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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Um “banco mau” com 145 anos de história

13 de Agosto de 2014
FILIPA LINO
Começou como uma loja de câmbios no século XIX. Ao longo de quatro gerações dos Espirito Santo transformaram o banco da família no terceiro maior país

0 império dos Espírito Santo parecia ser inabalável. O clã de banqueiros resistiu às convulsões políticas e económicas ao longo de quase 150 anos. Saíram das “cinzas” da Revolução de Abril e recuperaram os negócios que tinham sido nacionalizados, a começar pela jóia da coroa – o Banco Espírito Santo. Ironicamente voltaram a perder. E desta vez nem o nome lhes pode abrir portas.

Tudo começou no final do sécu­lo XIX com José Maria do Espírito Santo e Silva. Um lisboeta nascido a 13 de Maio de 1850 que foi registado como filho de pais incógnitos. Hoje sabe-se que o pai era o Conde de Rendufe, o Intendente-Geral da Polícia em 1824. Terá sido fruto de uma re­lação ilegítima. E em 1869, com 19 anos, já tinha capacidade financeira para ter uma loja de câmbios na Cal­çada dos Paulistas, hoje Calçada do Combro, em Lisboa.

O negócio cresceu e José Maria ganhou nome na praça lisboeta. Em 1880 muda-se para a baixa pombali­na e quatro anos depois dá outro pas­so importante. Constitui uma socie­dade bancária. Nessa altura a econo­mia registava um novo impulso, com destaque para o sector industrial. O vento soprava a favor dos negócios do empresário. Mas a sua vida pes­soal estava prestes a mudar.

Dois casamentos e um funeral
José ficou viúvo aos 41 anos. Do casamento com Maria da Conceição Silva nasceram duas filhas - Maria Justina e Luísa Cândida, que morreu com 16 anos. O empresário só volta­ria a casar a 18 de Abril de 1907, com Rita de Jesus Ribeiro. Desta união nasceram quatro filhos - Maria (1893), José (1895), Ricardo (1900) e Manuel (1908). No início do século XX o banqueiro começou a investir nas colónias. Primeiro na produção de cana-de-açúcar, depois na cultu­ra de algodão e também no comércio. Morreu na véspera de Natal de 1915. O filho mais velho, José Ribeiro do Espírito Santo Silva, com 21 anos, assume a condução dos negócios. Ape­sar de ainda estar no segundo ano de Direito, já trabalhava na Casa Bancá­ria há dois anos. Teria pela frente tempos difíceis, com o estalar da I Guerra Mundial.

14 MESES
Manuel Ricardo Espírito Santo teve o mandato mais curto de um presidente do BES. “Caiu” com a revolução.

Levado pela paixão
Em 1918 José decide entrar no negócio dos seguros e toma-se repre­sentante da Tranquilidade Portuen­se - Companhia de Seguros, uma empresa de que já era pequeno accio­nista. Outro dos objectivos do jovem era alargar a rede de balcões. Os ir­mãos Espírito Santo sabiam que para se manterem “à tona” tinham que se modernizar e a 9 de Abril de 1920, meio século depois de o pai ter fun­dado o seu primeiro estabelecimen­to, constituem o Banco Espírito San­ to, com sede na Rua do Comércio. José fica como presidente. O irmão Ricardo assume o cargo de secretário-geral. Três dias depois, José casa com Maria José Borges Coutinho de Medeiros Sousa Dias da Câmara, irmã do terceiro Marquês da Praia e Monforte. Seis meses depois é a vez de Ricardo contrair matrimónio com Mary Pinto de Morais Sarmento Cohen, filha de um banqueiro inglês com sangue judeu, estabelecido pri­meiro em Gibraltar e depois em Lourenço Marques.

A instabilidade política, junta­mente com o impacto da I Guerra Mundial na economia, resultou no caos social e no declínio do país. Os irmãos Espírito Santo contrariam a tendência da banca na época e numa tentativa de ganhar quota de merca­do dão início a uma política de expan­são geográfica. A primeira agência foi em Torres Vedras (1920), onde con­tavam já com uma carteira de clien­tes importante. Mas as condições do mercado deterioraram-se e o plano foi travado. O banco foi sobreviven­do à tormenta. Em Dezembro de 1929 a instituição dava emprego a 81 pessoas. Cinco anos depois tinha 346 trabalhadores.

Em Outubro de 1932 José toma uma decisão inesperada. Demite-se alegando razões pessoais. Na origem da decisão está uma paixão. O ban­queiro rompe o casamento e parte para Paris com Vera Pinto de Morais Sarmento Cohen, irmã da mulher de Ricardo. O segundo filho do funda­dor assume a condução dos negócios e Manuel, o benjamim, agora com 24 anos, sobe a secretário-geral. Nos anos 30 Banco Espirito Santo, com 18 balcões, era a maior rede da banca privada em Portugal.

Ricardo, o diplomata
Ricardo Espirito Santo cultivou relações com personalidades relevantes a nível internacional, quer no mundo dos negócios, quer na política. Também c á dentro tinha um aliado de peso, Salazar. Era visita frequente do Presidente do Conselho. Pedro Castro, autor do livro “Salazar e os milionários”, fala mesmo numa “relação de crescente cumplicidade”.
Todos os Domingos à noite tinham encontro marcado. Nessas conversas foram tomadas muitas decisões, como a construção do Ritz.

“Salazar queixava-se da falta de um grande hotel em Lisboa”, refere o jornalista. Sugere então ao banqueiro que reuna um grupo de inves­tidores. É criada uma sociedade, onde participam alguns dos mais im­portantes empresários do país e a obra avança. Foi também a pedido de Salazar que recebeu na sua casa em Cascais o Duque de Windsor durante a II Guerra Mundial, o que provocou uma guerra de bastidores entre os dois lados do conflito.

“Nós nem conseguimos perceber na sua total dimensão a importância  que ele teve do ponto de vista diplomático”, afirma Pedro Castro, que consultou documentos e correspon­dência trocados entre o banqueiro e Salazar. Papéis que revelam a capa­ cidade de negociador discreto de Ricardo Espírito Santo.

NOTAS
Para a elaboração deste trabalho foram consultados os seguintes livros:
·         “0 Banco Espírito Santo, uma dinastia financeira portuguesa (I volume 1869 -1973)”, de Carlos Alberto Damas e Augusto de Ataíde
·         “0 último banqueiro”, de Maria João Babo e Maria João Gago
·         “Salazar e os milionários”, de Pedro Jorge Castro
·         “0 ataque aos milionários”, de Pedro Jorge Castro

Em 1937 avança a fusão com o Banco Comercial de Lisboa, liderado por Manuel Queiroz Pereira, um amigo da família. Desta operação nasceu o Banco Espirito Santo e Coomercial de Lisboa (BESCL).

Na noite de 2 de Fevereiro de 1955, o banqueiro não resiste a um ataque cardíaco. O irmão mais novo assume a presidência do banco.

Manuel Espirito Santo quis ter todos os ramos da família representados nos órgãos sociais da empresa e recrutou para a gestão alguns universitários, entre eles José Roquete, que entra para o banco em 1959 e rapidamente se torna num dos homens de confiança do presidente.

O banqueiro manteve a tradição dos irmãos de estabelecer relações com alguns dos mais importantes banqueiros mundiais, contactos que se tornariam muito importantes para a família mais tarde, no exílio. Manuel tinha uma relação próxima com o primeiro-ministro Marcelo Caetano, de quem tinha sido colega na faculdade. Chegou a ser convidado pelo governante para o lugar de embaixador de Portugal em Washington. Cargo que recusou. No final dos anos 60 lança o projecto da construção da nova sede na Avenida da Liberdade. Mas morre a 28 de Janeiro de 1973, antes de a obra avançar. Sucedeu-lhe o filho mais velho, Manuel Ricardo, com 40 anos, teve um Mandato curto. Durou 14 meses.

A Revolução
As movimentações sindicais no banco começaram antes da Revolução. A administração recebeu um caderno reivindicativo a 18 de Abril de 74, onde se exigia o fim do uso obrigatório da gravata e um aumento salarial de 2 mil escudos. “Representava um aumento de cerca de 25%”, recorda o sindicalista Fernando Martins. Uma semana depois dá-se a Revolução. O país entra em agitação. Os Espirito Santo decidem negociar para evitar confrontos no banco. O encontro acontece a 10 de Maio. Fernando lembra-se bem da frase que ouviu de Manuel Ricardo: ”Ainda bem que vocês existem, porque assim temos com quem dialogar”. Os sindicalistas tinham uma posição de força e meia hora depois de uma pau­sa para fazer contas os administra­dores cedem, com uma condição. Se­ria entregue uma cópia da acta da reunião ao Conselho da Revolução, para que tivesse conhecimento dos eventuais efeitos do acordo na eco­nomia. A paz durou pouco tempo. Os Espírito Santo tentam resistir e man­ter os negócios unindo-se aos Mello e aos Champalimaud, mas os acon­tecimentos sucedem-se a uma velo­cidade vertiginosa.

“A situação do banco torna-se in­sustentável com as pressões crescen­tes dos sindicalistas que aproveitam todos os pretextos para criar confli­tos”, refere Pedro Castro. Com o fa­lhanço do golpe de Spínola a 11 de Março de 1975 o sindicato dos ban­cários manda encerrar os bancos e os administradores do BESCL são de­tidos. Ficam presos durante quatro meses. Quando são libertados fogem para Espanha. Depois dividem-se por vários países (Inglaterra, Suíça, Brasil e Espanha) e reúnem apoios para montar uma série de negócios. Juntam 20 mil dólares para criar um banco na Suíça e a partir daí reconstroem o império.

Com a nacionalização da banca o BESCL passou para as mãos do Es­tado. Só voltaria para a família em 1992, quando o grupo concorre à reprivatização em parceria com os franceses do Crédit Agricole. Manuel Ricardo, o líder do grupo, morreu pouco antes de a "jóia da família” ser recuperada. Ricardo Salgado, neto de Ricardo Espírito Santo, fica respon­sável pelos negócios financeiros do grupo. Em 20 anos torna o BES no terceiro maior banco do país.


O seu poder foi crescendo à medida que ia ganhando influência no mundo dos negócios e da política. Criou aliados e inimigos. Chamaram-lhe o DDT (dono disto tudo). Mas agora o currículo do banqueiro fica manchado. Foi empurrado da cadeira do poder e por ironia do destino vai ficar na história como o último presidente do BES antes de este se ter tornado num “banco mau”

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