João Antunes
Consultor
da OTOC
OPINIÃO Análise da OTOC
O normativo contabilístico em vigor prevê coimas às incorreções e erros
contabilísticos.
Os
recentes desenvolvimentos relacionados com o Grupo Espírito Santo (GES)
trouxeram para a ribalta um termo contabilístico que para um leigo pouco ou
nada diz: Imparidades.
Imparidades
é o equivalente ao termo anglo-saxónico “impairment” e significa basicamente
reduzir o valor de determinado ativo, evidenciando assim uma perda potencial ou efetiva.
Sempre
que algum evento externo conduza a indícios que determinado ativo
perdeu
ou está a perder valor é obrigação dos responsáveis pelas demonstrações
financeiras das entidades constituírem imparidades que, no limite, reduzem o ativo
ao
valor zero.
O
procedimento contabilístico da constituição de imparidades é tanto mais
importante e imprescindível, quanto a necessidade das demonstrações
financeiras deverem apresentar uma representação o mais fidedigna possível da
posição financeira e patrimonial da entidade.
Uma
das características qualitativas da estrutura concetual do nosso normativo
contabilístico - o SNC - é precisamente a fiabilidade. As pessoas têm de
acreditar naquilo que leem num relatório de contas, tem de existir credibilidade,
senão todo o trabalho de contabilistas e auditores não servirá para nada.
Para
ser fiável, “a informação deve representar fidedignamente as transações e
outros acontecimentos que ela pretende representar ou possa razoavelmente esperar-se
que
represente”, assim o diz a estrutura concetual do SNC, onde se encontram os
princípios e os alicerces da contabilidade, uma ciência social com centenas de
anos.
Assim,
por exemplo, o balanço deve representar fidedignamente as transações e outros
acontecimentos de que resultem ativos, passivos e capital próprio da entidade na
data do relato que satisfaçam os critérios de reconhecimento.
Mensuração
dos instrumentos financeiros
Existe
sempre algum risco das demonstrações financeiras, designadamente o balanço e
a demonstração de resultados não chegar a ser uma representação fidedigna,
devido a dificuldades inerentes seja na identificação das transações e outros
acontecimentos a serem mensurados seja na conceção e aplicação de
técnicas de mensuração e apresentação que possam comunicar mensagens que
correspondam a essas transações e acontecimentos.
Contudo,
quando existem indícios de que os ativos estão a perder valor é obrigação do órgão de
gestão, do contabilista e do auditor, cada um com as suas responsabilidades
técnicas
específicas de construir as imparidades.
A
constituição de imparidades implica sempre um juízo de valor no que respeita
ao montante a constituir.
As
normas contabilísticas em vigor, nomeadamente, a norma contabilística e de
relato financeiro 27, relativa aos instrumentos financeiros, exige que as
entidades mensurem os instrumentos financeiros ao custo ou ao custo amortizado
menos qualquer perda por imparidade.
Quando
nos chegam notícias, diariamente e em catadupa, do escândalo financeiro do
GES, nomeadamente quanto aos instrumentos financeiros de dívida subordinada,
as entidades que detiverem estes instrumentos financeiros devem começar
seriamente a pensar em constituir as respetivas imparidades.
Por
outro lado, os instrumentos de capital próprio que não sejam negociados
publicamente e cujo justo valor não possa ser obtido de forma fiável, bem como
contratos ligados a tais instrumentos que, se executados, resultem na entrega
de tais instrumentos, devem também ser mensurados ao custo menos perdas por
imparidade.
Os
próprios acionistas
devem
constituir as respetivas imparidades sempre que existam indícios de
destruição de valor. Neste caso, deixando as ações de ser cotadas,
devem ser ajustadas das respetivas imparidades que, no limite, diminuirão o
valor do ativo
a zero
que será o que poderá acontecer no GES.
A
necessidade de reconhecimento das imparidades é transversal a todo o normativo
contabilístico e não as constituir será considerado um erro técnico que pode
assumir contornos graves.
Nalguns
setores
existe
a ideia que não constituir uma imparidade não é coisa grave, sobretudo quando
dá jeito “compor” o balanço para candidaturas a subsídios e a financiamentos.
No
entanto, se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve
reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados.
No
caso concreto dos instrumentos financeiros, existe evidência objetiva
de que
um ativo
financeiro
está em imparidade quando determinados dados observáveis chamam a atenção ao
detentor do ativo
sobre
os seguintes eventos de perda:
•
Significativa dificuldade financeira do
emitente ou devedor;
•
Quebra contratual, tal como não pagamento ou
incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida;
•
O credor, por razões económicas ou legais
relacionados com a dificuldade financeira do devedor, oferece ao devedor
concessões que o credor de outro modo não consideraria;
•
Torne-se provável que o devedor irá entrar em
falência ou qualquer outra reorganização financeira;
•
O desaparecimento de um mercado ativo
para o ativo
financeiro
devido a dificuldades financeiras do devedor;
•
Informação observável indicando que existe uma
diminuição na mensuração da estimativa dos fluxos de caixa futuros de um
grupo de ativos
financeiros
desde o seu reconhecimento inicial, embora a diminuição não possa ser ainda
identificada para um dado ativo financeiro individual do grupo, tal como sejam
condições económicas nacionais, locais ou setoriais adversas.
Tantos
e tantos outros fatores poderão igualmente evidenciar imparidade,
como alterações no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que
o emitente opere.
Uma
queda significativa ou prolongada no justo valor de um investimento num instrumento
de capital próprio abaixo do seu custo, também constitui prova objetiva
de
imparidade.
Por
outro lado, todos os ativos financeiros que sejam individualmente significativos
e todos os instrumentos de capital próprio devem ser avaliados individualmente
para efeitos de imparidade.
A
grande questão em torno do reconhecimento das imparidades nos instrumentos
financeiros e nos ativos financeiros é quando não existem as tais
evidências, porque estamos perante condutas que configuram ilícitos e quando
as imparidades se encontram “escondidas”
Poderá,
nesses casos, ser relevante reconhecer os ativos em questão e divulgar
o risco de erro que rodeia o seu reconhecimento e a sua mensuração.
O risco sempre presente
A
crise financeira de 2008, da qual ainda estamos a sofrer as consequências,
demonstrou-nos que os instrumentos financeiros são voláteis, muito passíveis de
serem objeto
de
condutas ilícitas pelo que, na parte que toca às demonstrações financeiras é
sempre prudente estar sempre atento às evidências de imparidades.
No
entanto, o risco nos instrumentos financeiros está e estará sempre presente,
devendo as demonstrações financeiras tentarem perseguir a tal representação o
mais fidedigna possível da realidade.
O
normativo contabilístico em vigor prevê coimas às incorreções e erros contabilísticos
e não constituir imparidades quando as evidências existem, é um erro técnico
grave e as autoridades, leia-se Comissão de Normalização Contabilística,
deviam começar a pensar em aplicar o regime contraordenacional. E este
raciocínio aplica-se a todas as imparidades, sejam de instrumentos
financeiros, sejam de ativos não correntes ou ativos correntes. ■
Este artigo está em conformidade com o novo Acordo
Ortográfico.
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