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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Os protestos não têm a transversalidade nem a força de uma revolução

ENTREVISTA
Maria João Guimarães 
3 de Janeiro de 2018, 7:30

O que está a acontecer no Irão não tem a dimensão dos protestos de 2009 nem a transversalidade de um movimento revolucionário, diz numa entrevista por email ao PÚBLICO Arshin Adib-Moghaddam, professor de Pensamento Global e Filosofias comparativas na SOAS [School of Oriental and African Studies] da Universidade de Londres, director do Centro de Estudos Iranianos no London Middle East Institute (LMEI), investigador associado no ISCTE, da Universidade de Lisboa, e autor de vários livros sobre política iraniana (como o mais recente Psycho Nationalism: Global Thought, Iranian Imaginations, Ed. Cambridge University Press, sem tradução em português). 

O que pensa sobre os protestos actuais no Irão?

As manifestações devem-se sobretudo a queixas por causa de medidas de austeridade neoliberais levadas a cabo pelo governo do [Presidente Hassan] Rohani. 
Também têm a ver com as tentativas dos iranianos conseguiram um Estado um pouco mais democrático e pluralista. 
Como expliquei no meu recente livro Psycho Nationalism, os esforços para controlar os iranianos em nome de várias formas de governo na História moderna não silenciaram a sua voz. 
Dito isto: este é um movimento de reforma, não um movimento pela revolução.

Os slogans têm sido, no entanto, contra o Presidente, mas também contra o ayatollah Khamenei?

Os slogans são dirigidos contra o Estado, mas isso não quer dizer que haja um protesto coerente que queira derrubar o regime. 
Primeiro, é demasiado marginal, e segundo, não há vontade real no Irão para outra revolução. 
Slogans são slogans, uma revolução precisaria de muito mais do que retórica. 

O regime está mais unido face a estes protestos, depois de algumas diferenças por exemplo em relação ao acordo sobre o nuclear?

O aparelho de Estado no Irão sempre se manteve unido contra ameaças à sua soberania e à ordem nacional. 
Há um consenso político no Irão em relação à legitimidade do sistema – embora haja grandes desacordos sobre a sua interpretação.

Quem são os manifestantes?

demografia das manifestações mostra que estão a ocorrer especialmente nas províncias. Os principais protagonistas parecem ser dos estratos mais baixos da sociedade iraniana, que sentiram o impacto maior do regime de sanções imposto pelos Estados Unidos que os prejudicaram a eles – e não ao Estado iraniano.

Qual é a diferença em relação aos protestos de 2009?

Em 2009, os iranianos manifestaram-se sobretudo em centros urbanos para apoiar reformas e responsabilização democrática. 
O chamado Movimento Verde teve muito menos a ver com queixas em relação à situação económica. 
Além disso, em 2009 o número de manifestantes era maior, não só porque os protestos aconteceram sobretudo nas grandes cidades. 
Em Teerão houve 3,5 milhões de pessoas nas ruas, enquanto as actuais manifestações parecem muito mais espalhadas e descentralizadas.

Qual poderá ser a resposta do regime? O que poderá acontecer agora?

A minha previsão é a mesma que fiz em 2009 – que os protestos vão esmorecer. 
Há relatos de alguns manifestantes a usar métodos violentos, por oposição a 2009, quando o movimento foi sobretudo pacífico. 
A violência traz mais violência e qualquer Estado que se sinta ameaçado vai responder para conter as repercussões.

O facto de o Presidente Trump estar explicitamente a apoiar os manifestantes com mensagens constantes no Twitter só os deixa mais em perigo, porque faz com que seja muito mais fácil apresentá-los como “agentes estrangeiros”.

Quando as pessoas no Sul global protestam, cria-se o mito conveniente de que está em causa uma “mudança de regime”, como se os iranianos, e outros, não fossem capazes de ter ideias políticas diferenciadas.

Os protestos no Irão são focados, não transversais. 
A medida da potência de um movimento político é a transversalidade, ou seja a sua capacidade de ser comum a diferentes camadas da sociedade e de as unir. 
Foi esse o caso no Irão em 1978/79 [na Revolução Islâmica que derrubou o xá Reza Pahlavi]. 
Quer se goste ou não, esse não é o caso de momento. 

maria.joao.guimaraes@publico.pt

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