Mariana Adam e Paulo Zacarias Comes 07/02/14 00:05
Os investidores chineses pagaram metade das privatizações fechadas por este Governo, na qual se inclui a compra da Caixa Seguros,
assinada hoje. Mas o domínio da China não agrada a todos.
Quando, esta manhã, Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque derem o seu aval
ao contrato de venda da maior seguradora nacional à Fosun, não só estão a
colocar mais mil milhões de euros nos cofres do Estado, como a aumentar para
metade o peso do capital chinês no encaixe obtido com todas as privatizações realizadas por este Governo.
Entre ex-governantes, deputados e especialistas em matéria de
Negócios Estrangeiros ouvidos pelo Diário Económico, a maioria admite que a relação de
forças de Portugal e a China sai
enfraquecida com a venda destas empresas e que a prioridade do Governo foi o encaixe
financeiro.
O embaixador e ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Francisco Seixas da Costa considera que, feitas nestas
condições, as privatizações favoreceram mais quem comprou do que quem
vendeu: "Aqui [em Portugal], os investidores chineses têm uma segurança
jurídica que as empresas portuguesas não têm na China". Embora considere que o encaixe de capital possa ter
compensado essa impossibilidade de reciprocidade, levanta a dúvida:
"Estarão as empresas estrangeiras a utilizar as debilidades das
portuguesas para aproveitar os seus contactos e influência?".
Desde que o programa de resgate foi assinado entre o Estado português e a
troika - em Maio de 2011 - o capital chinês evidenciou-se fortemente no
processo de privatizações estabelecido no acordo com os credores.
Metade dos 8 mil milhões arrecadados nestas vendas - 4.080 milhões, já
incluindo a venda da Caixa Seguros - foram pagos por investidores do "país
do meio", com a venda da EDP, da REN e da seguradora. E o processo pode
não ficar por aqui, já que há investidores chineses interessados na privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF, do grupo
Águas de Portugal).
O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva,
João de Deus Pinheiro, considera que no momento actual a necessidade financeira
do Estado é o valor que se sobrepõe, considerando ainda "completamente
irrelevante" a origem geográfica do investimento: "O capital no
mercado livre não tem nacionalidade". Deus Pinheiro foi o titular dos
Negócios Estrangeiros na primeira vaga de privatizações (nos Governos de Cavaco Silva, entre 1987 e 1992) e assume-se como um dos "precursores da
diplomacia económica" em Portugal: "O papel do MNE é esse mesmo. Os
embaixadores são hoje em dia agentes de diplomacia económica, que têm como
objectivo captar investimento".
Sérgio Sousa Pinto, presidente da Comissão de Relações Internacionais do
Parlamento defende que o mais preocupante é que "Portugal
está a vender activos estratégicos em modo leilão, a quem dá mais". O
socialista aponta, no entanto, o desequilíbrio de forças entre o gigante
"que tem liquidez para fazer investimentos desta dimensão", mas
"onde a relação entre o público e o privado não é transparente".
"Nem todos os países europeus estão disponíveis para aceitar uma entrada
deste nível de capitais chineses por questões políticas", acrescenta.
De acordo com um estudo da consultora
Ernst&Young, divulgado no início deste mês, a Europa foi, no ano passado, o
principal destino dos investidores chineses, que adquiriram 120 empresas e/ou
participações. Este estudo não refere a natureza – pública ou privada – das empresas,
nem se debruça sobre a realidade portuguesa em específico.
Já o ex-subsecretário de Estado da Cultura de Cavaco
Silva, António de Sousa Lara, é mais duro nas críticas e acusa mesmo o facto de
estas empresas estarem a ser "entregues ao Partido Comunista e não ao
Estado chinês". 'Temos um país com 10 milhões de habitantes, com uma
pirâmide etária envelhecida, fuga de cérebros e uma dívida que vai
levar 40 anos a pagar. Isto ao lado de um país com mais de mil milhões de
habitantes [China]. É a parceria entre a pulga e o elefante, não faz qualquer
sentido!", acusa.
A venda da Caixa Seguros é o último dos ‘anéis1
que foi para a mão de chineses, mas a Fosun é apenas o segundo maior investidor
chinês em Portugal. A maior fatia do bolo foi a EDP, depois de a China Three Corges ter pago 2.700
milhões de euros por 21,35% da empresa. Já a State Grid investiu 390 milhões na
compra de 25% da REN.
Apesar da prevalência do investimento chinês nestas privatizações, há no entanto da
esquerda à direita quem defenda que "o capital não tem cor". O número
dois da Comissão de Negócios Estrangeiros e deputado do PSD, Carlos Alberto
Gonçalves, defende que este interesse demonstra a afirmação de Portugal como
destino credível para o investimento, beneficiado pelo facto de a política
externa ser das áreas da governação onde tem havido maior sintonia entre PS e
PSD desde o 25 de Abril. Mas, neste capítulo do investimento vindo da segunda
maior economia do mundo, defende que "Portugal não está só - outros países
europeus têm recebido investimento chinês".
O dirigente socialista, Rui Paulo Figueiredo diz que o
problema não é vender à China: "o preocupante
é o factor ideológico
subjacente no Governo. O Governo tem preconceito sobre a manutenção do Estado
em muitas empresas. Mas o que assistimos é uma nacionalização de outros
países."
Em Novembro passado, o vice-primeiro ministro Paulo
Portas, no âmbito de uma deslocação à China em que se encontrou com altos
responsáveis do regime local, evocou a entrada de duas grandes empresas de
capital chinês na REN e EDP, afirmando que "o investimento vindo da
República Popular da China é bem-vindo" e que "as instituições
portuguesas não esquecerão que a China investiu em Portugal num período
difícil.~
O Diário Económico tentou obter o ponto de vista dos
ministérios dos Negócios Estrangeiros e das Finanças sobre esta matéria, mas
não recebeu resposta.
A venda de empresas portuguesas à China não deverá ficar
por aqui. Tal como o Económico avançou na semana passada, o grupo chinês Sound
Global juntou-se à lista de candidatos
à privatização da Empresa Geral de
Fomento - tornando-se o segundo chinês
entre os quatro principais candidatos à privatização
da sub-holding da
Águas de Portugal para o negócio dos resíduos sólidos urbanos. Um encaixe que
pode ir até aos 200 milhões de euros, valor que abaterá à dívida da Águas de
Portugal e cujo que deverá ficar finalizado ainda no primeiro semestre.
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