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sábado, 9 de agosto de 2014

“Acharia estranho receber uma prenda de €14 milhões”

  

Hélder Bataglia  
Administrador da Escom
CASO  GES
Texto Hugo Franco e João Vieira pereira
Fotos Tiago miranda
Apanhado no meio do furacão que tem varrido o Grupo Espírito Santo, o luso-angolano Hélder Ba­taglia, administrador da Escom, empresa investigada pelos procu­radores portugueses, diz estar “superdisponível” para colaborar com as autoridades. Garante que nada sabe do negócio gorado entre a Es­com e a Sonangol. Saiu da Akoya, empresa de gestão de fortunas su­íça, na mesma semana em que os três gestores suíços foram detidos por causa do “Monte Branco”. E diz-se "tranquilo” com o caso dos submarinos do qual é arguido.

P - Foi a partir da venda gorada da Escom, que o Ministério Público co­meçou a investigar o Grupo Espírito Santo. Prestou declarações sobre este negócio?
R - Nunca fui contactado nem prestei declarações sobre este assunto, ape­sar de estar superdisponível para as fazer.

P - O Ministério Público terá razões para ter suspeitas sobre o negócio?
R - Não sei. Não conheço o negócio. Nunca estive nas negociações da ven­da. Por duas vezes fui informado que o negócio iria ser concretizado, mas nunca o foi.

P – Quem são afinal os angolanos que queriam comprar a Escom. É, ou não; a Sonangol
R - Sim. Uma empresa-veículo, a Newbrook, serviu para a aquisição da Escom por parte da Sonangol.

P – O negócio foi feito?
R - O contrato-promessa foi assinado a 28 de dezembro de 2010. Foi feito um pagamento inicial de 15% (mais um montante para a aquisição da Opway Angola, detida em parte pela Escom), de 80 e tal milhões de dóla­res. Eu optei por esperar pela parte final do pagamento (tinha a perceção de que o GES precisava desses fundos para o aumento de capital que estava a preparar para o banco) e acabei por nunca receber dinheiro dessa operação.

P - O Mas porque é que a Sonangol não comprou a Escom?
R - É uma pergunta de 800 milhões de dólares. O entusiasmo inicial deles era total.

P - No entanto, quatro anos depois de ter pago o sinal de 80 milhões, tudo continua igual…
R - Não é normal...

P - O desinteresse dos angolanos na Escom está ligado à crise do BES An­gola?
R - Tem algum relacionamento. A partir do momento em que come­çaram a sentir que havia problemas no banco em Angola as coisas come­çaram a não correr tão bem. Para os angolanos e para todos nós, o GES era um grupo fundamental. E sen­tem uma certa confusão com tudo o que se passa. 

 P - Fica espantado com todas estas suspeitas em redor de Ricardo Sal­gado?
R - Foi uma surpresa muito grande. Não imaginava nada disto. Mas recor­dando o passado, quando em 2006 Salgado dizia que o grupo não tinha dinheiro nem dimensão para investir num projeto da dimensão da Escom, no fundo ele estava a ter uma perceção dos problemas financeiros.

P - Este caso do BES põe tudo em pe­rigo?
R - Põe tudo em perigo, como é evi­dente!

P - Qual é a dívida da Escom neste mo­mento?
R - É de 806 milhões de dólares. Há quatro anos, na altura da venda, era de 549 milhões de dólares.

P - É caso para dizer que a Escom se está a desmoronar?
R - A Escom não se está a desmoronar, porque não deixamos. Este mês uma diretiva do Banco de Portugal junto do BESA impediu-nos de pagar salários ao pessoal. Decidi pagar do meu bolso (a Escom tem dois mil trabalhadores) porque acredito que a empresa ainda é viável, desde que tenha capital.

P - Foi também administrador do BES Angola. Ainda é possível salvar o ban­co?
R - Sim. Os angolanos estão a estudar esse assunto.

P - Uma garantia de 5.7 mil milhões de dólares por causa do crédito concedi­do a um banco não é normal. A audi­toria interna fala em 3 mil milhões de dólares de crédito malparado. Essa quantia não o espanta?
R - Espanta-me um pouco.

P - Para onde foi tanto dinheiro?
R - Não sei.

P – Quando estava no BES Angola, apercebeu-se de que os processos de concessão de crédito não eram os melhores?
R - Infelizmente, eu estava pouco tempo no banco. Não podia apoiar convenientemente o Álvaro Sobrinho [presidente do BES Angola até 2013] e por isso me penitencio. Muitas vezes ele estava sozinho no Banco.

P – Acha então errada a opinião de Rui Guerra [presidente da Comissão Executiva do BES Angola] de que Álvaro Sobrinho terá sido o beneficiário de muitos empréstimos concedidos pela BESA?
R - Têm de perguntar isso ao Rui Guerra.

P - Álvaro Sobrinho é vitima neste pro­cesso?
R - A história não está toda contada.

P - Recebeu 52,5 milhões de dólares de uma transferência do BESA através de offshores?
R - Na noite em que li essa notícia no Expresso fui ter com o Rui Guerra para lhe explicar essa transferência. Disse-lhe que tinha vendido a minha participação no BESA dois anos antes por 60 milhões de dólares. Ele disse que não sabia. 

P – Vendeu essa participação a quem?
R - Ao Álvaro Sobrinho. Na altura, até tinha outros compradores para a par­ticipação. Mas como ele ia continuar no BESA e tinha estado comigo dez anos no banco, achei natural vender-lha.

P - E o que lhe respondeu a Rui Guerra?
R - Disse que não sabia. Mas a opera­ção tinha sido feito na área jurídica do banco. Esse assunto está esclarecido.

P - Conhece o empresário português José Guilherme?
R - Conheço. É uma pessoa extraor­dinária. Foi-me apresentado pelo Grupo Espírito Santo com o objetivo de o apoiar já que ele nem conhecia Angola. Fizemos três projetos imo­biliários com ele. É uma pessoa de palavra.

P - Foi Ricardo Salgado que o aconse­lhou?

P - É normal pagarem-se prendas de 14 milhões de euros?
R - Não é uma coisa que se veja todos os dias.

P - Aceitaria uma prenda assim?
R O José Guilherme é uma pessoa de grande generosidade. Mas acharia estranho receber uma prenda de 14 milhões de euros.

P - Era acionista e sócio de Álvaro So­brinho na Akoya, empresa suíça de gestão de fortunas, investigada no caso “Monte Branco”…
R - Na altura do negócio da Escom e da venda da minha participação no BESA, o gestor suíço da UBS, Michel Canais, sabendo que estas operações iriam gerar 260 milhões de dólares, disse-me que ia fazer uma empresa de gestão de fortunas, com dois sócios que eu não conhecia. Aceitei entrar. Na altura, achei que não devia ser só­cio sozinho e lembrei-me de Álvaro Sobrinho.

P - Qual foi o seu investimento na Akoya?
R - 400 mil francos suíços cada um (330 mil euros). Nunca fiz parte da gestão. Na semana em que os três gestores foram detidos, em abril de 2012, saiu um parecer anual do regu­lador suíço a dar nota superpositiva à Akoya. Ao que parece, o único pro­blema era a gestão que faziam dos re­cursos de alguns clientes portugueses;

P – Ficou surpreendido com a detenção de Michel Canals?
R – Tão surpreendido que saí da Akoya nessa mesma semana e tirei os fundos que tinha na empresa

P – Apresentou Canals a pessoas da GES?
R – Nunca. No início, Ricardo Salgado nem sabia que eu era sócio da Akoya.

P – O negócio de venda da Escom com a Sonangol passou pela Akoya?
R – Não sei. O pagamento foi feito pela Newbrook. Não sei se tinha conta no Crédit Suisse.

P – O que se passou com o negócio dos submarinos, do qual é arguido?
R – Trabalhámos, e muito, nesse negócio desde 1996. Aconselhámos os alemães do German Submarine Consortium (GSC) sobre quais as contrapartidas que deviam propor ao Governo Português.

P – Os investigadores consideram “desproporcional” o montante de 30 milhões pagos pela GSC à Escom pelo serviço de consultadoria…
R – Não acho. Os contratos estão feitos percentualmente sobre o volume total dos montantes. Aos procuradores respondi ao que me foi perguntado e esclareci tudo. Fiquei tranquilo. A única coisa que me preocupa é a imagem que as pessoas possam ter, pensado que nos apropriámos de dinheiro que não era nosso.

P – Houve depois pagamento à família Espírito Santo deste serviço de consultadoria?
R - 0 caso está em segredo de justiça. Quando deixar de o ser, esclarecere­mos tudo. Em 11 anos, não foi deduzi­da qualquer acusação neste caso.

jvpereira@expresso.impresa.pt

PERFIL
Nome Helder José Bataglia dos Santos
Naturalidade Nasceu em Lisboa em 1947, filho de pais de Vieira de Leiria e do Alentejo
Juventude Cresceu no sul de Angola e passou a juventude em Benguela. Em Lisboa, frequentou o curso de engenharia no ISEL
Família Casou-se duas vezes, tem duas filhas e duas netas que vivem em Lisboa
Início Tornou-se empresário de secagem de produtos alimentares em Benguela ainda antes da independência
Negócios Associou-se à família Espírito Santo em 1991, quando esta recuperava o poder económico depois das nacionalizações. A Escom tornou-se em pouco tempo um dos mais poderosos grupos económicos em Angola. Começou pela distribuição alimentar mas tornou-se multo lucrativa com o negócio da extração de diamantes e do imobiliário Durante dez anos, Bataglia foi também administrador do BES Angola
China Bataglia fez reaproximar a China de Angola através dos negócios das infraestruturas. O China International Fund Limited investiu no país quase 3 mil milhões de dólares.
Chavez No programa diário de rádio, Hugo Chávez fez uma menção especial ao luso-angolano “Helder? Como te síentes aqui Hélder?”, disse o então o Presidente venezuelano em direto. Bataglia chegou a acompanhar Chávez durante uma deslocação de dez horas fora de Caracas

Congo Foi condecorado pelo Presidente Nguesso, em honra dos serviços prestados na República do Congo

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