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terça-feira, 6 de janeiro de 2015

A Europa e a mania dos investimentos mal orientados


Daniel Gros 

Director do Centro de Estudos Políticos Europeus
05 Janeiro 2015, 10:09 por Daniel Gros
Hoje em dia, o mantra em Bruxelas e em toda a Europa é que o investimento é a chave para a recuperação económica. O eixo central da nova estratégia económica da Comissão Europeia está no plano, anunciado recentemente, de aumentar o investimento em 315 mil milhões de euros ao longo dos próximos três anos. Mas a proposta da Comissão está mal orientada, tanto no que diz respeito à ênfase no investimento, como à estrutura de financiamento proposta.

O plano da Comissão, uma iniciativa assinada pelo presidente Jean-Claude Juncker no início do seu mandato, não constitui nenhuma surpresa. 
Com a Zona Euro presa numa recessão aparentemente interminável, a ideia de que o investimento potenciador de crescimento é crucial para uma recuperação sustentável está profundamente enraizada no discurso público. 
O pressuposto subjacente é que mais investimento é sempre melhor, porque aumenta o stock de capital e, portanto, a produção.

Este não é necessariamente o caso da Europa nesta altura. 
As autoridades da União Europeia (e muitas outras) argumentam que a Europa - especialmente a Zona Euro - sofre de uma "lacuna de investimento". 
Supostamente, a prova irrefutável é o défice anual de 400 mil milhões de euros, relativo a 2007.

Mas a comparação é enganosa, porque 2007 foi o auge de uma bolha de crédito que levou a uma grande quantidade de investimentos desperdiçados. 
A Comissão reconhece isso na sua documentação de apoio para o plano Juncker, na qual argumenta que para determinar os níveis de investimento desejáveis hoje em dia, devem usar-se como referência os valores dos anos anteriores ao auge de crédito. 
De acordo com tais parâmetros, a lacuna de investimento corresponde apenas a metade do valor anteriormente mencionado.

Infelizmente, mesmo os anos anteriores ao auge não constituem um bom guia para a economia europeia actual, porque algo fundamental mudou mais rapidamente do que é reconhecido: a evolução demográfica da Europa.

Na Zona Euro, a população em idade de trabalhar tem vindo a crescer até 2005, mas vai diminuir a partir de 2015 em diante. 
Dado que a produtividade não melhorou, menos trabalhadores significam taxas de crescimento potencial significativamente mais baixas. 
E uma menor taxa de crescimento significa que é necessário menos investimento para manter a relação capital/ produção.

Se a Zona Euro mantém a sua taxa de investimento ao nível dos anos pré-boom, logo haverá muito mais capital em relação ao tamanho da economia. 
Podemos ser tentados a pensar: E daí? 
Mais capital é sempre bom.

No entanto, um stock de capital cada vez maior em relação à produção significa que os rendimentos do capital sejam cada vez menores e, portanto, que haja cada vez mais empréstimos em incumprimento no sector bancário ao longo do tempo. 
Dada a debilidade do sistema bancário europeu, acumular demasiado capital não é um luxo que a UE possa pagar.

Mesmo deixando de lado a questão de saber se mais é sempre melhor, o que pode fazer o plano Juncker para ter um impacto positivo a curto prazo sobre o investimento agregado?

As investigações académicas sobre os determinantes do investimento têm concluído, em geral que a variável chave é o crescimento (ou expectativas de crescimento), e que as taxas de juro desempenham, no máximo, um papel secundário. 
Uma implicação imediata disto é que é muito pouco provável que a política monetária tenha um forte impacto sobre o investimento.

Na verdade, o sinal do mercado é claro: No momento, não há falta de financiamento disponível na maioria da UE. 
Os países da periferia da Zona Euro, onde o crédito ainda pode ser escasso, representam menos de um quarto da economia da Europa. 
Assim, a falta de financiamento não é a razão para o investimento continuar fraco.

O plano Juncker tem como objectivo desbloquear, com 21 mil milhões de euros de financiamento da UE, projectos com 15 vezes esse valor (315 mil milhões). 
Isso soa muito forçado. 
O sistema bancário da Europa já conta com mais de um bilião de euros de capital. 
A adição de 21 mil milhões, sob a forma de garantias do orçamento da UE, não deverá ter um impacto significativo sobre a disposição dos bancos para financiar o investimento.

O plano Juncker direcciona-se, em especial, para projectos de infraestrutura, que são muitas vezes mais arriscados do que outros investimentos. 
Mas estes riscos são geralmente não financeiros; eles reflectem potenciais barreiras políticas e regulatórias ao nível nacional. 
Estes problemas não podem ser resolvidos com uma garantia do orçamento da UE (que, em qualquer caso, não pode ser superior a 1/15 do valor do projecto).

A razão pela qual ainda não existe uma boa interligação entre as redes de energia espanhola e francesa não é a falta de financiamento, mas a falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus mercados. 
Muitos projectos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de financiamento. 
Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa. 
As grandes empresas europeias podem facilmente obter financiamento a taxas de juro próximas de zero.

Apelar a mais investimento é sempre superficialmente atraente. 
Mas há razões importantes para acreditar que a taxa de investimento da Zona Euro ficará permanentemente deprimida. 
O défice de investimento, muitas vezes invocado, é sobretudo o resultado de uma ilusão, e as barreiras ao investimento têm pouco a ver com a falta de financiamento.

O desempenho económico dos Estados Unidos e do Reino Unido constitui uma lição importante para a Zona Euro. 
A recuperação de ambas as economias tem sido impulsionada em grande parte por uma subida do consumo, especialmente nos Estados Unidos. 
O relançamento do investimento seguiu o crescimento do consumo. 
Se os responsáveis políticos europeus estão mesmo empenhados na recuperação económica, deviam centrar-se no consumo, e não no investimento.

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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