13 de Agosto de 2014
FILIPA
LINO
Começou
como uma loja de câmbios no século XIX. Ao longo de quatro gerações dos
Espirito Santo transformaram o banco da família no terceiro maior país
0 império dos Espírito Santo parecia ser inabalável.
O clã de banqueiros resistiu às convulsões políticas e económicas ao longo de
quase 150 anos. Saíram das “cinzas” da Revolução de Abril e recuperaram os negócios
que tinham sido nacionalizados, a começar pela jóia da coroa – o Banco Espírito
Santo. Ironicamente voltaram a perder. E desta vez nem o nome lhes pode abrir
portas.
Tudo começou no final do século XIX com José Maria do
Espírito Santo e Silva. Um lisboeta nascido a 13 de Maio de 1850 que foi
registado como filho de pais incógnitos. Hoje sabe-se
que o pai era o Conde de Rendufe, o
Intendente-Geral da Polícia em 1824. Terá sido fruto de uma relação ilegítima.
E em 1869, com 19 anos, já tinha capacidade financeira para ter uma loja de
câmbios na Calçada dos Paulistas, hoje Calçada do Combro, em Lisboa.
O negócio cresceu e José Maria ganhou nome na praça
lisboeta. Em 1880 muda-se para a
baixa pombalina e quatro anos depois dá outro passo importante. Constitui uma
sociedade bancária. Nessa altura a economia registava um novo impulso, com
destaque para o sector industrial. O vento soprava a favor dos negócios do
empresário. Mas a sua vida pessoal estava prestes a mudar.
Dois casamentos e um funeral
José ficou viúvo aos 41 anos. Do casamento com Maria da
Conceição Silva nasceram duas filhas - Maria Justina e Luísa Cândida, que
morreu com 16 anos. O empresário só voltaria a casar a 18 de Abril de 1907,
com Rita de Jesus Ribeiro. Desta união nasceram quatro filhos - Maria (1893),
José (1895), Ricardo (1900) e Manuel (1908). No início do século XX o banqueiro
começou a investir nas colónias. Primeiro na produção de cana-de-açúcar, depois na cultura de algodão e também no
comércio. Morreu na véspera de Natal de 1915. O filho mais velho, José Ribeiro
do Espírito Santo Silva, com 21 anos, assume a condução dos negócios. Apesar
de ainda estar no segundo ano de Direito, já trabalhava na Casa Bancária há
dois anos. Teria pela frente tempos difíceis, com o estalar da I Guerra
Mundial.
14 MESES
Manuel Ricardo Espírito
Santo teve o mandato mais curto de um presidente do BES. “Caiu” com a
revolução.
Levado pela paixão
Em 1918 José decide entrar no negócio dos seguros e
toma-se representante da Tranquilidade Portuense - Companhia de Seguros, uma
empresa de que já era pequeno accionista. Outro dos objectivos do jovem era
alargar a rede de balcões. Os irmãos Espírito Santo sabiam que para se
manterem “à tona” tinham que se modernizar e a 9 de Abril de 1920, meio século
depois de o pai ter fundado o seu primeiro estabelecimento, constituem o
Banco Espírito San to, com sede na Rua do Comércio. José fica como presidente.
O irmão Ricardo assume o cargo de secretário-geral. Três dias depois, José casa
com Maria José Borges Coutinho de Medeiros Sousa Dias da Câmara, irmã do
terceiro Marquês da Praia e Monforte. Seis meses depois é a vez de Ricardo
contrair matrimónio com Mary Pinto de Morais Sarmento Cohen, filha de um
banqueiro inglês com sangue judeu, estabelecido primeiro em Gibraltar e depois
em Lourenço Marques.
A instabilidade política, juntamente com o impacto da I
Guerra Mundial na economia, resultou no caos social e no declínio do país. Os
irmãos Espírito Santo contrariam a tendência da banca na época e numa tentativa
de ganhar quota de mercado dão início a uma política de expansão geográfica.
A primeira agência foi em Torres Vedras (1920), onde contavam já com uma
carteira de clientes importante. Mas as condições do mercado deterioraram-se e
o plano foi travado. O banco foi sobrevivendo à tormenta. Em Dezembro de 1929
a instituição dava emprego a 81 pessoas. Cinco anos depois tinha 346
trabalhadores.
Em Outubro de 1932 José toma uma decisão inesperada.
Demite-se alegando razões pessoais. Na origem da decisão está uma paixão. O banqueiro
rompe o casamento e parte para Paris com Vera Pinto de Morais Sarmento Cohen,
irmã da mulher de Ricardo. O segundo filho do fundador assume a condução dos
negócios e Manuel, o benjamim, agora com 24 anos, sobe a secretário-geral. Nos
anos 30 Banco Espirito Santo, com 18 balcões, era a maior rede da banca privada
em Portugal.
Ricardo, o diplomata
Ricardo Espirito Santo
cultivou relações com personalidades relevantes a nível internacional, quer no
mundo dos negócios, quer na política. Também c á dentro tinha um aliado de
peso, Salazar. Era visita frequente do Presidente do Conselho. Pedro Castro,
autor do livro “Salazar e os milionários”, fala mesmo numa “relação de
crescente cumplicidade”.
Todos os Domingos à
noite tinham encontro marcado. Nessas conversas foram tomadas muitas decisões,
como a construção do Ritz.
“Salazar queixava-se da
falta de um grande hotel em Lisboa”, refere o jornalista. Sugere então ao
banqueiro que reuna um grupo de investidores. É criada uma sociedade, onde
participam alguns dos mais importantes empresários do país e a obra avança.
Foi também a pedido de Salazar que recebeu na sua casa em Cascais o Duque de
Windsor durante a II Guerra Mundial, o que provocou uma guerra de bastidores
entre os dois lados do
conflito.
“Nós nem
conseguimos perceber na sua total dimensão a importância que ele teve do ponto de vista diplomático”,
afirma Pedro Castro, que
consultou documentos e correspondência
trocados entre o banqueiro e Salazar. Papéis que revelam a capa cidade de
negociador discreto de Ricardo
Espírito Santo.
NOTAS
Para a elaboração deste trabalho foram
consultados os seguintes livros:
·
“0 Banco Espírito Santo, uma dinastia financeira
portuguesa (I volume 1869 -1973)”, de Carlos Alberto Damas
e Augusto de Ataíde
·
“0 último banqueiro”, de Maria João Babo e Maria João
Gago
·
“Salazar e os milionários”, de Pedro Jorge Castro
·
“0 ataque aos milionários”, de Pedro Jorge Castro
Em 1937 avança a fusão com o Banco Comercial de Lisboa,
liderado por Manuel Queiroz Pereira, um amigo da família. Desta operação nasceu
o Banco Espirito Santo e Coomercial de Lisboa (BESCL).
Na noite de 2 de Fevereiro de 1955, o banqueiro não
resiste a um ataque cardíaco. O irmão mais novo assume a presidência do banco.
Manuel Espirito Santo quis ter todos os ramos da família
representados nos órgãos sociais da empresa e recrutou para a gestão alguns universitários,
entre eles José Roquete, que entra para o banco em 1959 e rapidamente se torna
num dos homens de confiança do presidente.
O banqueiro manteve a tradição dos irmãos de estabelecer
relações com alguns dos mais importantes banqueiros mundiais, contactos que se
tornariam muito importantes para a família mais tarde, no exílio. Manuel tinha
uma relação próxima com o primeiro-ministro Marcelo Caetano, de quem tinha sido
colega na faculdade. Chegou a ser convidado pelo governante para o lugar de embaixador
de Portugal em Washington. Cargo que recusou. No final dos anos 60 lança o projecto
da construção da nova sede na Avenida da Liberdade. Mas morre a 28 de Janeiro de
1973, antes de a obra avançar. Sucedeu-lhe o filho mais velho, Manuel Ricardo,
com 40 anos, teve um Mandato curto. Durou 14 meses.
A Revolução
As movimentações sindicais no banco começaram antes da
Revolução. A administração recebeu um caderno reivindicativo a 18 de
Abril de 74, onde se exigia o fim do uso obrigatório da gravata e um aumento
salarial de 2 mil escudos. “Representava um aumento de cerca de 25%”, recorda o
sindicalista Fernando Martins. Uma semana depois dá-se a Revolução. O país
entra em agitação. Os Espirito Santo decidem negociar para evitar confrontos no
banco. O encontro acontece a 10 de Maio. Fernando lembra-se bem da frase que
ouviu de Manuel Ricardo: ”Ainda bem que vocês existem, porque assim temos com
quem dialogar”. Os sindicalistas tinham uma posição de força e meia hora depois
de uma pausa para fazer contas os administradores cedem, com uma condição. Seria
entregue uma cópia da acta da reunião ao Conselho da Revolução, para que
tivesse conhecimento dos eventuais efeitos do acordo na economia. A paz durou
pouco tempo. Os Espírito Santo tentam resistir e manter os negócios unindo-se aos Mello e aos Champalimaud, mas os acontecimentos
sucedem-se a uma velocidade vertiginosa.
“A situação do banco torna-se
insustentável com as pressões crescentes
dos sindicalistas que aproveitam todos os pretextos para criar conflitos”,
refere Pedro Castro. Com o falhanço do golpe de Spínola a 11 de Março de 1975
o sindicato dos bancários manda encerrar os bancos e os administradores do
BESCL são detidos. Ficam presos durante quatro meses. Quando são libertados
fogem para Espanha. Depois dividem-se por vários países (Inglaterra, Suíça,
Brasil e Espanha) e reúnem apoios para montar uma série de negócios. Juntam 20
mil dólares para criar um banco na Suíça e a partir daí reconstroem o império.
Com a nacionalização da banca o BESCL passou para as mãos
do Estado. Só voltaria para a família em 1992, quando o grupo concorre à reprivatização
em parceria com os franceses do Crédit Agricole. Manuel Ricardo, o líder do
grupo, morreu pouco antes de a "jóia da família” ser recuperada. Ricardo
Salgado, neto de Ricardo Espírito Santo, fica responsável pelos negócios
financeiros do grupo. Em 20 anos torna o BES no terceiro maior banco do país.
O seu poder foi
crescendo à medida que ia ganhando influência no mundo dos negócios e da
política. Criou aliados e inimigos. Chamaram-lhe o DDT (dono disto tudo). Mas
agora o currículo do banqueiro fica manchado. Foi empurrado da cadeira do poder
e por ironia do destino vai ficar na história como o último presidente do BES
antes de este se ter tornado num “banco mau”
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