Sofia Lorena
2 de Janeiro de 2018, 19:40
Entre as vítimas há já um menino de 11 anos, sem que se saiba ao certo quem o matou.
Média de idades dos detidos está abaixo dos 25 anos.
Sem líderes e com motivações distintas, estas manifestações são bem diferentes das de 2009.
Ao sexto dia consecutivo de protestos em dezenas de cidades iranianas, e quando ja se contabilizam pelo menos 22 mortos, o Guia Supremo, ayatollah Ali Khamenei, que tal como o Presidente Hassan Rohani tem ouvido gritos de “ditador”, falou finalmente, para afirmar que estão a ser promovidos por agentes estrangeiros.
É a maior vaga de protestos desde a chamada “revolução verde” de 2009, e uma das diferenças é que, desta vez, alguns dos manifestantes têm atacado esquadras, centros religiosos, bancos ou sedes da Bassiji (milícia islâmica do regime) e o caos já serviu para um iraniano matar a tiro um membro dos Guardas da Revolução.
Mas face aos apelos para que continuem as manifestações, Khamenei disse mais ou menos o que se esperaria: “Nos últimos dias, inimigos do Irão usaram diferentes ferramentas, incluindo dinheiro, armas, serviços políticos e secretos para criar distúrbios na República Islâmica.”
Depois deste comentário, publicado no seu site oficial, o ayatollah promete dirigir-se à nação “quando for o tempo certo”.
A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, declarou que era "um disparate" alegar que havia influência estrangeira.
"As manifestações são totalmente espontâneas", declarou.
Diferente de 2009
Jovens, como os que saíram à rua há oito anos e meio, estes manifestantes também parecem ser mais rurais e menos urbanos, quando em 2009 grande parte da revolta foi feita por universitários e académicos.
Desta vez, há relatos de gente que se desloca até às cidades por todo o país para nelas se manifestar.
Ao mesmo tempo, enquanto os protestos esmagados pelo regime nesse Verão começaram por causa de umas eleições tidas como fraudulentas – as que reelegeram o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad –, estes foram motivados pelas expectativas de progressos na economia e de maiores aberturas, expectativas criadas pelo actual Presidente, o centrista moderado Hassan Rohani, principalmente desde a assinatura do acordo sobre o programa nuclear iraniano, em 2015.
A população acreditou tanto nele que em Maio o reelegeu com 57% dos votos, mais dos que tinha obtido em 2013.
Em 2009, os iranianos saíram em defesa dos candidatos moderados que acreditavam ter sido os vencedores reais das presidenciais e estes eram, na prática, os líderes da revolta. Desta vez, o movimento é muito mais espontâneo e disperso, e não há interlocutores. Mehdi Karroubi, de 79 anos, e Mir-Hossein Moussavi, de 75, permanecem ambos em prisão domiciliária.
Outra grande diferença, ligada a estas, é que Teerão não tem sido o centro e a maioria dos que estão na rua são homens: há manifestações na capital, mas não são de todo as maiores, e os protestos começaram em Mashad, no Nordeste, a segunda maior cidade do país, cidade-santuário onde funciona a mais rica fundação do Irão, que tem a cargo a gestão de mesquitas, mausoléus e outras propriedades na região.
As primeiras mortes entre os manifestantes terão ocorrido sábado à noite, em Izbeh, no Sudoeste, num protesto que terminou com dezenas de feridos.
Pelo que se sabe, as vítimas foram mortas a tiro.
No dia seguinte, domingo, pelo menos mais dez pessoas que se manifestavam foram mortas.
Assalto a uma esquadra
Na noite de segunda para terça-feira, seis manifestantes morreram em confrontos com as forças de segurança, quando um grupo estaria a tentar tomar de assalto uma esquadra da polícia em Qahderijan, cidade da província de Isfaão, no centro do país.
Na mesma região, mas em Khomeinishahr, um menino de 11 anos e o seu pai foram mortos a tiro quando passavam perto de uma concentração – alguns media dizem que foram mortos por manifestantes.
Já em Khariz Sang, um jovem membro dos Guardiães da Revolução (a força de elite do regime) foi morto a tiros de caçadeira.
O site de notícias da televisão do Estado dá ainda conta da morte de um polícia durante “actos de violência” em Najafabad, ainda na mesma província de Isfaão.
Só em Teerão foram entretanto detidas pelo menos 450 pessoas desde sábado.
“Duzentas pessoas foram presas no sábado, 150 domingo e cerca 100 na segunda-feira”, disse o adjunto do presidente da câmara, Ali-Asghar Nasserbakht à agência ILNA, próxima dos reformadores.
Na capital, onde estão a maioria dos poucos correspondestes estrangeiros que trabalham actualmente no país, os protestos têm ocorrido em pequenos grupos e durado pouco tempo – o aparato de segurança é impressionante.
Como em 2009, o regime está a responder com repressão e ameaças – apesar do tom inicialmente conciliatório de Rohani, defendendo o direito “à crítica e ao protesto”, mas “não à violência” – e já tratou de bloquear algumas aplicações e redes de troca de mensagens (Instagram, Telegram), essenciais para organizar a contestação de há oito anos e meio, quando a oposição diz terem sido mortas 72 pessoas.
Operação cirúrgica
Desde o início dos protestos, Rohani também prometeu “resolver os problemas da população”, nomeadamente o desemprego, que subiu em 2017 – e que no caso dos jovens (a média dos detidos tem menos de 25 anos) chega oficialmente aos 28,8% (os especialistas dizem que, na verdade, está mais próximo dos 40%).
“A nossa economia precisa de uma grande operação cirúrgica”, disse o Presidente.
A verdade é que as sanções internacionais que deveriam ter desaparecido com o acordo não foram todas levantadas – os EUA mantêm algumas e Donald Trump passou o seu primeiro ano na presidência a prometer mais, afastando algum investimento estrangeiro. Rohani fez pouco, mas também enfrentou obstáculos para fazer mais – e há importantes áreas da economia que escapam ao seu controlo e estão nas mãos de poderes obscuros, incluindo fundações religiosas e os próprios Guardas da Revolução.
Os iranianos esperavam mais.
Os manifestantes não são exactamente pessoas que estejam a passar fome, diz à Al-Jazira o académico e analista político iraniano Mohammad Ali Shabani.
“A questão são as expectativas elevadas, é daí que vem o perigo.
As pessoas estavam à espera de viver melhor, em parte por causa das promessas de Rohani na sequência do acordo nuclear.
Não é a pobreza absoluta que está a levar as pessoas à rua, é pensarem: ‘Precisamos de mais do que isto, foi-nos prometido mais, não temos os empregos que esperávamos.’
”Ali Vaez, o director do projecto para o Irão do think tank International Crisis Group, concorda.
“O Governo inflacionou muito as expectativas públicas”, diz, notando que não se pode ignorar os recuos americanos e a descida dos preços do petróleo como factores que prejudicaram os planos de Rohani.
Na verdade, este até cumpriu mais em questões de costumes: passaram a ser permitidos concertos, a “polícia da moralidade” anda quase desaparecida e as festas “ilegais” deixaram de ser alvo de raides da polícia.
O problema é mesmo a economia, campo em que, segundo Vaez, Rohani “prometeu a mais e cumpriu a menos”.
slorena@publico.pt
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