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segunda-feira, 24 de julho de 2017

Depois do futebol, a televisão. Onde vai parar a guerra entre Altice e NOS?

Ana Suspiro
24 Julho 2017
A compra da Media Capital pela Altice pode provocar revolução no mercado das telecomunicações. 
É uma operação nunca vista na Europa e um desafio ao reguladores e aos concorrentes. 
O que fará a NOS?

Primeiro foi a disputa pelos direitos de transmissão dos jogos de futebol, agora é o controlo acionista dos produtores de conteúdos de televisão que está em causa. O anúncio da compra da Media Capital, a dona da TVI, pela MEO, que é controlada pelo grupo francês Altice, pode provocar uma revolução no setor das telecomunicações em Portugal.

A operação foi descrita como “nunca vista” na Europa pelo maior concorrente da PT, a NOS, que é controlada pela Sonae e por Isabel dos Santos. Vai ser um desafio para os reguladores portugueses, num processo que promete ser polémico e demorado. Mas, para já, os olhos voltam-se para a segunda maior operadora e crescem as apostas sobre o que irá fazer a NOS. Vem aí uma onda de compras no setor dos media protagonizada pelas operadoras de telecomunicações?

O primeiro episódio da guerra no mercado das telecomunicações começou no futebol. A ofensiva foi lançada pela Altice em 2015, pouco tempo depois de ter comprado a PT Portugal. A dona da maior marca de telecomunicações, a MEO, aproveitou o fim dos contratos da Olivedesportos com os principais clubes de futebol para explorar o novo nicho de mercado. E o maior prémio era o Benfica, que estava fora deste contrato e tinha já um canal de cabo próprio onde emitia os seus jogos.

O contrato para exibir os jogos tinha de terminar, depois de a Autoridade da Concorrência ter obrigado os protagonistas do acordo com a Sport TV a limitar a cedência dos direitos desportivos por três anos. Mas o dono da Olivedesportos, Joaquim Oliveira, não era carta fora do baralho. O empresário já não era acionista da PT Portugal e mantinha uma ligação muito próxima com a NOS, empresa que resultou da fusão da Optimus com a ZON, com quem tinha lançado a Sport TV. Este canal emitia todos os jogos da I e II liga dos clubes que tinham cedido os direitos à Olivedesportos. E a NOS era uma acionista importante.

Nesta equação, interessava a Joaquim Oliveira que fosse a NOS a ficar com os direitos, que podia continuar a canalizar para a Sport TV. Terá havido movimentações nos bastidores deste grande negócio — os direitos aos jogos dos três grandes foram vendidos por cerca de 1.500 milhões de euros — e na linha da meta a MEO foi ultrapassada pela NOS, que ganhou os jogos do Benfica e do Sporting. Só não conseguiu o FC Porto, apesar de Oliveira ter tentado convencer o seu amigo Pinto da Costa.


A MEO ficou com o FC Porto e com outros clubes menos importantes e um prémio de consolação: a entrada no capital da Sport TV. A empresa liderada por Joaquim Oliveira garantiu a transmissão dos jogos dos clubes que já tinha, e acrescentou-lhe o Benfica.

Os contratos dos direitos com as operadoras levantaram reservas à Autoridade da Concorrência, que não quer conteúdos exclusivos com o poder de audiências do futebol. Apesar das centenas de milhões de euros que custaram, os direitos dos clubes não ficaram exclusivos, como alguns chegaram a temer, e continuaram a ser exibidos por todos os operadores de cabo, através do canal Sport TV. Ainda que à conta disso, no início deste ano, as operadoras tenham aumentado o preço dos seus pacotes.


1 - O ataque à televisão
Um ano depois, o grupo detido pelo milionário Patrick Drahi, e onde é também acionista o português Armando Pereira, levou a disputa para um novo patamar ao anunciar a aquisição da Media Capital, dona da estação televisiva líder de audiências. A PT Portugal, agora controlada pela Altice, realiza assim um projeto que chegou a estar em cima da mesa quando Sócrates estava no Governo, Zeinal Bava na PT e Ricardo Salgado no BES.


Na sua primeira intervenção pública depois de ser conhecido o negócio, o presidente executivo da NOS foi cauteloso na reação, mas sinalizou aquilo que se poderá transformar numa batalha regulatória contra a operação. “Nunca houve nada de remotamente comparável a esta operação. Nunca aconteceu na Europa em lugar nenhum”, sublinhou Miguel Almeida em resposta à pergunta colocada por um analista na conferência telefónica sobre os resultados semestrais. Para o presidente executivo da NOS, o negócio levanta “questões regulatórias significativas” e mandou a bola para o lado das autoridades de regulação.

“Vamos esperar pelo resultado final dessa análise”, disse ainda o gestor. Mas o mais provável é que não seja preciso esperar muito tempo para conhecer a opinião da NOS, que irá contestar esta operação em todos os fóruns possíveis, de acordo com informações recolhidas pelo Observador. A Impresa de Pinto Balsemão também já veio apelar à atuação dos reguladores.



2 - Quem vai decidir a operação?
A compra da PT Portugal pelo grupo francês Altice foi decidida em Bruxelas. Era uma concentração de dimensão comunitária, por via da dimensão do comprador e da entidade adquirida, e porque envolvia mais do que um mercado da União Europeia. A Autoridade da Concorrência ainda tentou puxar o negócio para si, alegando que tinha apenas impacto no mercado doméstico, mas a Comissão Europeia recusou. Deu luz verde, apesar de mais tarde ter aberto uma investigação por suspeitar que a Altice começou a mandar na PT Portugal antes de cumprir os remédios impostos.

Apesar de o comprador ser o mesmo, a decisão sobre a aquisição da Media Capital deve ficar em casa. Isto porque a empresa dona da TVI, da produtora Plural e da Rádio Comercial fatura menos de 250 milhões de euros, um dos critérios que define quem tem competência para decidir. Além disso, tem o negócio concentrado num só mercado da UE.

A Autoridade da Concorrência será assim o regulador principal que vai decidir sobre esta operação. Esta será a primeira grande concentração a cair nas mãos da nova presidente — Gabriela Dias tomou posse no final do ano passado.

O mandato de Carlos Magno à frente da ERC terminou em 2016

A ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) tem de dar parecer depois de avaliar o impacto da concentração para assegurar a salvaguarda do pluralismo e da diversidade. E o parecer da ERC, ao contrário do que sucede com o que é emitido pelo regulador das telecomunicações — a ANACOM — é vinculativo.

Ou seja, o regulador da comunicação social tem poderes para chumbar esta operação, à luz da lei portuguesa da concorrência, condição que não existiria se a concentração fosse avaliada em Bruxelas. Isto, apesar de o quadro europeu também permitir às autoridades nacionais tomar medidas — legislativas ou administrativas — se considerarem que uma fusão aprovada pela Comissão Europeia põe em causa alguns princípios: um deles é precisamente a pluralidade dos meios de comunicação social.

Até agora, a ERC só travou a realização de um negócio neste mercado que envolvia também a dona da TVI. Quando a Ongoing tentou comprar uma participação de 30% na Media Capital em 2010, esta aquisição ficou condicionada à venda da posição qualificada (de 20%) que a empresa de Nuno Vasconcellos tinha na altura na Impresa, a maior concorrente da Media Capita. Esta operação não foi feita na altura, só anos mais tarde, e a entrada na dona da TVI acabou por não acontecer.


3 - O regulador “comatoso” que tem de decidir por unanimidade
A concentração que junta a Media Capital à PT Portugal será assim o verdadeiro teste à atuação do regulador dos media e não podia acontecer numa altura pior para a ERC, que se encontra fragilizada pela saída de vários administradores, pelo conhecimento de divergências internas no conselho e por um presidente a prazo — Carlos Magno terminou o mandato no final do ano passado, mas os principais partidos ainda não chegaram a acordo para escolher o seu sucessor.


O Governo já fez entretanto saber que não pretende indicar agora um novo conselho para a ERC, para alegadamente evitar suspeitas de que está a tentar intervir na compra da Media Capital. E as deliberações da direção da ERC, reduzida a três membros, têm de ser unânimes para terem valer legal.

Daí que a certeza de uma intervenção dos reguladores, pedida pelos dois principais concorrentes dos protagonistas deste negócio, a Impresa e a NOS, esteja longe de deixar todos descansados. Isso mesmo foi assumido por Lobo Xavier, administrador do Grupo Sonae e da NOS, no programa Quadratura do Círculo, na SIC Notícias.

“Fico perplexo ao ouvir o primeiro-ministro dizer que não vai mudar a administração da ERC para não o acusarem de estar a interferir no processo. Ora, se não mudar é que está a interferir no processo. A ERC está com um conselho fragilizado. Só lá estão três pessoas, têm de tomar deliberações por unanimidade. Está num estado comatoso e está assim porque mudar e pôr lá uma administração decente por receio de interferir no negócio é uma coisa que não se compreende”.

Apesar deste cuidado do Governo em relação à ERC, o primeiro-ministro e outros membros do Governo não se têm inibido de intervir verbalmente com declarações negativas para a PT Portugal e para o seu dono, a Altice, e há quem veja nessas farpas de António Costa o sinal de que este negócio pode enfrentar obstáculos políticos.

Numa análise feita logo depois de ser anunciada a operação, assinada por Pedro Oliveira, o BPI avisa que podem existir algumas “barreiras políticas” para a Altice avançar com esta transação. O analista considera ainda que a aprovação da operação por parte das autoridades portugueses pode arrastar o seu desfecho, admitindo o cenário de a Autoridade da Concorrência abrir uma investigação aprofundada à concentração.


4 - É mesmo uma operação inédita?
A compra da Media Capital pela Altice encaixa naquela que tem sido a estratégia do grupo francês a nível mundial. Depois de investir na aquisição de operadores de telecomunicações em França, Portugal e Estados Unidos, a Altice comprou empresas de media como o jornal Libération e tent ou alvos mais ambiciosos como a empresa de cabo da Time Warner.

Armando Pereira, o acionista português da Altice, na conferência em que se explicou a compra da Altice

Apesar de ser um negócio quase padrão no mercado americano, onde as distribuidoras de cabo têm produtores de conteúdos numa lógica de integração vertical, a operação proposta entre a Altice e a Media Capital será de facto quase inédita na Europa. Isto porque envolve a tomada de controlo do maior produtor e difusor de conteúdos televisivos pela principal operadora de telecomunicações e distribuidora desses conteúdos. E cria um grupo integrado verticalmente que pode tirar partido do vazio regulatório na área dos conteúdos, tornando-se numa potencial ameaça para os concorrentes.

Foi essa a preocupação por trás das primeiras declarações feitas pelo presidente executivo da NOS em reação ao negócio Altice/Media Capital,  uma semana depois de ser anunciado. Miguel Almeida reproduziu a posição assumida horas antes por António Lobo Xavier, administrador da NOS e da Sonae sobre o tema. Na sua intervenção no programa da SIC Notícias, a Quadratura do Círculo, o jurista foi mais longe nas explicações: “Não é possível em nenhum país da Europa com estes anos de democracia haver uma aquisição de um canal generalista com 25% de quota de mercado por uma empresa de comunicações e estar tudo tranquilo.”

Lembrando que não existe tendência na Europa para as empresas de telecomunicações comprarem empresas de comunicação social, e apesar de reconhecer que a atuação da Altice segue razões de negócio, Lobo Xavier explica qual é, do seu ponto de vista, o problema: “No mundo da televisão, as empresas lutam por audiências e para ter audiências têm que manter um certo pluralismo. Quando uma empresa de telecomunicações compra uma televisão, o interesse da televisão fica subordinado. A televisão passa a ser uma alavanca do negócio de telecomunicações. Isso instrumentaliza a comunicação social diretamente. (…) E há riscos de interferência no pluralismo”.


5 - Um teste ao vazio na regulação dos conteúdos
Para um consultor na área das telecomunicações ouvido pelo Observador, esta operação traz para a ordem do dia o problemas da regulação de conteúdos, ou da falta dela, o problema do acesso a esses conteúdos e o problema do preço a que são vendidos.

Até agora, as operadoras e a empresas de conteúdos têm atuado com base na negociação e na autoregulação. Este princípio prevaleceu mesmo na guerra pela transmissão dos direitos desportivos em que, apesar de pagarem centenas de milhões aos grandes clubes de futebol, as operadoras cederam aos seus concorrentes, via Sport TV, o direito de exibirem os jogos — naturalmente que por um preço.

E a questão do acesso pode jogar-se aí. Ou seja, um conteúdo pode estar no mercado, no sentido em que qualquer operador o pode comprar para o mostrar aos seus clientes, mas se o preço for excessivamente elevado é como se tivesse fechado. E esse risco é potenciado quando o dono da empresa de conteúdos e da empresa que tem direito a transmiti-lo é o mesmo.


Outro exemplo. Em 2013, foi lançada a Correio da Manhã TV. A estação da Cofina nasceu como um canal de cabo exclusivo da MEO, porque a marca da PT foi investidora no projeto. A exclusividade, que durou durante os primeiros anos, tinha essa racionalidade económica, mas a PT não era acionista do canal nem do seu dono. Hoje, a CMTV, o canal com mais audiência do cabo, já pode ser visto na NOS, mas não na Vodafone porque este operador não estará disposto a pagar o que é exigido (alegadamente 2,5 milhões de euros anuais) para incluir este canal na oferta aos seus clientes.

Com a integração no mesmo acionista do dono do conteúdo (a estação de televisão) e a empresa operadora do cabo (a MEO) será mais difícil e menos transparente a relação entre o distribuidor e o fornecedor de conteúdo. Serão todas essas implicações que os reguladores da concorrência e da comunicação social (a quem compete assegurar a pluralidade) terão de avaliar quando analisarem o impacto desta concentração no mercado de televisão e de telecomunicações, que por via da inovação tecnológica e dinâmica comercial está cada vez mais integrado.

Ou seja, é preciso evitar cenários em que a acionista única do grupo que resultar do negócio Altice/Media Capital possa transferir conteúdos premium e de elevado valor comercial do canal generalista para canais de cabo, e fechá-los, permitindo que sejam vistos apenas na MEO. Ou então cobrar um preço excessivo aos concorrentes para ceder esse conteúdo.


6 - O que pode a NOS fazer
Numa análise divulgada pouco antes de ser confirmado o negócio Altice/Media Capital,  o banco de investimento Caixa BI antecipava já as possíveis respostas do segundo principal operador de telecomunicações. Por um lado, Miguel Almeida, o presidente executivo da NOS, avisou que não ia ficar quieto perante novas ofensivas do seu maior concorrente. Por outro lado, o analista Artur Amaro lembrou que o homem forte da NOS já assinalou que não faz sentido na estratégia da empresa comprar um grupo de media. “A NOS não quer entrar numa nova guerra”.

Já o analista do BPI que segue a empresa, Pedro Oliveira, defende que o negócio protagonizado pela Altice, e cujo rosto é a MEO, irá provavelmente ser disruptivo para o mercado das telecomunicações, na medida em que o grupo “irá tentar construir vantagens competitivas nos conteúdos e forçar os outros players a reagir”. Logo, antecipa o risco de um “ambiente competitivo mais intenso que forçará a NOS a investir também em conteúdos”. Resta saber em que formato.

Considerando que a NOS foi reativa na guerra pelos controlo dos direitos desportivos, do ponto de vista de posicionamento estratégico no mercado poderia fazer sentido responder ao mesmo nível. Para isso, só tem dois ativos disponíveis:a Impresa e a Cofina dois grupos de comunicação social nacionais que têm televisão.
Evolução da cotação das ações da Impresa no último ano/Fonte: Bloomberg

Para os analistas ouvidos pelo Observador, a Impresa teria mais interesse para a NOS porque controla uma televisão generalista com acesso a produção de conteúdos e que é a principal concorrente da TVI. Isto apesar de a Cofina ter o canal de cabo com maior audiência, a CMTV. O alinhamento com a Impresa é também considerado preferencial pela Caixa BI, que valoriza a holding controlada pela família Balsemão em cerca de 230 milhões de euros, sem prémio de controlo.

Pela informação recolhida pelo Observador, existem conversas entre os grupos para explorar várias possibilidades, nomeadamente com a Impresa. Outras fontes dizem que a televisão da Cofina também é um alvo na mira. O que é certo é que as ações das duas empresas de media subiram com força quando foram noticiadas as negociações entre a Altice e a Prisa para comprar a Media Capital.
Evolução das cotações da Cofina no último ano/Fonte: Bloomberg


7 - Comprar os produtores ou produzir os conteúdos
Os analistas ouvidos pelo Observador não acreditam muito que a NOS siga o caminho das compras. Estamos a falar de aquisições de grande dimensão e que exigem um elevado esforço financeiro — com o lançamento de ofertas públicas de aquisição na bolsa — e a operadora ainda está a gerir o elevado investimento na compra dos direitos de transmissão desportiva do Benfica e do Sporting.

Os contratos com a duração de dez anos (que no caso do Sporting inclui ainda o patrocínio e a publicidade no estádio) envolvem mais de 900 milhões de euros. Estas operações colocaram uma grande pressão no cash-flow da operadora sem que se traduzissem num ganho adicional de receita relevante, já que ninguém ficou com direitos exclusivos de transmissão. Ou seja, continua a ser possível ver os jogos nos canais distribuídos por outros operadores.

Ainda que em tese a Cofina e a Impresa estejam no mercado — os grupos de comunicação social com maior exposição à imprensa escrita têm perdido avultadas receitas de publicidade e vendas, estando por isso fortemente pressionados para vender ativos ou até o controlo –– dificilmente os seus acionistas estariam dispostos a vender apenas ativo mais apetecido — a televisão. Ainda que a NOS até admitisse comprar todo o grupo, o mais provável é que valorizasse muito pouco a componente de imprensa, que na Impresa pesa muito.

Existem também incertezas regulatórias - há expectativa de ver como reagem os reguladores na avaliação ao negócio entre a Altice e a Media Capital. E há também riscos políticos e reputacionais. Apesar de a NOS ser um operador associado ao grupo Sonae, a verdade é que Isabel dos Santos partilha o controlo acionista da operadora que resultou da fusão entre a Zon e a Optimus. E dificilmente Pinto Balsemão aceitaria um cenário de venda do grupo que construiu ao longo de toda a vida a uma empresa onde investidores angolanos tenham uma palavra decisiva. Ainda recentemente, a transmissão da SIC foi suspensa em Angola pela operadora ZAP, que é controlada pela mesma Isabel dos Santos, filha do Presidente angolano.

Isabel dos Santos partilha o controlo acionista da NOS com a Sonae

Já no caso da Cofina, e apesar do sucesso da CMTV, o interesse tenderá a ser menor para a NOS porque não é um grande produtor de conteúdos. A Impresa também não controla empresas de conteúdos televisivos — é cliente da maior produtora, a SP — no entanto tem o know-how da seleção dos produtos e uma marca que serve de alavanca para as audiências.

Ainda que a aquisição de produtores de conteúdos por operadoras de telecomunicações possa vir a ser o caminho do futuro para o setor, o controlo acionista de uma estação de televisão não garante à partida a possibilidade de criar uma oferta diferenciadora e de valor acrescentado em relação à concorrência. A regra em Portugal tem sido os reguladores exigirem o acesso de todos os operadores a esses conteúdos. Logo, não existe uma grande vantagem, a curto prazo, neste tipo de operação, ainda que possam existir sinergias a nível de produção de conteúdos e publicidade, entre operadores e produtores de conteúdo, referiu um dos analistas contactados.

O verdadeiro teste a esse principio de livre acesso e de autoregulação na área dos conteúdos será feito com esta operação, com o juízo que os reguladores vão fazer e os eventuais remédios que vão impor.


8 - Porque querem as telecom comprar produtores de conteúdos?
Apesar de os responsáveis da NOS qualificarem o negócio entre a Altice e a Media Capital de nunca visto na Europa, os analistas financeiros reconhecem que existe uma tendência mundial de operadores comprarem empresas de media. É uma estratégia que tem um “racional económico interessante”, sublinha a análise da Caixa BI, que destaca as vantagens:
  • Controlo da publicidade;
  • Oferta aos clientes do melhor serviço de televisão (o melhor conteúdo com a maior velocidade em streaming);
  • E, acima de tudo, conhecer os hábitos e preferências dos clientes.

A integração vertical da oferta faz sentido para uma empresa de telecomunicações porque este setor tem vindo a perder receitas naquela que era a sua função principal de distribuidor. Os consumidores pagam cada vez menos pelo acesso à Internet, canal que é agora suficiente para aceder a todos os conteúdos — da informação à melhor ficção — passando pelas próprias comunicações. As telecom correm o risco de se tornarem meros intermediários de sinal, com a margem e o grosso da receita a ficar do lado dos produtores e, sobretudo, dos difusores (os gigantes da Internet).

A consolidação é uma resposta atrativa para as operadoras também porque as empresas de media estão a perder força e músculo financeiro, com o desvio das suas receitas para a Google e as redes sociais.

Mas, para que estes negócios façam sentido, é preciso que as operadoras ganhem acesso exclusivo a conteúdos diferenciadores e premium que lhes permitam valorizar a sua oferta. O que não está garantido. Sendo assim, para a NOS pode ficar em causa o racional de avançar com a compra de uma empresa de media, uma operação que seria seguramente mal recebida pelos investidores, admitiu um dos analistas de mercado que segue a empresa.

O que faz a diferença é a capacidade de construir conteúdos de ficção que sejam multiplataforma e distintivos, é isso que dá vantagens competitivas, refere o especialista no setor das telecomunicações. Mas há mais do que um caminho para lá chegar. Um possibilidade seria a NOS explorar a produção de conteúdos próprios em canais exclusivos da sua oferta no cabo e na Internet. Ou, em contrapartida ou simultâneo, fazer parcerias e acordos de acesso exclusivo a conteúdos.


António Costa fez críticas agressivas à Altice no Parlamento

Então, porque avançou a Altice? Essa é uma pergunta que exige uma resposta mais complexa. Ainda que a compra da Media Capital faça sentido na estratégia global do grupo francês, cuja linha de aquisições recentes está muito alinhada com o que se passa no mercado americano, e que este negócio já estivesse nas bocas do mundo há algum tempo, haverá outro tipo de motivações para o fecho da operação agora. A aquisição foi anunciada no meio de uma sucessão de desaires e noticias negativas que colocaram a PT Portugal e os seus acionistas debaixo de fogo.

Desde a demissão de administradores a rumores de uma reestruturação com um enorme despedimento coletivo, passando pela perda de quota de mercado e pelas falhas do SIRESP - a PT é acionista da empresa privada que gere os serviços de comunicação do Estado. E há ainda as críticas do primeiro-ministro à qualidade da oferta da empresa, as acusações de práticas laborais abusivas e até uma greve.


É quase irresistível analisar este negócio à luz de todas as polémicas que têm marcado a atuação da Altice como dona da PT e ao discurso desafiador dos seus dirigentes. É um marcar de posição face aos ataques políticos e à opinião pública?

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