antigo conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos,
Professor de Política Externa Americana na Universidade Johns Hopkins.
02 Janeiro 2015, 12:19 por Zbigniew Brzezinksi
Uma conversa com Zbigniew Brzezinski, antigo conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos e actual professor de Política Externa Americana na Universidade Johns Hopkins
Com a invasão da Rússia à Ucrânia e a anexação da Crimeia, a desintegração do Iraque e das fronteiras da Síria e o aumento da assertividade da China nos mares do sul e do leste, a era do pós- Guerra Fria parece ter terminado em 2014. Isso é verdade?
O pós-Guerra Fria não foi verdadeiramente uma "era", mas antes uma transição gradual de uma Guerra Fria bilateral para uma ordem internacional mais complexa que ainda envolve, em última análise, duas potências mundiais.
Em resumo, o eixo decisivo da nova ordem envolve cada vez mais os Estados Unidos e a República Popular da China.
A concorrência Sino-Americana envolve duas realidades significativas que a distinguem da Guerra Fria: nenhuma parte é excessivamente ideológica na sua orientação; e ambas as partes reconhecem que precisam verdadeiramente de adaptação mútua.
O suposto "pivot para a Ásia" da América deu lugar em 2014 às crises na Ucrânia e no Médio Oriente.
Em que medida a incerteza sobre o compromisso dos Estados Unidos na Ásia alimentou a tensão entre a China e os aliados asiáticos da América?
Discordo das premissas da questão.
Penso que a América deixou muito claro que é do interesse quer dos Estados Unidos quer da China evitar situações em que eles possam ser colocados em rota de colisão.
As indicações recentes de algum diálogo inicial entre a China e a Índia, e entre a China e o Japão, sugerem que a China também percebe que a escalada de mágoas antigas não é do seu interesse.
O problema mais sério com o "pivot para a Ásia" foi a sua actual redacção, que implicou uma postura militar desenhada para "conter" ou "isolar" a China.
Os chineses têm vindo a perceber mais claramente que não estávamos deliberadamente a tentar isolá-los, mas tivemos uma participação na prevenção de colisões no Extremo Oriente que poderiam provocar repercussões mais amplas.
Xi Jinping usou a sua guerra contra a corrupção para concentrar mais poder nas suas mãos do que qualquer outro líder chinês desde Deng Xiaoping, há 30 anos.
Com vê a evolução da presidência de Xi?
O poder na China é definido algo informalmente e os seus limites são definidos mais por realidades políticas do que por acordos constitucionais.
Isso faz com que seja difícil dizer se o poder de Xi é maior do que qualquer outro líder chinês desde Deng.
Tem certamente uma personalidade autoritária e, sem dúvida, é mais activo na cena internacional do que alguns dos seus antecessores.
Também tem sido muito decisivo no ataque à crescente corrupção que se tornou uma fonte principal de mal-estar interno, alcançando ainda os níveis mais elevados de governo.
A esse respeito, pode ser argumentado que o seu poder é ainda mais amplo do que o dos seus antecessores, mas de forma justa deve também ser notado que os padrões de corrupção que os seus antecessores enfrentaram não foram tão agudos e amplos como eles se tornaram nos últimos anos.
Ao mesmo tempo, a ênfase crescente dos jornais do partido na proposição de que as forças armadas da China devem ser vistas como servos do Partido Comunista e não apenas da nação, parece sugerir preocupação de que os militares podem estar a desenvolver a sua própria visão sobre os assuntos internos da China, além de proclamar o aumento da assertividade da sua responsabilidade pela segurança nacional.
A elite do partido, muito compreensivelmente, não a considera tranquilizadora.
Pode o regime do presidente da Rússia, Vladimir Putin, suportar um período prolongado de preços baixos de energia e sanções do Ocidente?
Que riscos vê emergir de que a economia da Rússia deverá continuar a cair, com Putin a ser cada vez mais incapaz de recompensar a sua base política?
Há, claro, o perigo de que em algum ponto Putin possa escolher lançar-se e criar uma crise internacional verdadeiramente grande e talvez precipitar alguma nova forma de guerra directa Este-Oeste.
Mas para o dizer, é preciso assumir que, em certa medida, ele próprio é desequilibrado e deslocou-se de uma espécie de guerra de guerrilha contra o Ocidente, sempre com alguma possibilidade de retiro, para o combate total.
O resultado disso seria inerentemente imprevisível, mas provavelmente, em qualquer caso, destrutivo para o bem-estar da Rússia.
Se a economia da Rússia continuar a cair, e se o Ocidente for bem-sucedido a dissuadir Putin de um maior isso da força, ainda é possível que alguma resolução aceitável (uma forma que recomendo publicamente ao falar sobre o modelo finlandês) pode ser artificial. Mas isso depende, por outro lado, da firmeza do Ocidente ao suportar os esforços da Ucrânia para se estabilizar a si própria.
Na sequência da retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão e Iraque, grande parte do mundo agora percebe que os Estados Unidos estão num período de retiro similar ao da era do pós-guerra do Vietname.
Estão os Estados Unidos a abraçar uma forma de neo-isolamento?
Ou vai a aparente viragem americana ser assim tão breve como foi depois do Vietname?
Não acredito que os Estados Unidos estejam num "período de retiro".
O facto que interessa é que a redistribuição de poder mundial produziu uma situação em que os Estados Unidos não são mais hegemónicos.
Os Estados Unidos têm de reconhecer o facto de que o mundo é agora muito mais complexo.
O alastrar do conflito pelo Médio Oriente é actualmente precipitado pelo aumento do sectarismo religioso mais do que pelo intervencionismo americano.
Nestas circunstâncias voláteis, deve ser dada maior atenção aos interesses nacionais de países como a Turquia, Irão, Arábia Saudita, Egipto e Israel.
Da mesma forma, não deve ser permitido que os interesses de qualquer um deles se tornem do total interesse dos Estados Unidos.
O que pode surpreender o mundo em 2015?
Talvez o reaparecimento gradual na Rússia de uma classe média liberal mais assertiva politicamente.
A classe média começou a ter um papel mais significativo na definição da política russa interna e internacional sob a liderança de Dmitri Medvedev.
Com o regresso de Putin ao poder e ao seu recente aventureirismo, foi colocado de lado pelo deliberadamente despertado e intensamente estimulado chauvinismo nacional.
Acenar uma bandeira chauvinista, no entanto, pode não ser a melhor solução para lidar com problemas internacionais, especialmente se o Ocidente for inteligente e unido.
A classe média russa, muito naturalmente, deseja viver numa sociedade como a da Europa Ocidental.
Uma Rússia que gradualmente começa a gravitar à volta do Ocidente vai também ser uma Rússia que deixe de perturbar o sistema internacional.
Zbigniew Brzezinksi, antigo conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, é professor de Política Externa Americana na Universidade Johns Hopkins.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
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Tradução: Raquel Godinho
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