A Comissão de Inquérito ao BES realiza esta semana duas audições à porta fechada
COMISSÃO DE INQUÉRITO AO BEs
2015/08/01, 00:56
ANA SUSPIRO
Segundo José Castela, o tesoureiro da holding do GES, o aumento da exposição do BES a grupo, à revelia do Banco de Portugal a partir de maio, deveria ser transitório até à entrada de novos investidores.
José Castella, tesoureiro de empresas do Grupo Espírito Santo, explicou aos deputados da comissão de inquérito ao BES e GES, que não decidia. O business controler, testemunhou esta quarta-feira, numa sessão à porta fechada, que cumpria as decisões que, ao nível do Banco Espírito Santo eram tomadas pelo presidente, Ricardo Salgado. Da parte da Rioforte, as decisões vinham de Salgado e de Manuel Espírito Santo.
José Castella entrou para o BES como estagiário em 1972 e começou a exercer funções em empresa do Grupo Espírito Santo (GES) desde 1990, como business controler. No seu testemunho clarifica que nunca foi conselheiro ou controller do grupo, as suas funções eram de gestão da tesouraria, que começaram a ser centralizadas ao nível Espírito Santo Internacional (ESI), a principal holding não financeira do GES, a partir de 2010/2011. Hoje está desempregado, mas trabalha para os credores do grupo.
Castella pediu audição à porta fechada, invocando condição de arguido em processos em Portugal e Luxemburgo. Não autorizou fotografias e durante a audição de mais de quatro horas, a sala esteve guardada por um elemento das forças de segurança.
Aumento do financiamento do BES ao GES devia ser transitório
Segundo o tesoureiro, a exposição direta do BES a empresas do grupo foi reportada ao Banco de Portugal no quadro dos grandes riscos. Castella era o responsável pelo reporte ao supervisor que pediu algumas vezes as contas das empresas, sem nunca ter posto em causa estes relatórios. O reporte ao Banco de Portugal começou a ser diário a partir de janeiro/fevereiro de 2014.
Argumenta que o grupo cumpriu os limites impostos pelo Banco de Portugal que impediam o aumento da exposição do banco ao grupo. Testemunhou que a pressão de tesouraria era enorme e não havia capacidade obter financiamento externo, mas as operações de aumento da exposição BES ao GES, desafiando as instruções do Banco de Portugal, só aconteceram a partir de maio de 2014, e foram feitas no pressuposto de que seria transitórias, para serem substituídas por capital de investidores da Venezuela e de África que falharam.
Castella considera que o ring fencing, barreira de separação entre ativos não financeiros e financeiros, imposto pelo Banco de Portugal, fazia sentido e defende que se as condições, externas e internas, fossem boas, e com uma gestão rigorosa, teria sido possível salvar o grupo em dez anos.
E as operações de recompra de obrigações colocadas pela Eurofin, que provocaram centenas de milhões de euros de perdas no BES em julho? Castella responde que desconhece. Estava de férias nas últimas três semanas de julho, porque estava exausto. Apesar da audição à porta fechada, Castella recusou várias vezes prestar esclarecimentos sobre matérias, como a ocultação de contas da Espírito Santo Internacional (ESI), situação que disse desconhecer. Sobre o caso Eurofin, não responde porque é testemunha de processos em Portugal.
Em 2009 foi criada a Rioforte para ficar com os ativos não financeiros do grupo, substituindo a Espírito Santo Resources que tinha sede nas Bahamas. Pretendeu-se criar uma sociedade com um nome novo e com menos passivo. O principal objetivo era diminuir o sobreendividamento.
Excesso de dívida e negócios que correram mal
O aumento da dívida explica-se por vários fatores: a Rioforte, as aplicações feitas na Eurofin e na Esaf, e os juros sobre a dívida bancária. Castella diz que houve instruções da administração para fazer estas aplicações, mas desconhece o destino dos fundos. A origem dos problemas esteve também em negócios e empresas que correram mal como a Portugália e a Opway.
A Espírito Santo Financial Group e a Espírito Santo Control, sociedade onde estão as participações acionistas da família e que detinha 55% da Espírito Santo Internacional, aumentavam o capital por emissão de dívida e investiam no capital do BES. A Espírito Santo Control tinha pequenos acionistas, maioria da família, e financiava-se na Suíça, mas quando isso deixou de ser possível a passou a financiar-se na ESI.
A Espírito Santo Internacional, holding não financeira, financiava-se via Panamá. Esta emissão de dívida esteve na origem do passivo da ESI, alguma dessa dívida foi colocada nos clientes de retalho do BES depois da ordem para diminuir a exposição dos fundos de investimento a empresas do GES. Mas os factos na origem do default (incumprimento) estão em segredo de justiça, justificação repetida várias vezes em resposta a perguntas dos deputados.
Buscas levaram gravações das reuniões mais recentes do conselho superior
Castella confirmou que foi responsável pelas atas das reuniões do conselho superior do GES, que disponibilizou a José Maria Ricciardi para ele as entregar e à comissão de inquérito. Estas atas param em setembro de 2013, porque as outras foram objeto de busca e apreensão por parte das autoridades judiciais e não tem cópias.
O controller revelou que começou a gravar as reuniões do órgão de cúpula da família Espírito Santo em novembro de 2013, mês da famosa reunião em que a liderança de Salgado é desafiada pelo primo, presidente do BESI. A gravação foi motivada por desentendimentos entre Ricardo Salgado e José Maria Ricciardi, mas os membros do conselho superior tinham oportunidade de corrigir estas atas e todos sabiam, incluindo o ex-presidente do BES, que estavam a ser gravados.
Testemunhou que era visto como uma pessoa de confiança para todos os acionistas, e não apenas Salgado e que prestava esclarecimentos. Acrescentou que as principais linhas de estratégia eram tomadas no conselho superior e que todos participavam na decisão.
Espanto face a declarações do contabilista que o envolviam na falsificação de contas
Machado da Cruz, o contabilista da ESI, reportava ao conselho de administração e podia fazer operações sem o conhecimento de Castella que recusa responsabilidades na área contabilística do grupo. O tesoureiro afirma que só teve conhecimento das declarações do contabilista aos advogados do Luxemburgo que o comprometiam na ocultação de contas da Espírito Santo Internacional, pela notícia do Expresso. E ficou espantado. Mas não tomou medidas contra o contabilista que é ouvido esta quinta-feira, também à porta fechada. Castella não se recorda das reações dos membros do conselho superior quando o passivo oculto da ESI foi revelado por Ricardo Salgado.
Questionado sobre as funções e acionistas de sociedades que representa ou onde está nos órgãos sociais, responde que não sabe ou que está em segredo de justiça. Na maioria destas sociedades, algumas offshore, partilhava as administrações com Machado da Cruz. Uma destas sociedades, a ESI BV, foi usada para pagar remunerações a administradores.
Sobre o contrato promessa de venda da Escom, diz que o pagamento inicial recebido, de 57 milhões de euros, destinou-se a liquidar dívida da Espírito Santo Resources, a acionista, e não foi para Ricardo Salgado. A avaliação foi feita pelo BESI. O banco de investimentos liderado por José Maria Ricciardi fazia as avaliações das empresas e ativos do grupo.
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