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sábado, 28 de novembro de 2015

Porque a Turquia apunhalou a Rússia pelas costas

ORIENTE mídia

Culturas da Resistência 
27/11/2015, Pepe Escobar, Telesur English
Tradução Vila Vudu

Os objetivos de Rússia e Turquia na luta contra o grupo ‘Estado Islâmico’ são diametralmente opostos.
É absolutamente impossível compreendermos por que o governo turco abraça a estratégia suicidária de derrubar um SU-24 russo sobre território sírio – tecnicamente uma declaração de guerra da NATO à Rússia –, sem a considerarmos no contexto real o jogo de poder de Erdogan no norte da Síria.
O presidente Vladmir Putin disse que o abate do jato russo havia sido uma “punhalada nas costas”. 
Vejamos como os fatos no terreno levaram àquela punhalada.
Ancara usa, financia e arma uma coleção de grupos extremistas em todo o norte da Síria, e precisa, a qualquer custo, manter abertas linhas de abastecimentos para eles a partir do sul da Turquia; afinal, tudo de que aqueles grupos tem de fazer é conquistar Aleppo, o que abriria caminho para o Santo Graal de Ancara: a ‘mudança de regime’ em Damasco.
Ao mesmo tempo, Ancara teme mortalmente as YPG – Unidades de Proteção do Povo Curdo Sírio – organização irmã do PKK, partido curdo de esquerda. 
Esses todos têm de ser contidos a qualquer preço.
Assim sendo, o grupo ‘Estado Islâmico’ – contra o qual a ONU declarou guerra – é apenas um detalhe, na estratégia geral de Ancara, dirigida, essencialmente a combater, conter ou mesmo bombardear curdos; a apoiar de todas as maneiras os Takfiris e jihadistas-salafistas, inclusive o grupo ‘Estado Islâmico'; e a conseguir mudança de regime em Damasco.
Não supreendentemente, os curdos sírios das YPG são fortemente demonizados na Turquia, acusados de, no mínimo, tentarem fazer uma limpeza étnica nas vilas árabes e turcomenas no norte da Síria.
O que os curdos sírios estão tentando – e, para grande alarme em Ancara, apoiados de certo modo pelos EUA –, é conectar o que, por enquanto são três áreas separadas de terra curda no norte da Síria.

Exame rápido, mesmo nesse mapa turco imperfeito, basta para mostrar como duas daquelas áreas curdas (em amarelo) estão já conectadas, a nordeste. 
Para conseguir isso, os curdos sírios, com ajuda do PKK, derrotaram o grupo ‘Estado Islâmico’ em Kobani e arredores. 
Para conseguir a terceira área da terra que consideram deles, os curdos sírios têm de chegar a Afryn. 
Mas no caminho (em azul) há várias cidades turcomenas ao norte de Aleppo.
Essas terras turcomenas são gigantescamente importantes. 
É precisamente aí, até 35 km para dentro da Síria, que Ancara sonha em instalar a sua chamada “zona segura”, que será na prática uma zona aérea de exclusão, em território sírio, ostensivamente para abrigar refugiados sírios, e com tudo pago pela Comissão Europeia, que já desbloqueou 3 bilhões de euros, que podem ser sacados pela Turquia a partir de 1º de janeiro, mediante a Comissão Europeia (CE).

O obstáculo hoje insuperável para que a Turquia consiga sua zona aérea de exclusão é, como se poderia prever, a Rússia.

Servir-se dos turcomenos

Quem são os turcomenos? 
Aqui, é preciso mergulhar na história antiga da Rota da Seda. 
Há cerca de 200 mil turcomenos vivendo no norte da Síria. 
São descendentes de turcomenos tribais que chegaram à Anatolia no século 11.

Também brotaram vilas turcomenas ao norte da província de Idlib, a oeste de Aleppo, e ao norte da província de Latakia, a oeste de Idlib.
E é aqui que encontramos um grupo raramente discutido: uma coleção de milícias turcomenas.

O mito de inocentes civis turcomenos massacrados pelo “regime de Assad” é, sim, mito. 
Em Washington essas milícias são consideradas “rebeldes moderadas” – dado que se fundiram com todos os tipos de grupos jihadistas ou supostos jihadistas, desde o sempre servil Exército Sírio Livre até a Frente al-Nusra, também chamada Al-Qaeda na Síria (a qual, afinal, Viena decidiu que, sim, é grupo terrorista).

O resumo disso tudo é que Turquia e Rússia simplesmente não podem ser parte da mesma coligação que combate contra o ‘Estado Islâmico’ porque seus objetivos são diametralmente opostos.

Como facilmente se podia prever, a mídia turca cobre de elogios esses turcomenos, como “combatentes da liberdade” à moda Ronald Reagan com a Jihad afegã nos anos 1980s. 
A mídia turca vive de repetir que todo o território é controlado por uma “inocente” oposição turcomena, não pelo ‘Estado Islâmico’. Não é, mesmo, o ‘Estado Islâmico’, porque é, principalmente, a Frente al-Nusra – ambos virtualmente a mesma coisa.
Para a Rússia, não há diferença alguma, especialmente porque grupos de chechenos, uzbeques e uigures (a inteligência chinesa acompanha esses movimentos) buscaram abrigo entre esses “moderados”. 
À Rússia, o que interessa é acabar com qualquer possibilidade de haver uma futura Autoestrada Jihad, de 900km de extensão, que conecte Aleppo e Grozny.

Isso explica que a Rússia esteja atacando o norte da província Latakia. 
Ancara, como se podia prever, enfureceu-se. 
O ministro de Relações Exteriores chegou a ameaçar a Rússia, há alguns dias: as “ações do lado russo não são combate contra o terror. 
Estão bombardeando vilas turcomenas, o que pode levar a consequências sérias.”

Ancara apoia diretamente as milícias turcomenas com ajuda humanitária, mas o que realmente conta são armas: entregues por camião controlados pela inteligência turca MIT.

Tudo isso se encaixa perfeitamente na mitologia do partido AKP de Erdogan, de defender populações pré-otomanas; afinal, sempre prestaram “bons serviços” ao Islão. 
Os turcomenos sírios são tão pios quanto os líderes do AKP em Ancara.

O complô engrossa

Para a Rússia, a área conhecida como Montanhas Turcomenas, ou colinas – que os turcos chamam de Bayirbucak, ao norte de Latakia, são alvo valiosíssimo. 
Porque é onde se encontra a Autoestrada Armas & Mais Armas – pela qual Ancara, de mãos dadas com a CIA, arma aquelas milícias.

Para a Rússia, qualquer possibilidade de milícias aliadas com salafistas e jihadistas salafistas em avançada para conquistar a província Latakia, predominantemente alawita é linha vermelha intransponível, porque poria sob ameaça a base russa em Khmeimim e talvez até o porto de Tartus.

Então, em resumo, temos a CIA armando – os afamados mísseis TOW antitanques – e usando uma rota de contrabando através de território turcomeno que é, simultaneamente, uma base de poder de Ancara administrada pela al-Qaeda na Síria. 
Esse é o território mais importante para EUA, Turquia e Arábia Saudita na empreitada de minar Damasco e, ainda mais importante, território totalmente preferencial para fazer guerra por procuração: NATO (EUA-Turquia) contra a Rússia.

A CIA faz divulgar que os TOWs estariam sendo entregues a 45 grupos “selecionados” – os famosos “rebeldes moderados”. Bobagem: as armas sempre são capturadas (ou compradas) pelos jihadistas muito mais experientes da al-Qaida na Síria, e pela nebulosa de incontáveis grupos chamada “Exército da Conquista”, mantida pela Arábia Saudita.

Assim, para esmagar completamente a Frente al-Nusra e o Exército da Conquista, a Rússia começou a bombardear os contrabandistas turcomenos, que absolutamente não se pode dizer que sejam “moderados”: são infiltrados por todos os lados por islamofascistas turcos – como os que metralharam o piloto russo tenente-coronel Oleg Pershin quando descia num paraquedas, o que configura crime de guerra segundo as Convenções de Genebra.

A Rússia está forçada a cobrir aposta altíssima, porque, se servindo de tribos turcomenas, a Turquia já está plantada bem fundo no norte da Síria.

Assim sendo, deve-se esperar que a Rússia aumenta substancialmente os ataques em áreas turcomenas – muito mais do que alguma espécie de revide pelo assassinato do piloto russo. Noutros pontos, a Rússia tem inúmeras opções – armar mais pesadamente as unidades YPG; assim, elas poderiam afinal tomar a faixa de fronteira entre Afryn e Jarablus que é controlada pelo ‘Estado Islâmico’.
Ancara ficará apoplética, se os curdos sírios conectarem o seu território até hoje fracionado, no que chamam de Rojava.
O historiador Cam Erimtan que vive em Istanbul resume o quadro geral:
“O novo governo assumiu na Turquia no mesmo dia em que o jato russo foi derrubado.
Agora, o astuto primeiro-ministro Davutoglu e o pesadão e pouco sensível presidente Erdogan estão ocupados em controlar os danos e mobilizar a opinião pública interna, nesse momento já deixando de lado até a retórica preferida dos dois, da solidariedade islâmica, e jogando descaradamente, completamente, a carta nacionalista.
Mesmo que alguma ação militar com certeza lhes renda ganhos notáveis na popularidade doméstica, as consequências econômicas já começam a fazer-se sentir, com a Rússia já cortando a importação de produtos turcos.
Isso pode sugerir que o governo do AKP tenha agido especificamente como lacaio da NATO, ignorando todas as realidades em campo, numa autolouvação pretensiosa e escandalosa.”
A autolouvação pretensiosa e escandalosa não durará muito, porque a Rússia reagirá, reação fria, pensada, de várias pinças e de modo que sempre surpreenderá, à derrubada do SU-24.
O cruzador de mísseis russo Moskva – carregado de sistemas de defesa aérea – cobre agora toda a região.
Dois sistemas S-400 cobrirão toda a fronteira do noroeste sírio e sul da Turquia.
A Rússia tem meios eletrônicos para interferir na estrutura de comunicações de todo o sul da Turquia.
Absolutamente, de modo nenhum, Erdogan conseguirá sua “zona segura” paga pela União Europeia dentro da Síria, a menos que declare guerra à Rússia.
Certo é que, doravante, a prioridade número um dos russos é derrotar absoluta e completamente a estratégia extremista da Turquia no norte da Síria.
Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera.

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