O Presidente russo aplaude o momento da assinatura pelos dirigentes da
Gazprom e da CNPC
ALEXANDRE MARTINS 21/05/2014 - 14:46
Gazprom vai fornecer 38 mil
milhões de metros cúbicos à China a partir de 2018. Acordo estava a ser
negociado há dez anos e envolve 400 mil
milhões de dólares.
A Rússia e a China
assinaram nesta quarta-feira um acordo histórico de fornecimento de gás que estava
a ser preparado há uma década, mas que dificilmente pode ser separado da actual
crise nas relações entre Moscovo e a União Europeia (EU).
Apesar de a EU continuar
a ser o mercado mais importante para o gás russo, a abertura das portas na China
permite à Rússia diversificar os destinos das suas exportações, o que também
servirá para responder à vontade europeia de procurar novos fornecedores.
O acordo, assinado em
Xangai pelos presidentes da gigante russa Gazprom, Alexei Miller, e da chinesa
CNPC, Zhou Jiping, representa um negócio de 400 mil milhões de dólares (mais de
290 mil milhões de euros) - o maior alguma vez assinado pela empresa estatal
russa.
Sob o olhar e os
aplausos dos presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping, os responsáveis pelas
duas empresas selaram um acordo que permitirá à China garantir uma parte
importante das suas necessidades energéticas para as próximas décadas - o
consumo de gás natural do gigante asiático chegou aos 170 mil milhões de metros
cúbicos no ano passado, mas dentro de seis anos esse valor deverá chegar aos
420 mil milhões.
O acordo assinado
nesta quarta-feira prevê que a Rússia comece a fornecer à China 38 mil milhões
de metros cúbicos por ano a partir de 2018, o que representa cerca de 25% dos
mais de 160 mil milhões comprados pelos países da União Europeia em 2013.
A principal questão
deste acordo é o preço por mil metros cúbicos, que nenhuma das partes quis
revelar, com o argumento de que é um "segredo comercial", segundo o
presidente da Gazprom, Alexei Miller.
Apesar disso, as
estimativas feitas por analistas e pela generalidade dos media coincidem, incluindo os valores
avançados pela estação de televisão Russia Today. De acordo com essas
estimativas, o preço final rondará os 350 dólares (255 euros) por mil metros
cúbicos – a média do valor pago pelos países da União Europeia e de 380 dólares
(277 euros)
Este foi um dos
pontos mais sensíveis durante as negociações, com a China a revelar mais
argumentos para baixar o valor, em parte devido à necessidade da Rússia de
diversificar as suas exportações por causa do afastamento do Ocidente causado
pela crise na Ucrânia.
Para além disso,
Pequim jogava também com a possibilidade de lançar um projecto nacional em
Sichuan e de importar gás liquefeito dos Estados Unidos, segundo disse à
agência Reuters o analista Gordon Kwan, do Instituto de Investigação
Nomura, com sede no Japão.
Seja como for, a
assinatura do acordo, ao fim de dez anos de negociações, foi destacada como
"um acontecimento histórico" pelo Presidente russo, Vladimir Putin, e
está a ser lido na Rússia como uma estrondosa vitória política.
"É, de facto, um
acontecimento histórico para o sector do gás da Rússia e da União Soviética. É
o maior contrato da história do sector do gás da antiga URSS", declarou
Putin.
O Presidente russo
admitiu que as negociações foram complicadas, mas disse que o resultado final,
alcançado na madrugada de terça-feira (hora local), agrada a ambas as partes.
"Quero sublinhar
que o trabalho foi muito duro. Os nossos amigos chineses são, na verdade,
negociadores duros. Através de
compromissos mútuos conseguimos chegar a um acordo não só aceitável como
bastante satisfatório. Ambas as partes ficaram agradadas com o acordo alcançado
em relação ao preço e a outros assuntos", disse o Presidente russo.
Barroso escreve a Putin
O anúncio do
importante acordo motivou uma reacção imediata do presidente da Comissão
Europeia, Durão Barroso, devida à importância que o fornecimento de gás russo
tem para a economia do continente.
Mais do que o acordo
com Pequim, foi a ameaça de Moscovo de cortar o fornecimento de gás à Ucrânia
já no início de Junho que levou Bruxelas a tomar uma posição pública.
"Enquanto
decorrerem as negociações a três [Rússia, Ucrânia e UE], o fornecimento de gás
não deve ser interrompido. Conto com a Rússia para manter esse
compromisso", escreveu Durão Barroso numa carta enviada ao Presidente
russo.
No início da semana
passada, Vladimir Putin escreveu a alguns líderes europeus, dando conta de que
não tinha recebido nenhuma proposta concreta para o pagamento da dívida da
Ucrânia à Rússia pelo fornecimento de gás - se a situação não fosse
esclarecida, avisou o Presidente russo, as torneiras para o país vizinho iriam
fechar-se, com naturais reflexos no fornecimento para os países-membros da UE que recebem gás
através dos gasodutos instalados em
território ucraniano.
Em causa está o
pagamento de uma dívida de 3500 milhões de dólares (mais de 2550 milhões de
euros) da Ucrânia à Gazprom. No início de Março, a UE comprometeu-se
a ajudar a Ucrânia a
saldar esta dívida, mas não será fácil superar o abismo que separa Kiev de
Moscovo - o Governo interino ucraniano quer denunciar um contrato assinado em
2009 que obriga o país a pagar o preço mais elevado da Europa (485 dólares, ou
354 euros, por mil metros cúbicos), mas a Rússia exige que a Ucrânia comece a
pagar a sua dívida antes de qualquer acordo.
Uma possível crise no
fornecimento de gás este Verão teria menos impacto do que as outras disputas
entre os dois países nos últimos 20 anos, que ocorreram durante o Inverno.
Segundo o site EurActiv, que se
dedica à publicação e análise de documentos da União Europeia, a intenção da
Rússia é mostrar aos seus clientes europeus que o fornecimento de gás através
do mar Negro é mais fiável, dando força ao projecto do gasoduto
conhecido como South Stream.
Este gasoduto tem servido como uma espécie de teste à determinação da
União Europeia para fazer frente à Rússia - em Abril, o Parlamento Europeu aprovou uma
resolução não vinculativa para o cancelamento do projecto, mas governos como os da Bulgária e da
Áustria continuaram a defendê-lo mesmo depois da anexação da Crimeia pela
Rússia.