Andrei Fedyashin
Hoje, 18:51 – 30 Julho de 2014
Em Moscou reagiram de
forma surpreendentemente calma à nova “terceira fase” de sanções da União
Europeia contra a Rússia. As restrições no sector bancário, da energia, de
exportações de armamentos e da chamada produção de “dupla utilização” (civil e
militar) entrarão em vigor em 1 de agosto.
As medidas foram acordadas por embaixadores da UE em Bruxelas, após horas de debates, em 29 de julho. Para sua aprovação
formal não é necessária a convocação de uma cúpula de líderes da UE. Bastará
que a Comissão Europeia obtenha seu consentimento por escrito, o que é uma mera
formalidade. Os EUA anunciaram suas próprias sanções adicionais.
Em círculos de negócios da Rússia acreditam que as
sanções da UE e dos EUA irão incentivar o desenvolvimento da indústria e
tecnologia nacionais. Este processo já começou. O presidente Putin realizou em
Moscou a segunda reunião dos principais ministros sobre a substituição de
importações. Segundo os cálculos dos especialistas do governo, a Rússia
necessita de três meses a três anos para substituir totalmente os produtos
importados por domésticos em todos os setores - desde a banca
(sistemas de pagamento próprios), até aos militares e à agricultura. Assim, que
quem perderá com as sanções serão os próprios países que as estão impondo. Eles
perderão os contactos e seus nichos serão ocupados por empresas russas, ou
asiáticas ou latino-americanas.
Todas estas sanções que Washington obrigou a UE a
impor não são mais que uma
vingança política dos EUA em relação à Rússia, e talvez
pessoalmente em relação ao seu
presidente Vladimir Putin, acredita o presidente do Instituto de Estratégia
Nacional, Mikhail Remizov:
“Neste caso, trata-se de uma forma de guerra económica
contra a Rússia, país que, do ponto de vista dos Estados Unidos, deve ser
punido através de uma evidente infração dos princípios da nova ordem mundial ditados desde
Washington. No início dos anos 90, quando os Estados Unidos se tornaram a única
superpotência, eles, de fato, monopolizaram a interpretação do direito internacional, monopolizaram o uso de ferramentas de força na política, monopolizaram o direito de legitimar, de certa forma, regimes políticos. E
o comportamento da Rússia na situação da crise ucraniana, do ponto de vista dos
Estados Unidos, desafia demasiado descaradamente esse monopólio”.
Na UE parecem entender isso muito bem. Após um exame
mais detalhado, essas “sanções setoriais”, como as chamam a UE e os EUA, parecem
mais uma peneira através da qual os países da UE podem, à sua discrição, deixar
ou não passar exportações para a Rússia ou importações de Moscovo. Elas não afetam o comércio de petróleo, gás e outras matérias-primas. Serão apenas
limitados os fornecimentos à Rússia de tecnologias para mineração a
grande profundidade águas do Ártico. Moscovo, a propósito, já adquiriu esse equipamento.
Todos os contratos concluídos por países da UE até 1
de agosto em todas as áreas, sem exceção, serão cumpridos. Foi a França quem mais que outros
insistiu nisso visto que ela que deve fornecer à Rússia dois navios porta-
helicópteros Mistral: o valor do contrato é superior a 1,2 bilhões de euros.
Quaisquer licenças de exportação podem ser obtidas após consideração especial.
O verdadeiro propósito das sanções é mais educacional
do que económico, diz a especialista russa em relações internacionais Daria Mitina:
"A própria prática de sanções, apesar de serem
usadas bastante ativamente
tanto pelos Estados Unidos como pela União Europeia, já
há muito que está ultrapassada moralmente e economicamente. O mundo é demasiado
global e demasiado interligado, de modo que esses mecanismos de sanções são
sempre de dois gumes. Elas afetam não só os países contra os quais são dirigidas essas
sanções, mas também aqueles estados que as introduzem”.
Apesar da reação otimista de Washington ao novo
pacote de sanções europeu, é evidente que ele não conseguiu que os europeus
fizessem o essencial: que deixassem de importar gás russo para substituí-lo pelo seu próprio gás de xisto. As sanções não afetam essas importações de
todo, diz o analista político Alexander Gusev:
“Quanto a fornecimentos de gás de xisto dos EUA, isso
não é nada plausível. O preço interno do gás de xisto nos EUA já subiu para
quase 700 dólares por mil metros cúbicos. Tais compras de gás causariam à
Europa grandes prejuízos. Para ela é importante continuar a fazer comércio com
a Rússia”.
As sanções são projetadas para um ano, serão
revistas a cada três meses, ou podem ser completamente levantadas se a Rússia a
passar a se comportar em relação à Ucrânia como Bruxelas e os Estados Unidos
querem. Além disso, nas regras de sanções da UE está integrado um “mecanismo de
autodefesa” especial. Ele prevê a correção de certas disposições
se elas forem demasiado prejudiciais às economias europeias.
Moscovo admite que o mais doloroso para a Rússia pode
ser o encerramento de acesso a mercados de crédito e mercados de valores mobiliários
da Europa. A fim de limitar o acesso da Rússia ao mercado de capitais da UE os
cidadãos dos países da comunidade serão proibidos de “comprar ou vender
títulos, ações
ou instrumentos financeiros similares com um prazo de
maturidade superior a 90 dias emitidos por bancos estatais russos”.
Mas este problema é só em perspectiva, e somente se
acreditarmos que os bancos russos vão aguardar em silêncio quando para
eles forem fechados os mercados monetários da Europa. Em
particular, os banqueiros russos dizem que já reorientaram suas carteiras de
empréstimos para os mercados da Ásia e da América Latina. Ou seja, para China e
os países do BRICS, especialmente para Brasil e Índia.
Em Moscovo, os serviços de imprensa dos sistemas de
pagamento internacionais Visa e MasterCard já anunciaram que não intencionam
bloquear os cartões dos bancos VTB, o Banco de Moscou (Bank Moskvy) e do Banco
Agrícola da Rússia (Rosselkhozbank), contra os quais anunciaram sanções os
Estados Unidos. Eles têm medo de perder o mercado russo.
Os dirigentes da norte-americana ExxonMobil
também anunciaram que não pretendem encerrar qualquer cooperação com a Rússia.
A empresa possui cerca de 20 por cento da russa Rosneft.
Peritos da Comissão Europeia da UE calcularam que por
causa de sanções a Europa pode perder este ano 40 bilhões de euros. Em 2015,
essas perdas vão totalizar já uns 50 bilhões de euros. Ou seja, cerca de 0,5
por cento do PIB
anual de toda a UE. E trata-se somente de produtos
das indústrias militar e de dupla utilização exportados para a Rússia. Se
considerarmos todas as restantes exportações e a resposta inevitável de Moscovo,
as perdas irão aumentar muitas vezes.