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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Imparidades dos instrumentos financeiros

João Antunes
Consultor da OTOC
OPINIÃO Análise da OTOC

O normativo contabilístico em vigor prevê coimas às incorreções e erros contabilísticos.

Os recentes desenvolvimentos relaciona­dos com o Grupo Espírito Santo (GES) trouxeram para a ribalta um termo contabilístico que para um leigo pouco ou nada diz: Imparidades.
Imparidades é o equivalente ao ter­mo anglo-saxónico “impairment” e si­gnifica basicamente reduzir o valor de determinado ativo, evidenciando assim uma perda potencial ou efetiva.
Sempre que algum evento externo conduza a indícios que determinado ati­vo perdeu ou está a perder valor é obri­gação dos responsáveis pelas demons­trações financeiras das entidades cons­tituírem imparidades que, no limite, re­duzem o ativo ao valor zero.
O procedimento contabilístico da constituição de imparidades é tanto mais importante e imprescindível, quanto a necessidade das demonstra­ções financeiras deverem apresentar uma representação o mais fidedigna possível da posição financeira e patri­monial da entidade.
Uma das características qualitativas da estrutura concetual do nosso norma­tivo contabilístico - o SNC - é precisamente a fiabilidade. As pessoas têm de acreditar naquilo que leem num relató­rio de contas, tem de existir credibilida­de, senão todo o trabalho de contabilis­tas e auditores não servirá para nada.
Para ser fiável, “a informação deve representar fidedignamente as transa­ções e outros acontecimentos que ela pretende representar ou possa razoavel­mente esperar-se que represente”, assim o diz a estrutura concetual do SNC, onde se encontram os princípios e os alicerces da contabilidade, uma ciência social com centenas de anos.
Assim, por exemplo, o balanço deve representar fidedignamente as transa­ções e outros acontecimentos de que re­sultem ativos, passivos e capital próprio da entidade na data do relato que satis­façam os critérios de reconhecimento.

Mensuração dos instrumentos financeiros
Existe sempre algum risco das de­monstrações financeiras, designada­mente o balanço e a demonstração de resultados não chegar a ser uma represen­tação fidedigna, devido a dificuldades inerentes seja na identificação das tran­sações e outros acontecimentos a serem mensurados seja na conceção e aplicação de técnicas de mensuração e apresentação que possam comunicar mensagens que correspondam a essas transações e acontecimentos.
Contudo, quando existem indícios de que os ativos estão a perder valor é obrigação do órgão de gestão, do contabilista e do auditor, cada um com as suas responsabilidades técnicas específicas de construir as imparidades.
A constituição de im­paridades implica sempre um juízo de valor no que respeita ao montante a constituir.
As normas contabilísticas em vigor, nomeadamente, a norma contabilística e de relato financeiro 27, relativa aos instrumentos financeiros, exige que as entidades mensurem os instrumentos financeiros ao custo ou ao custo amortizado menos qualquer perda por imparidade.
Quando nos chegam notícias, diaria­mente e em catadupa, do escândalo fi­nanceiro do GES, nomeadamente quanto aos instrumentos financeiros de dívi­da subordinada, as entidades que detive­rem estes instrumentos financeiros de­vem começar seriamente a pensar em constituir as respetivas imparidades.
Por outro lado, os instrumentos de capital próprio que não sejam negocia­dos publicamente e cujo justo valor não possa ser obtido de forma fiável, bem como contratos ligados a tais instrumen­tos que, se executados, resultem na en­trega de tais instrumentos, devem tam­bém ser mensurados ao custo menos perdas por imparidade.
Os próprios acionistas devem cons­tituir as respetivas imparidades sempre que existam indícios de destruição de va­lor. Neste caso, deixando as ações de ser cotadas, devem ser ajustadas das respe­tivas imparidades que, no limite, dimi­nuirão o valor do ativo a zero que será o que poderá acontecer no GES.
A necessidade de reconhecimento das imparidades é transversal a todo o normativo contabilístico e não as constituir será considerado um erro técnico que pode assumir contornos graves.
Nalguns setores existe a ideia que não constituir uma imparidade não é coisa grave, sobretudo quando dá jeito “compor” o balanço para candidaturas a subsídios e a financiamentos.
No entanto, se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resulta­dos.

No caso concreto dos instrumentos financeiros, existe evidência objetiva de que um ativo financeiro está em impa­ridade quando determinados dados ob­serváveis chamam a atenção ao deten­tor do ativo sobre os seguintes eventos de perda:
             Significativa dificuldade financei­ra do emitente ou devedor;
             Quebra contratual, tal como não pagamento ou incumprimento no paga­mento do juro ou amortização da dívida;
             O credor, por razões económicas ou legais relacionados com a dificuldade fi­nanceira do devedor, oferece ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria;
             Torne-se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira;
             O desaparecimento de um merca­do ativo para o ativo financeiro devido a dificuldades financeiras do devedor;
             Informação observável indicando que existe uma diminuição na mensura­ção da estimativa dos fluxos de caixa fu­turos de um grupo de ativos financeiros desde o seu reconhecimento inicial, em­bora a diminuição não possa ser ainda identificada para um dado ativo finan­ceiro individual do grupo, tal como se­jam condições económicas nacionais, lo­cais ou setoriais adversas.

Tantos e tantos outros fatores po­derão igualmente evidenciar imparidade, como alterações no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que o emitente opere. Uma queda significativa ou prolongada no justo va­lor de um investimento num instru­mento de capital próprio abaixo do seu custo, também constitui prova objetiva de imparidade.
Por outro lado, todos os ativos finan­ceiros que sejam individualmente signi­ficativos e todos os instrumentos de ca­pital próprio devem ser avaliados indivi­dualmente para efeitos de imparidade.

A grande questão em torno do reco­nhecimento das imparidades nos instru­mentos financeiros e nos ativos finan­ceiros é quando não existem as tais evi­dências, porque estamos perante condu­tas que configuram ilícitos e quando as imparidades se encontram “escondidas”
Poderá, nesses casos, ser relevante reconhecer os ativos em questão e divul­gar o risco de erro que rodeia o seu reco­nhecimento e a sua mensuração.

O risco sempre presente
A crise financeira de 2008, da qual ainda estamos a sofrer as consequên­cias, demonstrou-nos que os instrumentos financeiros são voláteis, muito pas­síveis de serem objeto de condutas ilíci­tas pelo que, na parte que toca às de­monstrações financeiras é sempre pru­dente estar sempre atento às evidências de imparidades.
No entanto, o risco nos instrumen­tos financeiros está e estará sempre pre­sente, devendo as demonstrações finan­ceiras tentarem perseguir a tal represen­tação o mais fidedigna possível da reali­dade.
O normativo contabilístico em vigor prevê coimas às incorreções e erros contabilísticos e não constituir imparidades quando as evidências existem, é um erro técnico grave e as autoridades, leia-se Comissão de Normalização Contabilística, deviam começar a pensar em apli­car o regime contraordenacional. E este raciocínio aplica-se a todas as imparida­des, sejam de instrumentos financeiros, sejam de ativos não correntes ou ativos correntes.


Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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