DESTAQUE - NACIONAL
Sócrates está detido, mas – seja qual for o resultado do processo em que é visado – o povo aponta o dedo a muitas outras figuras públicas que, com políticas mais do que discutíveis, contribuíram para o estado a que Portugal chegou. Nem o actual primeiro-ministro escapa. O DIABO recorda algumas das decisões e ligações políticas dos primeiros-ministros portugueses que marcaram as últimas quatro décadas.
A memória não pode ser assim tão curta.
Recuemos até à noite da derrota eleitoral do PS, em 2011.
Uma pergunta da Rádio Renascença a José Sócrates sobre a sua relação com a Justiça indignou o líder socialista e os seus apoiantes.
A jornalista questionou Sócrates sobre se temia que a sua saída da vida política pudesse abrir a porta a futuros processos judiciais.
Na resposta, entre muitos apupos à repórter, Sócrates afirmou que não conseguia compreender a pergunta, porque “a justiça nada tem a ver com a política”.
“O que eu desejo é viver num país onde essa separação seja absolutamente ao serviço do Estado de Direito”, disse.
E rematou: “É melhor passarmos a outra pergunta”.
Passemos então a outras questões: será José Sócrates o único a ter-se aproveitado, alegadamente, do poder em proveito próprio?
O único com projectos ruinosos para o País como as PPP ou a intenção de construir linhas de TGV? Ou terá sido também o único a apoiar dez estádios para o Euro 2004?
A verdade é que já lá vão 40 anos de uma gestão ruinosa do País – e praticamente nada se fez para arrepiar caminho.
E quando a Justiça avança, parece fazê-lo em jeito de revolta para tomar um poder que em teoria já seria o seu.
Avança contra o poder político em nome da separação de poderes de que José Sócrates falava em 2011 e que agora, em cartas enviadas a partir da prisão, ele próprio parece criticar.
Procurar os responsáveis pela crise de hoje é um exercício pouco compensador.
Olhar para as decisões tomadas há décadas à luz da História actual pode ser injusto.
No entanto, há factos que a na óptica da moralidade comum e da revolta popular não podem ser varridos para debaixo do tapete.
O poder judicial não tem aceitado tal missão – excepção feita agora com Sócrates – e não caberá por certo ao jornalismo passar sentenças.
Mas há exercícios que ainda assim devem ser feitos e que não deixam de ser reveladores da triste e degradante realidade lusitana.
O histórico socialista
Mario Soares foi, no pós 25 de Abril, o primeiro grande decisor político.
Numa primeira fase, os governos não se aguentavam mais do que um ano e sucediam-se os Executivos de iniciativa presidencial.
Neste apanhado somos obrigados a relembrar os “retornados” de Angola e Moçambique, que chegaram à Metrópole espoliados de tudo o que haviam construído em África.
Os tempos eram outros.
Os jornalistas não investigavam como fazem hoje, os meios eram escassos e era mais fácil esconder acções.
Ainda assim, muitas são as histórias contadas sobre o fundador do Partido Socialista, que nunca foi julgado ou acusado judicialmente.
Mário Soares assumiu-se como “o homem dos americanos” e da CIA em Portugal.
Dos mesmos americanos que acabavam de conceber, financiar e executar o golpe contra Salvador Allende no Chile e que colocaram no poder Augusto Pinochet.
Anos mais tarde, Rosado Correia, que fora ministro de um governo chefiado por Mário Soares, vinha de Macau para Portugal com uma mala com dezenas de milhares de contos. A proveniência do dinheiro era tão pouco clara que um membro do governo de Macau foi a correr ao aeroporto tirar-lhe a mala à última hora.
Parece que se tratava de dinheiro que tinha sido obtido junto de empresários chineses com a promessa de benefícios indevidos por parte do governo de Macau.
Para quem era esse dinheiro foi coisa que nunca ficou devidamente esclarecida.
O caso Emaudio (e o célebre fax de Macau) é um episódio que envolve destacadíssimos soaristas, amigos íntimos de Mário Soares e altos dirigentes do PS da época soarista.
Ainda hoje subsistem muitas dúvidas (e não só as lançadas pelo livro de Rui Mateus) sobre o verdadeiro destino dos financiamentos vindos de Macau.
No entanto, em tribunal, os pretensos corruptores foram processualmente separados dos alegados corrompidos, com esta peculiaridade (que não é inédita) judicial: os pretensos corruptores foram condenados, enquanto os alegados corrompidos foram absolvidos.
Mário Soares utilizou mais tarde o cargo de Presidente da República para passear pelo estrangeiro como nunca ninguém fizera em Portugal.
Ele, que tanta austeridade impôs aos trabalhadores portugueses enquanto primeiro-ministro, gastou, como Presidente da República, milhões de contos dos contribuintes portugueses em passeatas pelo mundo, com verdadeiros exércitos de amigos e prosélitos do soarismo.
Cavaco, o eterno político
Anibal Cavaco Silva na lista de responsáveis pelos desígnios da Pátria seguem-se vários outros nomes.
Logo a destacar o de Aníbal Cavaco Silva, primeiro-ministro entre Novembro de 1985 e 28 de Outubro de 1995, referente a três governos constitucionais.
É o político que mais tempo governou Portugal desde o 25 de Abril.
Foi Cavaco Silva o pai da criação de milhares de “jobs” para os “boys” do PPD/PSD.
Além de ter inserido outros milhares de “boys” a recibos verdes no aparelho do Estado.
Foi no “consulado cavaquista” que começou a destruição do aparelho produtivo português. Em troca dos subsídios diários vindos da então CEE, começou a aniquilar as Pescas, a Agricultura e alguns sectores da Indústria.
Ou seja: começou exactamente com Cavaco Silva a aniquilação dos nossos recursos e capacidades.
Ainda que agora o Presidente venha reclamar que é necessário regressar à terra.
Ironias.
Quando acabaram os subsídios da CEE, onde estava a modernização e o investimento das empresas?
Quanto às empresas, faliram quase todas.
Os trabalhadores foram para o desemprego, os “chico-espertos” que desviaram o dinheiro continuaram por aí como se nada se tivesse passado.
Não há responsáveis acusados, nem politicamente nem judicialmente.
Muitos dos amigos de Cavaco Silva andaram às avessas com a Justiça.
É o caso de Oliveira e Costa – secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo cavaquista entre 1985 e 1991 – que teve de responder no famoso caso BPN.
Dias Loureiro também esteve associado aos crimes financeiros do BPN, com ligações ainda não clarificadas ao traficante de armas libanês, Abdul Rahman El-Assir, de quem é grande amigo.
Foi conselheiro de Estado por nomeação directa de Cavaco Silva, função que ocupou com a “bênção” de Cavaco até já não ser possível manter o lugar devido às pressões políticas e judiciais.
Encontra-se hoje, muito confortavelmente, a viver em Cabo Verde.
Quanto ao BPN, há ainda a dizer que Cavaco Silva e a filha foram, entre 2001 a 2003, accionistas convidados da SLN, detentora do BPN, lucrando cerca de 357 mil euros. Alberto Queiroga Figueiredo, presidente da SNL Valor e integrante da Comissão de Honra da recandidatura de Cavaco Silva a Belém, reconheceu que o presidente teve acesso a informações privilegiadas, que outros accionistas não tiveram, sobre o que poderia acontecer ao BPN, precipitando a venda desses activos.
Cavaco Silva comprou as acções a 1 euro, logo seguido por um aumento de capital subscrito a 2,20 euros por acção, tendo no final recebido 2,40 euros por cada uma.
Quantos aos amigos, não nos podemos esquecer de Ferreira do Amaral, ministro das Obras Públicas do governo cavaquista, que assinou os contratos de construção da Ponte Vasco da Gama com a Lusoponte, e a concessão (super-vantajosa para a Lusoponte) de 40 anos sobre as portagens das duas pontes de Lisboa.
Ferreira do Amaral assumiu o cargo de presidente do conselho de administração da Lusoponte.
O socialista Guterres
Nesta história há ainda lugar para António Guterres.
Talvez dos poucos a quem não é apontado tanto o dedo.
Ainda assim, está bem longe de não ter responsabilidade no estado a que o País chegou.
A ideia de que podia haver auto-estradas gratuitas é uma ideia típica do guterrismo. Nesse período, o PS elevou ao máximo o dogma de que o Estado pode dar tudo às pessoas.
Desde o rendimento mínimo, através de Ferro Rodrigues, até às SCUT, pela mão de João Cravinho. António Guterres fez do Estado o Pai Natal dos portugueses.
Criou-se a ideia de que tudo era de borla.
Foi esta sorridente maneira de governar que criou o tal “pântano”.
E quando viu a sua obra pantanosa, Guterres abandonou o país de forma inacreditável.
Aliás, foram estas obras do tempo do guterrismo que deram origem a muitos dos problemas actuais do País.
Quando abandonou Portugal, António Guterres foi receber cerca de 240 mil euros de salário anual como Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.
O ex-governante português teve direito a casa em Genebra, com motorista oficial e a segurança garantida pela polícia de Genebra, cidade internacionalizada, dado o grande número de organizações ali sediadas.
Durão, o europeu
O Bloco de Esquerda quis chamar Durão Barroso para depor perante a comissão parlamentar que investiga a aquisição de equipamentos militares (aeronaves EH-101, P-3 Orion, C-295, F-16, torpedos, submarinos U-209 e blindados Pandur II).
A proposta acabou por ser aprovada por unanimidade.
Em contrapartida, a bancada do PP exigiu a presença de António Guterres.
E também esta foi aprovada.
Ainda que ambos tenham negado envolvimento no processo de aquisição.
Aliás, Durão Barroso entrou na governação a criticar Guterres: “Os senhores [do PS] deixaram Portugal de tanga”. O então primeiro-ministro culpou o anterior Governo pelo estado das contas públicas, revelando que a derrapagem em 2001 foi de 2.244 milhões de euros, um valor suficientemente preocupante para “se tomar medidas de contenção na despesa pública” e de não se poder aplicar a redução de impostos, tal como tinha sido prometido durante a campanha eleitoral para as legislativas de Março.
Como primeiro-ministro, Durão Barroso destacou-se pela política de contenção da despesa pública (tendo como ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite) e pelo apoio à invasão do Iraque em 2003, uma decisão que, de acordo com as sondagens, era contrária à opinião da maioria dos portugueses.
Mas também Durão tem culpas no cartório.
Nos casos “swap”, Manuela Ferreira Leite não hesitou em dar luz verde numa operação que visava manter o défice abaixo dos 3% em 2003, mas que se revelou ruinosa, tal como quase todos estes contratos.
No contrato assinado entre o Governo PSD/CDS e o Citigroup, o Estado português recebeu 1,76 mil milhões de euros por dívidas fiscais e à Segurança ainda por cobrar, prevendo que seria necessário substituir 3% do pacote vendido ao gigante financeiro internacional.
Mas as contas estavam feitas por baixo, muito por baixo: essa taxa de substituição acabou por ser muito superior, comprometendo a receita fiscal nos anos seguintes.
A substituição das dívidas incobráveis, o juro implícito da operação (calculado em 17,5% pelo Tribunal de Contas em 2010) e as generosas “despesas de operação” pagas ao Citigroup levaram o Estado a antecipar o fim desta operação em 2011, calculando o valor total das transferências para o Citigroup em mais de 2 mil milhões de euros.
A chegada de Passos
Passos Coelho chegou e pouco pôde fazer, com uma “troika” às costas que ele próprio ajudou a meter no País.
Há, no entanto, duas frentes de batalha na história de Pedro Passos Coelho.
A primeira é a onda de privatizações levadas a cabo pelo primeiro-ministro, a segunda a história da Tecnoforma.
De lado fica a ligação a Miguel Relvas e a todas as histórias do homem de liderava a máquina do PSD.
No que à Tecnoforma diz respeito, a história caiu mais ou menos no esquecimento, mas ninguém ficou esclarecido.
Ao que parece, o primeiro-ministro terá recebido pagamentos do grupo Tecnoforma no valor de mais de 150 mil euros entre 1995 e 1998, quando era deputado em regime de exclusividade.
Segundo noticiou a revista “Sábado”, a denúncia chegou “este ano” à Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, e está a ser investigada pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP).
Em causa estão, segundo a revista, pagamentos de cinco mil euros mensais não declarados pelo actual primeiro-ministro ao fisco, recebidos entre 1995 e 1998.
Passos era deputado com exclusividade (proibido de acumular outros rendimentos no Estado e associações públicas e privadas mas com rendimento mensal de mais 10%) e na altura presidia a uma organização não-governamental, o Centro Português para a Cooperação.
Segundo a Sábado, esta ONG foi concebida pelo grupo Tecnoforma “para obter financiamentos comunitários destinados a projectos de formação e cooperação”.
Quanto às privatizações, o futuro ainda vai fazer correr muita tinta sobre quem realmente teve vantagem em vender património português a interesses estrangeiros.
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