ALEXANDRE MARTINS 12/05/2014
- 09:55 (actualizado às 14:16)
Em Donetsk, afastamento em
relação a Kieva recolhe 89% de votos favoráveis. Em Lugansk o resultado foi de
96,2%
Numa declaração preparada com o cuidado que o momento
exige, a Rússia anunciou nesta segunda-feira que respeita os resultados do
referendo nas regiões de Donetsk e Lugansk, no Leste da Ucrânia, mas não deu
quaisquer indicações de estar interessada num cenário igual ao que terminou com
a anexação da península da Crimeia.
"Em Moscovo, respeitamos a vontade do povo das
regiões de Donetsk e de Lugansk, e contamos com a implementação no terreno do
resultado do referendo, de uma forma civilizada, sem a repetição da violência e
através do diálogo", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei
Lavrov, numa conferência de imprensa na capital russa.
A pergunta feita no referendo de domingo referia apenas a
vontade de "autogovernação" das regiões de Donetsk e Lugansk, e não
fazia qualquer referência a uma possível adesão à Federação Russa.
Apesar de essa intenção ter sido manifestada por vários
líderes separatistas - que falam mesmo na hipótese da realização de um novo
referendo no próximo domingo -, por agora Moscovo não precisava de dizer mais
nada: a maioria dos habitantes do Leste pode querer afastar-se
de Kiev, mas isso não
significa, ainda, que queira juntar-se à Rússia.
Sem esse problema para resolver no imediato, o Presidente
russo, Vladimir Putin, ficou com mais margem de manobra para gerir o resultado
da consulta popular, que os separatistas dizem ter terminado com uma vitória
esmagadora do "sim" - 89,07% em Donetsk e cerca de 96,2% em Lugansk.
O cuidado na linguagem usada no comunicado de Moscovo foi
notado pelo presidente em exercício da Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE), o suíço Didier Burkhalter.
"Vocês viram a resposta da Rússia: exprime respeito,
mas não o reconhecimento do referendo. Não é, portanto, um reconhecimento dos
resultados, e isso é que é importante", disse Burkhalter, que se reuniu na
semana passada com Vladimir Putin.
O presidente em exercício da OSCE disse ainda que
acredita na "vontade" de todas as partes - incluindo Moscovo - de
encetarem "um diálogo" para solucionar a crise na Ucrânia. "O
maior desafio é o tempo. Não temos tempo a perder", disse o responsável.
Mas as esperanças do presidente da OSCE não foram
suficientes para que a União Europeia (UE) recuasse nas sanções - na mesma
reunião em que Didier Burkhalter esteve presente, em Bruxelas, os ministros dos
Negócios Estrangeiros da UE decidiram incluir mais 13 nomes na lista de 48
indivíduos visados pelo congelamento de bens e pela proibição de
entrada no espaço europeu.
No terreno, as intenções dos separatistas não são claras.
Enquanto uns defendem a independência de Kiev, outros apontam para a inclusão
na Federação Russa, como deu a entender o autoproclamado presidente da câmara
de Slaviansk, Viacheslav
Ponomariov: "Esta terra nunca foi Ucrânia. Nós falamos russo."
Questionado pela agência Reuters sobre a possibilidade de
os separatistas organizarem um novo referendo (desta vez para discutirem a
adesão à Rússia), Ponomariov deixou a questão em aberto: "Não houve
nenhuma decisão, mas este referendo mostrou que estamos preparados. Temos
capacidade para organizar um referendo ou uma eleição num curto prazo e quase
sem custos."
A agência russa RIA cita outro líder separatista, não
identificado, que aponta no mesmo sentido: "Se essa decisão for tomada, a
vontade do povo será levada em conta."
Os autoproclamados "líderes populares" das
regiões de Donetsk e Lugansk sentem-se assim cada vez mais legitimados a
declarar a independência em relação a Kiev após os resultados do referendo
realizado no domingo.
"A contagem dos votos acabou por ser
surpreendentemente fácil. O número de pessoas que votaram 'não' foi
relativamente baixo e a proporção de boletins nulos foi baixa, por isso
conseguimos realizar a contagem de forma rápida", disse o responsável da
Comissão Eleitoral Central - um grupo formado apenas por separatistas
pró-russos da autoproclamada República Popular de Donetsk, que não reconhece a
legitimidade do Governo interino de Kiev e que favorece uma aproximação a
Moscovo.
Kiev
contra a "farsa"
Da capital ucraniana chegaram várias declarações de
condenação, com destaque para as palavras do Presidente interino, Olexandr
Turchinov, que chegou ao poder após a deposição de Viktor Ianukovich, na
sequência dos violentos protestos na Praça da Independência.
"A farsa a que os terroristas chamam referendo não é
mais do que uma cobertura de propaganda para os assassinatos, os sequestros e
outros crimes graves", declarou Turchinov. As autoridades interinas de
Kiev “vão manter o diálogo com aqueles que no Leste
da Ucrânia não têm sangue nas mãos e que estão prontos a defender os seus objectivos de forma legal", disse o Presidente interino ucraniano.
Antes do referendo, as
autoridades de Kiev avisaram
os presidentes de câmara de 27 cidades das regiões de Donetsk, Lugansk e
Mikolaiv (as duas primeiras no Leste da Ucrânia e a última no Sul, na fronteira
com a
região de Odessa) que
seriam alvo de processos criminais se participassem de alguma forma na consulta
popular.
Mas o aviso dificilmente
teria algum efeito na maioria dessas cidades, tomadas por separatistas
pró-russos e governadas por duas entidades - uma nomeada pelo Governo interino
ucraniano e outra autoproclamada pelos separatistas pró-russos.
Enquanto o governador da
região de Donetsk nomeado
por Kiev, o
oligarca Serhi Taruta, descrevia o referendo como "uma farsa", o
presidente da autoproclamada República Popular de Donetsk, Denis Pushilin,
fazia uma declaração de guerra às tropas ucranianas: "Todos os soldados
que fiquem no nosso território após o anúncio oficial dos resultados do
referendo serão considerados ilegais e declarados ocupantes", disse
Pushilin, citado pela agência russa Interfax.
E os resultados, segundo os
separatistas anti-Kiev, foram: "89,07% 'a favor', 10,9% 'contra' e 0,74%
dos boletins foram considerados nulos", disse o responsável da comissão
eleitoral separatista de Donetsk, Roman Liagin.
Tanto Kiev como os Estados Unidos, a
União Europeia e as principais organizações internacionais já anunciaram que não vão
reconhecer a legitimidade dos resultados.
Para a generalidade dos observadores internacionais, a
consulta popular é ilegal, em primeiro lugar, porque a Constituição ucraniana
não prevê a realização de referendos locais. Depois, porque foi organizada e
verificada apenas por separatistas pró-russos, e com base em listas eleitorais
de 2012. Os boletins de voto também são considerados ilegais de acordo com os
padrões internacionais, já que foram meramente fotocopiados e não certificados
por uma comissão de eleições reconhecida por todas as partes.
Apesar disso, as fotografias das agências internacionais
e as imagens das estações de televisão mostram filas enormes à entrada dos
locais de voto. À falta de uma verificação independente, não é possível
perceber quantos eleitores depositaram um boletim nas urnas, mas os
separatistas dizem que a afluência chegou aos 74,87% em Donetsk e aos 81% em
Lugansk.
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