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segunda-feira, 23 de julho de 2018

Guerra na Síria: a escalada da indiferença



ANÁLISE
Ana Santos Pinto
9 de Março de 2018, 7:45

O cenário sírio demonstra, assim, que rapidamente se poderá passar de uma “guerra por procuração” (onde forças externas se digladiam indiretamente) para um confronto direto, com consequências imprevisíveis.

O atual momento da guerra na Síria, exposto nos sucessivos bombardeamentos e centenas de vítimas em Ghouta (a 10 km do centro da capital, Damasco), revela perigos que não devem ser ignorados. 
Por um lado, o risco de escalada militar, num conflito que há muito deixou de ser uma guerra civil — entre o regime de Bashar al-Assad e os múltiplos movimentos de oposição — e se transformou numa luta pela afirmação de interesses e influência de atores externos: da Rússia aos Estados Unidos, passando pelo Irão, Turquia, Israel e Estados do Golfo. 
Por outro, a ausência de resposta internacional à tragédia humanitária, com uma preocupante apatia das lideranças políticas, embora patente noutros contextos, dos o Iémen é exemplo.

Após sete anos de conflito, assiste-se a um novo agravamento da violência. 
Para além de combates entre forças do regime e movimentos de resistência, bem como a reiterada utilização de armas químicas contra civis, destacam-se dois incidentes que envolvem atores externos. 
A 7 de fevereiro último, conflitos entre forças aliadas ao Presidente sírio e militares norte-americanos em Deir Ezzor, zona curda no nordeste do país, resultaram em mais de 100 mortos, entre os quais foram identificados mercenários de nacionalidade russa, alegadamente ao serviço de uma empresa militar privada. 
Três dias depois, um F-16 israelita foi abatido em território sírio, quando regressava de um ataque a uma possível infraestrutura iraniana, de onde teria sido lançado um drone identificado no espaço aéreo de Israel. 
Acrescem ofensivas turcas em Afrin, zona curda na fronteira entre os dois países, em retaliação contra milícias das Unidades de Proteção do Povo (YPG), que Ankara considera ser uma extensão do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).

O cenário sírio demonstra, assim, que rapidamente se poderá passar de uma “guerra por procuração” (onde forças externas se digladiam indiretamente) para um confronto direto, com consequências imprevisíveis. 
Um conflito com estas caraterísticas significa não só um agravamento da destabilização regional — por envolver os principais Estados do Médio Oriente — mas também da conflitualidade internacional, dada a presença de forças militares de duas potências: a Rússia e os Estados Unidos.

Dois anos e meio após o início do apoio formal das forças armadas russas ao governo de Bashar al-Assad, o regime sírio controla mais de metade do território (em 2015 dominava pouco mais de 15%) e os seus aliados internacionais, a Rússia e o Irão, aumentaram a sua influência. 
A derrota militar do autoproclamado ‘Estado Islâmico’ (Daesh), em 2017, em boa medida resultado das ações militares da Coligação Internacional estabelecida para o efeito, expõe que a conflitualidade na Síria tinha no Daesh apenas um dos seus componentes. 
Sob o rótulo de insurgentes, ou “terroristas” para os regimes sírio e russo, permanecem dezenas de movimentos com múltiplas filiações e interesses, mas com um elemento comum: a inexistência de uma hierarquia que imponha regras de ação ou pausa nos ataques.

Significa isto que estamos perante múltiplos conflitos, em paralelo, no mesmo cenário de guerra: entre o regime de Assad e movimentos insurgentes; entre os múltiplos movimentos insurgentes; entre a Turquia (membro da NATO) e forças curdas, algumas apoiadas pelos Estados Unidos e outros aliados da NATO; entre o Irão, persa e xiita, e os Estados do Golfo, árabes e sunitas, em particular a Arábia Saudita, num confronto que para além da dimensão etnoreligiosa assenta numa luta pelo poder regional; e entre o Irão e Israel que, à semelhança do Líbano, encontra na Síria atual um ambiente propício para o confronto. Ignorar esta complexidade impede soluções duradoras e promove uma fundada inquietação quanto ao futuro próximo.

Igual preocupação é gerada pela passividade perante a tragédia humanitária na Síria. 
De acordo com a ONU, desde o início do conflito, em Março de 2011, calculam-se mais de 250 mil mortos, 5.,5 milhões de refugiados, 6,.1 milhões de deslocados internos e 13,.1 milhões de pessoas a necessitar de ajuda humanitária. 
Em Ghouta, as ações militares das últimas semanas provocaram centenas de mortos, entre os quais dezenas de crianças, e um cerco à cidade que resulta em escassez extrema de alimentos e medicação, impedindo um tratamento mínimo aos feridos.

Chocam as imagens de destruição. 
A resposta internacional foi a adoção de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que exige um cessar de hostilidades por 30 dias e uma “pausa humanitária” que permita a entrada de ajuda e evacuações médicas. 
Em Ghouta, continuaram os ataques e cresceu o número de vítimas. 
O Presidente russo, Vladimir Putin, terá ordenado uma pausa diária das hostilidades, de cinco horas, para permitir apoio humanitário. 
Em Ghouta, prosseguiram os ataques e aumentaram as vítimas. 
Fracassadas as iniciativas diplomáticas em Genebra, sob égide na ONU, em Astana, organizadas pela Rússia, Turquia e Irão, e em Sochi, lideradas pela Rússia, escasseiam soluções. 
Os Estados Unidos reduzem-se a posições de condenação, consideram responsabilidade russa controlar o regime de Damasco e avaliam novas soluções militares. 
Sem mudança, depois de Ghouta seguir-se-á a cidade Idlib e os seus cerca de 150 mil habitantes.

O impasse na Síria resulta da passividade e apatia internacional, mas também da banalização de uma violência que diariamente inunda os cidadãos, tornando a exceção uma regra. 
A inação face à tragédia na Síria não é apenas um problema no Médio Oriente, é um sinal de alerta para as sociedades liberais, defensoras dos direitos e da dignidade humana.

Investigadora do IPRI-NOVA

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