Blog de análise, discussão, sobre assuntos de Economia, Mercados, Finanças e Política Nacional e I

Blog de análise, discussão, sobre assuntos de Economia, Mercados, Finanças e Política Nacional e I
Blog de análise, discussão, sobre assuntos de Economia, Mercados, Finanças, Política Nacional e Internacional e do Mundo

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Tancos. Como o diretor da PJ Militar terá protegido assaltante e encenado operação para passar à frente da PJ /premium

Assalto a Tancos
Sara Antunes de Oliveira, Pedro Raínho e Sónia Simões   25 Setembro 2018

PJ acredita que não houve denúncia anónima: o local onde as armas foram encontradas foi combinado entre assaltante e elementos da PJM, escondendo a identidade do suspeito. 
Tudo por uma luta de poder.



A 18 de outubro de 2017, um curto comunicado da Polícia Judiciária Militar (PJM) punha fim a um mistério: as armas desaparecidas do paiol de Tancos tinham sido encontradas num terreno descampado na zona da Chamusca. 
Logo na primeira frase, explicava que a descoberta tinha sido feita “na prossecução das suas diligências de investigação no âmbito do combate ao tráfico e comércio ilícito de material de guerra (…) com a colaboração do núcleo de investigação criminal [NIC] da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Loulé”.

A informação fez levantar sobrolhos no n.º 174 da Rua Gomes Freire, em Lisboa. 
Na sede da Polícia Judiciária (PJ), a quem cabia investigar o furto do material de Tancos — e que não tinha sido avisada do aparecimento das armas —, a dúvida foi imediata: que investigação era essa, a que a PJM estava a fazer com o NIC de Loulé? 
A pergunta surgia num contexto de grande tensão, com uma longa lista de desentendimentos entre as duas polícias. 
A que se somava, agora, a descoberta do material militar e a decisão da PJM de recolher de imediato as armas e levá-las para o Quartel de Santa Margarida, impedindo qualquer trabalho de investigação pericial na cena de crime, o tal terreno, para incredulidade dos inspetores da PJ.

Logo ali, foi decidido abrir um inquérito paralelo ao que investigava o furto: a PJ também queria conhecer as circunstâncias exatas do aparecimentos das armas. 
O fio da meada que os inspetores começaram a puxar acabou por levá-los ao topo da hierarquia da PJM, numa história de luta pelo poder, honra e despeito.

A denúncia anónima que nunca aconteceu

A história contada pela Judiciária Militar chegaria a público com todos os detalhes, pouco depois do aparecimento das armas. 
Nessa tese, na madrugada de 18 de outubro, esta polícia tinha recebido uma denúncia anónima: as armas roubadas de Tancos tinham sido largadas na Chamusca e ainda ali estavam, sem que se soubesse quem as deixou lá. 
Recolhido o armamento, foi levado para os paióis de Santa Margarida e só ali os inspetores militares teriam percebido que se tratava do material desaparecido na madrugada de 28 de junho, quatro meses antes, dos Paióis Nacionais de Tancos. 
Sem pistas sobre os autores do furto, a recuperação das armas permitiria apenas a certeza de que não entrariam na circulação de grupos criminosos, mas não abria qualquer caminho até aos suspeitos — muito menos sobre quem fez a tal denúncia anónima.
Marcelo Rebelo de Sousa visitou Tancos uma semana depois do desaparecimento do material militar

A investigação da PJ e do Ministério Público concluiu que, afinal, tudo não passou de uma encenação — uma história forjada que terá começado logo no dia 4 de julho, aquando da visita do Presidente da República às instalações militares de Tancos. 
Durante essa visita, numa sala onde estavam presentes vários militares e outras entidades, o diretor da PJM, Coronel Luís Augusto Vieira, revelou os dados que tinha sobre o roubo das armas, com factos e nomes, por exemplo. 
Os investigadores acreditam que essa passagem de informação levou a que vários órgãos de comunicação social tenham divulgado, logo no dia seguinte, informações muito relevantes, que acabaram por pôr em causa a investigação, ao alertarem os suspeitos para o trabalho que estava a ser feito. 
As notícias sobre o caso foram-se repetindo ao longo de várias semanas e terão acabado por pressionar um dos homens envolvidos no roubo das armas, assustado com a eventualidade de vir a ser encontrado. 
Assim, meses depois do assalto, decidiu agir, com uma confissão que acabou por ligar, de forma inesperada, a PJM e o NIC de Loulé. 
Dias antes da descoberta das armas, na tese dos investigadores, ligações pessoais entre esse suspeito do roubo e elementos da GNR de Loulé fizeram chegar aos ouvidos de inspetores da PJM uma informação determinante: alguém sabia onde estavam as armas — e estava disponível para as devolver, em segredo.


Naquela altura, e apesar de não terem a cargo a investigação — passada para a PJ — os militares continuavam a tentar encontrar os autores do roubo e as armas desaparecidas, num trabalho paralelo que não deveria estar a ser feito. 
Aquela informação transmitida pelos elementos do NIC de Loulé, também através de uma ligação pessoal à PJM, permitia-lhes passar à frente da Judiciária e “fechar o caso”, com dividendos para a própria imagem, dentro e fora do Exército. 
O problema é que a “fonte”, o homem envolvido no furto das armas, nunca poderia ser revelada, por isso era preciso encontrar uma solução alternativa. 
Nesse contexto, terá sido preparado um plano simples, com a intervenção direta do Coronel Luís Vieira, diretor da PJM: as duas polícias iriam articular-se, as armas seriam deixadas num local combinado, para depois serem encontradas, através de uma suposta denúncia anónima. 
O resto é a história que se conhece: o material desaparecido de Tancos foi descoberto, sem pistas sobre os autores.

Desvendados os bastidores do aparecimento do armamento, a pergunta seguinte nas cabeças da PJ e do MP passou a ser “porquê?”. 
Que razões tinham o diretor e outros elementos da PJM para montar aquele plano, sabendo que, dessa forma, iriam criar obstáculos à investigação do roubo e, potencialmente, impedir que aquele suspeito, com quem tinham combinado a devolução das armas, viesse a ser detido, acusado e julgado? 
A resposta parece estar na guerra aberta entre as duas polícias. 
PJ e PJM têm nomes parecidos, mas estão em lados opostos da barricada — e com posições ainda mais extremadas, precisamente, por causa do roubo de Tancos, que começou nas mãos dos militares e acabou entregue aos civis.

Encontrar as armas e “fechar o caso” poderia ajudar a recuperar a imagem da PJM, fragilizada por vários processos judiciais. 
Ao que o Observador apurou, aquela polícia sentia-se cada vez mais “isolada”, dentro e fora do Exército. 
Os casos dos Comandos e do Colégio Militar tinha criado distância entre a PJM e os militares. 
A isso, tinha-se somado a maior “pedra no sapato”: o fracasso nas investigações ao desaparecimento de armas de guerra na Base dos Fuzileiros no Alfeite (Almada) e do Centro de Tropas Comandos da Carregueira, ambos em 2011. 
Por outro lado, a PJ Militar entendeu sempre que a investigação ao crime de Tancos era da sua competência. 
E fez tudo para a manter.


O alegado plano acabou por ruir e o nome dado pela PJ à operação desta terça-feira, com buscas e detenções, não foi escolhido por acaso. 
“Húbris“, palavra de origem grega, significa “arrogância, presunção ou excesso”. 
Aquilo que a investigação acredita ter toldado a avaliação dos inspetores militares envolvidos, incluindo a do diretor, ao ponto de comprometer a descoberta dos autores do assalto a Tancos, por essa suposta luta de poder.

Operação Húbris: dezenas de buscas, 8 detidos e um mandado ainda por cumprir
Na Polícia Judiciária Militar, já se esperava que o caso de Tancos tivesse novos episódios, mas nada na dimensão da bomba que rebentou esta terça-feira de manhã na sede da instituição, no Restelo. 
O diretor-geral foi detido e vários inspetores da PJM, militares das Forças Armadas, também foram constituídos arguidos por suspeitas de terem praticado crimes que vão da associação criminosa à denegação de justiça (por terem dificultado as investigações), prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário (do suspeito que, alegadamente, foi protegido), abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas.


Ainda o dia começava a nascer e já os inspetores da Polícia Judiciária entravam em casa dos vários elementos da Polícia Judiciária Militar, numa operação que envolveu cinco magistrados do Ministério Público e cerca de uma centena de investigadores e peritos da Polícia Judiciária. 
Em Lisboa e no Porto, seriam detidas quatro pessoas ligadas à PJM: o diretor-geral daquela polícia e um sargento, na operação montada na capital, e também um sargento da GNR e um major do Exército, na capital.
Operação Húbris levou à detenção de 8 pessoas: 4 militares da PJM, 3 militares da GNR e um civil 

Mas haverá mais desenvolvimentos a este nível. 
Além dos quatro elementos já detidos, a Polícia Judiciária prepara pelo menos mais uma detenção ligada a este caso: a de um major do Exército, integrado numa missão de treino da União Europeia na República Centro Africana desde março e que, nos últimos meses, antes de partir em missão, liderou as ações da equipa de inspetores militares que investigou o desaparecimento do material de guerra dos Paióis Nacionais de Tancos. 
É o mesmo militar que, em outubro, na madrugada em que estava de piquete, recebeu a alegada denúncia anónima que acabou por resultar na recuperação de parte do material furtado em junho do ano passado. 
Essa nova detenção ainda não tem data marcada.

Foram ainda detidos três militares do Núcleo de Investigação Criminal da GNR de Loulé, entre os quais o chefe dessa unidade. 
O comunicado da Procuradoria-geral da República faz ainda referência à detenção de um civil, o único na lista de detidos desta terça-feira. 
O documento não identifica esse elemento, mas a conclusão é evidente: tratar-se-á do suspeito do furto em Tancos que combinou a entrega das armas com a PJM, através do NIC da GNR de Loulé.

A história do dia tem ainda outros protagonistas. 
Dois elementos desta polícia seriam chamados durante a manhã para prestar declarações, como testemunhas, perante a PJ: o ex-diretor da Unidade de Investigação Criminal, o coronel Manuel Estalagem, e o inspetor-chefe João Bengalinha, antigo responsável pela equipa que investigou o desaparecimento de armas de Tancos. 
Num e noutro caso, a PJ não pretende constitui-los como arguidos.

Nessas duas inquirições, os investigadores quiseram perceber de forma mais detalhada qual a versão da PJM para a alegada denúncia anónima que chegou ao número de telefone do piquete. 
Perguntaram pelos passos concretos que foram dados desde que essa suposta chamada foi feita, até o material de guerra acabar transportado para os paióis de Santa Margarida, antes sequer de a Judiciária ser informada da existência de uma denúncia. 
As conversas com as testemunhas também passaram pelas relações institucionais entre as duas polícias (marcadas por episódios de tensão que acabaram espelhados na comunicação social) desde que a Procuradoria-geral da República entregou o caso à Polícia Judiciária, secundarizando o papel dos inspetores militares na investigação. 
Até porque os investigadores consideram que o plano alegadamente montado só seria do conhecimento dos elementos agora detidos (e do nono ainda por deter). 
Outros inspetores da PJM e militares da GNR, que até podem ter estado envolvidos na operação para recolher o material, estariam mesmo convencidos de que tudo tinha partido da tal denúncia anónima, sem qualquer encenação.

Como o caso passou de “furto a instalações militares” a terrorismo — e saiu das mãos da PJM
Eram 16h30 do dia 28 de junho de 2017 quando um sargento e uma praça, que faziam uma ronda móvel, deram pelo furto. 
As fechaduras dos paióis 14 e 15 tinham sido arrombadas com violência e faltava material no interior. 
A perfuração da rede exterior de segurança confirmava as suspeitas: tinha havido um assalto aos Paióis Nacionais de Tancos.

O caso foi imediatamente reportado aos superiores hierárquicos e, três horas depois, a comunicação era feita à própria Polícia Judiciária Militar, que chegaria a Tancos pelas 22h00 daquele dia. 
Foi também contactada a procuradora de turno do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa e o local do crime foi resguardado. 
Os militares ainda fizeram uma ronda para perceber quais os locais por onde podia ter entrado pessoal estranho ao serviço. 
E a PJ Militar acabou a fazer uma lista — depois divulgada em órgãos de comunicação social espanhóis — do que desaparecera: num paiol tinham sido furtadas 22 bobines de arame de tropeçar, 1450 munições de 9 mm, 15 disparadores, 18 granadas de mão de gás lacrimogéneo; noutro, 30 granadas de mão de instrução, 120 granadas de mão ofensivas, 44 LAW (arma anti carro), 102 cargas de corte explosivas, 264 velas de explosivo plástico PE-4A; 30,5 lâminas explosivas e 60 iniciadores.


O material desaparecido era preocupante. 
E, no mesmo dia, a Polícia Judiciária Militar contactou a PJ. 
Precisava de ajuda internacional para lançar o apelo do que tinha desaparecido, não fosse ser recuperado nalguma operação policial.

Por essa altura, percebeu-se também que, na diretoria do norte da PJ — e numa altura em que os casos de assaltos a ATM se multiplicavam — havia uma informação vaga que apontava para um possível assalto futuro a um paiol, eventualmente para desvio de material que seria usado por grupos criminosos muito violentos. 
Os dados estavam reunidos num inquérito que corria no DCIAP, mas a informação era escassa: não se sabia onde seria o paiol, se era militar ou civil.

A coincidência era evidente e, perante o furto em Tancos, a Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, decidiu manter o processo no DCIAP, juntar as duas investigações e entregá-las à Polícia Judiciária. 
A lista de crimes graves sob suspeita era extensa: “Associação criminosa; contra a segurança do Estado, com exceção dos que respeitem ao processo eleitoral; organizações terroristas, terrorismo, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo; furto, dano, roubo ou recetação de coisa móvel que pela sua natureza, seja substância altamente perigosa; executados com bombas, granadas, matérias ou engenhos explosivos, armas de fogo e objetos armadilhados, armas nucleares, químicas ou radioativas”, fazia saber Marques Vidal, já no início de julho. 
Assim, a competência de investigação extravasaria a da Polícia Judiciária Militar, que à luz da lei serve para investigar crimes estritamente militares ou cometidos no interior de unidades militares. 
Logo, o caso devia ficar na alçada da Unidade Nacional Contra Terrorismo da PJ, embora “com total colaboração institucional da Polícia Judiciária Militar”.


A informação de que a investigação mudava de ângulo, e de mãos, só foi, no entanto, tornada pública em resposta a uma série de notícias que davam conta que a PJ saberia desde 2016 que podia haver um assalto ao paiol de Tancos. 
A suspeita é a de que a fonte dessas notícias estava na própria Polícia Judiciária Militar, que se queixava de não ter sido informada dessas suspeitas — e que continuava a não aceitar ter ficado sem a investigação. 
Esse terá sido, aliás, um dos dados partilhados pelo diretor da PJM, agora detido, naquela visita oficial a Tancos, de 4 de julho, que contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, e pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte. 
Uma visita que acabou por tornar (ainda mais) públicas as divergências entre as duas polícias, que são, afinal, a chave de um caso que acaba com a decapitação da cúpula da PJM.

Sem comentários:

Enviar um comentário