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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O combate dos primos

Texto: Filipe Santos Costa e Isabel Vicente
10 de Dezembro de 2014

Por um dia, a comissão de inquérito ao BES transformou-se numa espécie de ringue de boxe. Uma luta entre primos, entre banqueiros e duas versões da realidade. Eis as principais divergências. Tão fundas que concluímos que não houve um fim do BES - houve dois: o que é contado por Salgado e o que é relatado por Ricciardi.

Ao longo de quase 10 horas e três rounds de perguntas, Ricardo Salgado contou, esta terça-feira, a sua versão sobre a queda do BES. Sem mea culpa, de dedo apontado ao Banco de Portugal, ao Governo, ao contabilista, a Álvaro Sobrinho.
Mal se levantou, sentou-se na mesma cadeira José Maria Ricciardi, o homem que desafiou o poder do antigo homem-forte do BES. E, também em três rounds, que duraram mais de seis horas, desmentiu praticamente tudo o que o primo tinha acabado de contar aos deputados. 
As duas versões não podiam ser mais distantes.
A sala 6 das comissões parlamentares transformou-se numa espécie de ringue de boxe.
As comissões de inquérito não prevêem a possibilidade de acareações, mas o alinhamento de Salgado e Ricciardi no mesmo dia cumpriu o objectivo: foi o mais parecido possível copm um frente a frente.
Saiba quais foram as principais contradições nos depoimentos dos dois Espirito Santo - dos culpados sobre o fim do BES até ao gravador que estava em cima da mesma mas só um viu.

SALGADO
"Estou de consciência tranquila [sobre erros de gestão]", garantiu Ricardo Salgado.  
Apesar de admitir, genericamente, que possa ter cometido erros - os crimes ou irregularidades, estão por ser apurados - frisou que "em 40 anos de actividade bancária não tenho nada de que me arrependa".
Apesar de não esconder o "peso" por o grupo que dirigia ter "soçobrado", lembrou que não era um homem só.
"O GES era composto por cinco grupos paritários, em que ninguém tinha supremacia de voto."
Nada mais errado contestou Ricciardi: "O dr. Ricardo Salgado que era quem tomava as decisões centrais do grupo de forma centralizada e absolutamente unilateral."
O "Dono Disto Tudo", como lhe chamavam?
"Nunca fui, nunca pensei ser dono disto tudo", respondeu o próprio.

RICCIARDI
"O dr. Ricciardi teve um comportamento, no mínimo, muiyto curioso em relação àquilo que deveria ter sido. (...) 
Certamente se fez alguma denúncia ao BdP é capaz de ter tido alguma contrapartida por isso", afirmou Salgado, quase ao fim de 10 horas de audição em que se tinha comprometido a preservar a imagem da família.
"Considero essa afirmação uma verdadeira infâmia", respondeu o primo José Maria.
"Tenho plena consciência de ter denunciado, quer internamente, quer perante a entidade reguladora, as situações duvidosas com que fui confrontado assim que tive conhecimento delas", explicou Ricciardi, lembrando que na posição em que estava "não basta não ter participação nos actos eticamente reprováveis ou mesmo ilícitos: é obrigatório, quando se tem conhecimento, não só se opor mas também denunciar os factos à entidade reguladora.
Foi o que fiz."

O DESVIO
Salgado garantiu aos deputados que na queda do BES - nomeadamente no buraco da ESI - não houve desvio de dinheiro.
"Não houve desvios de capital para fora do banco", "ninguém se apropriou de um tostão, nem na Administração, nem na família nem nos quadros directivos", jurou.
Ricciardi mostrou-se certo do contrário: "Se havia opacidade, havia, e havio desvio."

O CONTABILISTA
A descoberta de 1,2 mil milhões de passivo escondido nas contas da Espirito Santo Internacional (ESI) foi uma das questões incontornáveis da audição - sobretudo tendo em conta que Francisco Machado da Cruz, o contabilista da ESI, corresponsabilizou Salgado por essa ocultação.
"Nunca dei instruções a ninguém para ocultar passivos do grupo, que fique bem claro", jurou o banqueiro, apontando o dedo ao commissaire aus comptes, que "uns dias diz umas coisas e outros dias diz outras".
"O que me parece é que o dr. Mavhado da Cruz fez isto para tentar ajudar o grupo, mas acabou por sair descontrolado", disse Salgado, garantindo ter ficado "muito surpreendido" com o buraco escondido.
"A liderança [de Ricardo Salgado] era centralizadora e indiscutível, não havia nada que não passasse pelo líder", reagiu Ricciardi, confessando-se "muito surpreendido que ninguém soubesse de nada e que a culpa seja do contabilista".
As questões financeiras, contou Ricciardi, eram tratadas entre Salgado, Machado da Cruz e José Castela.
"Como é que uma governance em que os mais ínfimos pormenores são decididos pela mesma pessoa, quando estamos a falar de passivos de milhões de euros essa pessoa não sabe de nada?"

O BANCO DE PORTUGAL
O regulador foi o principal alvo das críticas de Salgado.
"O que pedimos ao BdP foi tempo, e tempo foi o que não foi dado."
Por a instituição impor condições "inexequíveis" para reduzir a exposição do BES às empresas do grupo; por ter desenhado um ring fencing que "foi um constrangimento terrível e impediu a recuperação" do ramo não-financeiro; por exigir provisões consideradas exageradas, por não ter dado a Salgado o tempo que este pedia, por ter apostado no remédio errado...
"O Banco de Portugal acreditava que mudando a gestão do BES, resolvia o assunto".
Depois, Carlos Costa inviabilizou asolução de sucessão escolhida por Salgado (Morais Pires e Isabel Almeida) - "começa aí o descalabro das acções do BES - e impôs provisões excessivas.
Por fim, a resolução, que "leva ao descalabro final".
Conclusão de Salgado: O que parece é que isto estava tudo mais ou menos orientado para o mesmo" - o BES "não faliu, o BES foi forçado a desaparecer".
Terá sido o BdP o responsável pelo desaparecimento do BES?
"Acho isso absolutamente patético", reagiu José Maria Ricciardi.
"O BdP nunca quis destruir o BES, muito pelo contrário".
Segundo o homem do BESI, o regulador "foi até muito compreensivo, tentou fazer isto a bem dentro do que lhe permitia a lei."

O GOVERNO
"A sentença de morte veio quando não foi possível o aumento de capital da Rioforte, quando o grupo entrou em colapso", lamentou Salgado, responsabilizado o Governo por não ter providenciado junto da Caixa Geral de Depósitos um "financiamento intercalar" de 2,5 mil milhões.
O CEO do BES tentou convencer Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho, mas "deparou-se com a posição inabalável do Governo de rejeitar qualquer abertura ao apoio estatal ou bancário ao GES".
"O sr. primeiro-ministro recusou e comunicou-o à imprensa", acusou Salgado.
Nada que surpreendesse Ricciardi, que se assumiu como "amigo pessoal do primeiro-ministro há muitos anos" - Passos "sempre disse que [os problemas no grupo Espirito Santo] não era assunto que tivesse a ver com ele".
Para José Maria, o passa-culpas do primo não passa disso mesmo.
"Os accionistas do grupo é que foram responsáveis pelo que aconteceu no BES, não foi o Banco de Portugal nem o Governo."

O PLANO PARA SALVAR O GRUPO
"O problema do grupo resolvia-se com um financiamento intercalar ao GES", defendeu Salgado.
A saída para o buraco em que o grupo tinha caído era " um crédito em condições normais para um prazo médio": 2.500 milhões de euros que esperava conseguir junto da CGD, a reembolsar a cinco anos.
Nada disso, argumentou Ricciardi.
"As medidas que foram tomadas foram as mais erradas em todo este processo", e o plano de Salgado seria só cintinuar a alimentar a "bola de neve".
A solução, defendeu, tinha de ser outra: "Quando se detectou este buraco nas contas da ESI e que o buraco tinha passado um valor superior a 2 mil milhões, havia duas atitudes a tomar: alterar a governance no GES" e ter uma conversa com os credores da ESI.
"Dizia: a verdade é esta - ou nos dão mais anos para resolver isto, ou valos insolver.
Os credores, na transparência dos números decidiram se queriam dar mais tempo ou não".
Assim, a dívida não teria rolado em cascata descapitalizabdo a Rioforte, a ES Financial Group, acabando no BES.
É como num incêncio, iluatrou: se o 4.º andar está a arder, o melhor é apagar esse fogo, "mesmo que fique queimado" (a ESI), em vez de não fazer nada "e o fogo atinge todos osd andares".
A opção de Salgado, diz, foi apenas "voltar a tentar disfarcar".

A RECAPITALIZAÇÃO DA TROIKA
A decisão do BES não recorrer à linha de 12 mil milhões disponibilizada a Portugal pela troika para recapitalização da banca foi "uma decisão racional" para manter o banco em mãos portuguesas e para assegurar a estabilidade e o futuro da instituição, disse Salgado.
Não foi, garante, "fruto de uma fuga, termor ou plano secreto", para evitar que "a intervenção do Estado desvendasse segredos, manobras ou situações questionáveis", das contas do banco.
A leitura de Ricciardi é inversa.
Nas duas questões: a decisão e a razão.
Sim, o BES deveria ter recorrido ao dinheiro da troika; " Se o BES tivesse recapitalizado pelo Estado, à semelhança de outras instituições bancárias provavelmente tinha-se conseguido atacado outros problemas acima, até porque os aumentos de capital do BES também aumentaram o endividamento em cima [nas holdings do grupo].
E, sim, talvez a opção ("decidida por Salgado") tivesse sido mesmo uma forma de evitar mostrar as contas.
"Visto de agora, se calhar a entrada do Estado no banco exigiria uma transparência na gestão que não era compatível cdom a gestão que efectivamente se passava no BES"

A SAÍDA DE SALGADO
O relato de Carlos Costa, segundo o qual teria havido "um braço-de-ferro" para Salgado deixar a liderança do BES foi, segundo o banqueiro, uma surpresa.
Se houve "um braço-de-ferro" com o governador do Banco de Portugal, eu não senti".
A sua versão dos factos é outra: Costa nunca pôs em causa a sua idoneidade.
Mais: " o senhor governador nunca me disse taxativamente que eu deveria sair da Administração BES.
Disse a 19 de Junho que todas as pessoas da família, ytodas, teriam que sair da administração do BES"
"Tivesse o supervisor dito para Salgado sair, e este sairia.
Mas na hora!", enfatizou?
Será?
"Não acredito", responde Ricciardi.
"Da parte de Ricardo Salgado nunca detectei a mínima disponibilidade para qualquer alteração na governance ou para demissão do BES.
Se ele a teve, eu não me apercebi dela."

O BES ANGOLA
O BESA contribuiu para acabar de afundar o BES quando a garantia soberana assinada por José Eduardo dos Santos se esfumou após a resolução do banco.
"O que aconteceu ao BESA foi uma lástima.
E deve-se essencialmente à resolução do BES.
Por ter colocado as acções do BESA no banco mau, o que significou considerar a garantia tóxica" - decisão que, segundo Salgado, foi um mau negócio e uma "ofensa a Angola".
Mas como foi possível o BES emprestar à sua filial angola 3,3 mil milhões, sem avaliação de risco, e sem controlo do destino dado a esse dinheiro - que era, por sua vez, emprestado sem garantias, e em m uitos casos sem contratos?.
Sobre isso, Salgado pouco explicou, invocando o sigilo bancário angolano.
Admitiu apenas "um erro de julgamento" na nomeação de Álvaro Sobrinho, e imputou-lhe toda a responsabilidade - "o departamento de risco angolano foi pervertido".
A lei angolana obrigou a separar o sistema dos dois bancos, e isso impediu o BES de seguir de perto as operações.
Ricciardi contou uma história um bocadinho diferente: "Álvaro Sobrinho estava em roda livre", pois "não havia os mecanismos de controle que deviam existir e existiam para outras subsidiárias".
Mas acrescenta, não como se ninguém falasse com o banqueiro angolano - a questão é que "Álvaro Sobrinho não falava com absolutamente ninguém a não ser com Ricardo Salgado".

AS GRAVAÇÕES DO CONSELHO SUPERIOR
A divulgação do que era dito nas reuniões no conselho superior dos Espirito Santo, onde as grandes e pequenas questões eram discutidas com grande à-vontade, abriu uma janela muito indiscreta sobre a forma como o grupo era gerido.
As transcrições que têm sido divulgadas por alguns jornais resultam das gravações áudio desses encontros, mas Salgado garantiu ao deputados que não sabia que essas reuniões eram registadas.
"Dizem que eu tinha o domínio do grupo, mas posso dizer que nem sequer sabia que estava a ser gravado", disse o banqueiro.
Coisa estranha comentou depois o primo; "o secretário das reuniões era po dr. Castela, que tinha o gravador à frente, que toda a gente via.
Fico perplexo como é que algumas pessoas dizem que não sabiam que [as reuniões] estavam ser gravadas".
Na sala onde decorria a audição, toda a gente se riu. 
Salgado já longe do Parlamento, talvez não.

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