angela Merkel, ter hesitado apoiar a Grécia e um influente
ministro alemão ter sugerido que a Grécia deveria sair do euro. Em 2012 Kohl
repetiu o que dissera 20 anos antes, quando avisou sobre os perigos de uma Europa
fraca e não solidária. Hoje não temos a rivalidade de impérios, nem a excessiva
militarização, nem a crença de que as guerras podem ser breves, nem sociedades
pouco democráticas que definiam a Europa do início do século. Mas as ilusões de
grandeza, a irracionalidade política e diplomática, os erros de percepção e
análise e a desconfiança sobre o outro ainda existe na Europa. É tempo de rever
as lições aprendidas.
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