Avisos. Instituição liderada por Christine Lagarde diz que clima eleitoral dificulta a implementação de reformas e potencia políticas populistas
João Silvestre
18:00 Sexta feira, 30 de janeiro de 2015
Fundo Monetário Internacional avisa que a meta de défice não é atingida sem medidas adicionais de austeridade, critica a subida do salário mínimo e teme tentações populistas em ano de eleições.
Numa altura em que o Governo segue animado pelos mínimos históricos dos juros da dívida e pelo desempenho da receita fiscal em 2014, que ficou acima do previsto, há quem não esteja assim tão otimista.
Apesar do balanço que pode transitar do ano passado e até de acontecimentos como a descida do preço do petróleo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) não acredita que Portugal vai conseguir ter um défice inferior a 3% do PIB até 2016 sem medidas adicionais. No relatório da primeira avaliação pós-programa, divulgado esta sexta-feira, o Fundo aponta para um défice de 3,4% este ano, um valor que ultrapassa a meta do governo de 2,7% em qualquer coisa como €1250 milhões e que, a confirmar-se, não permitirá a Portugal sair do procedimento por défice excessivo.
Recorde-se que já a Comissão Europeia, que também realizou a avaliação pós-programa com o FMI, tinha alertado no seu relatório para o mesmo problema.
Em causa estão "projeções macroeconómicas e de receita otimistas", algo que Bruxelas também já tinha sublinhado, e que acontecem num ano em que várias rubricas da despesa vão ter o cinto desapertado - pensões e salários, por exemplo - e onde há reduções fiscais (IRS e IRC).
Diz o FMI que, desta forma, o esforço de consolidação é reduzido.
2014: é possível cumprir
Já o défice de 2014 é alcançável, o que já não é grande surpresa tendo em conta que os números divulgados pela Direção-Geral do Orçamento na semana passada.
O FMI aponta para 4,9% do PIB e a meta do governo é de 4,8% (incluindo efeitos extraordinários, pois caso contrário é de 4% e até pode ficar abaixo, com o FMI a apontar para 3,9%).
"Enquanto a meta orçamental de 2014 parece perfeitamente alcançável, para cumprir as previsões orçamentais de médio prazo do próprio governo serão necessárias reformas da despesa significativamente mais ambiciosas", frisa o relatório.
Entram aqui, por exemplo, recomendações para apostar nas poupanças com requalificação, nos suplementos salariais do Estado e nas pensões da Caixa Geral de Aposentações.
O chefe de missão, em conferência de imprensa telefónica a partir de Washington, avisa que "é necessário um grande esforço para assegurar que a divida continua a baixar" e lembra que conseguir um défice inferior a 3% é fundamental para retirar Portugal do procedimento por défice excessivo (PDE) e para reganhar credibilidade.
Eleições não ajudam nada
Para os homens do FMI, as eleições legislativas marcadas para este ano não vão ajudar nada a acelerar as reformas.
"Como já se viu nos últimos seis meses [o relatório foi fechado em dezembro], o período pré-eleitoral não irá conduzir a iniciativas reformistas relevantes, esperando-se uma maior tentação para políticas populistas", lê-se no documento.
Para os mais distraídos convém sublinhar que estes relatórios pós-programa surgem com uma linguagem mais dura e crítica em relação aos governos, o que não acontecia nas revisões trimestrais.
Ainda que pudesse haver divergências, não transpareciam de forma tão clara nos documentos que eram elaborados conjuntamente.
Agora, não há tranches para libertar, o governo tem mais margem para decidir e sobra apenas o poder da palavra que o FMI e a Comissão usam de forma mais decisiva.
Na frente macroeconómica, o FMI espera crescimentos de 0,8% em 2014 e uma aceleração para 1,2% e 1,3% em 2015 e 2016.
Valores em linha com a generalidade das previsões disponíveis.
O governo, por exemplo, espera um ritmo de 1,5% este ano.
Um dos problemas neste momento é que a margem para aceleração é bastante reduzida. O relatório diz mesmo que, a médio prazo, "é esperado que o crescimento atinja um plateau de 1,5%", já que a dinâmica da economia é afetada pelo investimento (líquido) negativo e pela demografia, e está muito baseado em ganhos de produtividade que, por sua vez, "depende da implementação bem-sucedida de reformas estruturais".
Subida do salário mínimo vai "doer"
O relatório do FMI regressa a um dos temas quentes da primeira avaliação pós-programa: a subida do salário mínimo de €485 para €505 e dedica uma caixa do texto à análise da situação onde conclui que "esta medida pode prejudicar precisamente o grupo [de trabalhadores] que pretende apoiar".
O Fundo destaca o facto de os aumentos do salário mínimo "terem ultrapassado persistentemente os ganhos de produtividade" e de o valor em Portugal não estar a "nível assim tão baixo que necessitasse desta subida sequer".
E avisa que o preço a pagar por aqueles trabalhadores que estão no segmento do mercado de trabalho abrangido pelo salário mínimo mede-se em postos de trabalho.
"Medidas que aumentam o custo do emprego destes trabalhadores, ainda que subam o rendimento dos que têm trabalho, vão manter o desemprego elevado nestes segmentos por mais tempo e atrasar a normalização do mercado de trabalho", refere o relatório.
Um dos pontos de preocupação é o chamado labour slack, ou seja, uma medida de 'desperdício' de trabalhadores que é mais abrangente que a taxa de desemprego e que mede todos os trabalhadores que a economia poderia utilizar e não utiliza.
Diz Subir Lall que "continua muito elevado" e que deve ser uma das prioridades, até porque a recuperação da economia portuguesa está a ser em U e não em V como se esperava.
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