11:21 Quarta-feira 19 de novembro de 2014
FILIPE SANTOS COSTA
"Deveria receber-se diretamente o compromisso das pessoas em causa [de] que se mantêm", avisou um adjunto de Maria Luís horas antes da resolução do BES. Em causa estava a discordância da equipa de Vítor Bento sobre esta solução.
O alerta deixado pelo adjunto de Maria Luís Albuquerque dá conta da incerteza que havia nas Finanças sobre se Vítor Bento, Moreira Rato e José Honório se manteriam à frente do Novo Banco depois de terem defendido uma solução completamente diferente
Documento: email
Data: 3 de agosto de 2014
De: Francisco Soares Machado, assessor da ministra das Finanças
Para: Luís Albuquerque, ministra da Estado e das Finanças
O Ministério das Finanças sabia bem da discordância de Vítor Bento e da sua administração em relação à separação do BES em banco bom e banco mau. E poucas horas antes do anúncio público dessa solução, ainda não era certo, para a equipa de Maria Luís Albuquerque, que o sucessor de Ricardo Salgado estivesse mesmo disposto a manter-se à frente do Novo Banco. É isso que demonstra um email enviado à ministra das Finanças na madrugada de 2 para 3 de agosto (a noite antes do anúncio da resolução do Banco Espírito Santo) por um adjunto do seu gabinete.
"Deixo naturalmente à sua consideração mas creio que, previamente à discussão e aprovação, deveria receber-se diretamente o compromisso das pessoas em causa que se mantêm, mesmo estando cientes do mandato de transição que necessariamente terão", escreve Francisco Soares Machado, num email enviado a Maria Luís às 2h38 da madrugada. A comunicação em causa está entre a documentação enviada pelo Ministério das Finanças para a comissão parlamentar de inquérito ao caso BES, onde a ministra das Finanças vai ser ouvida na tarde desta quarta-feira.
O alerta deixado pelo adjunto de Maria Luís dá bem conta da incerteza que havia nas Finanças sobre se Vítor Bento, Moreira Rato e José Honório se manteriam à frente do Novo Banco, depois de terem defendido uma solução completamente diferente.
Recorde-se que, conforme o Expresso noticiou, no dia 31 de julho, perante os resultados do BES no primeiro semestre, com um inesperado buraco de 3,6 mil milhões de euros, Bento e a sua administração tiveram uma reunião no Ministério das Finanças: com os investidores privados assustados com os resultados, e sem ter como recapitalizar de imediato o banco por essa via, Bento tentou que Maria Luís concordasse com um plano de recapitalização recorrendo a dinheiros públicos.
Uma hipótese que a governante recusou. Como não houve um pedido formal, também não houve uma recusa formal - mas ficou claro que os dois lados queriam coisas diferentes.
Questionada sobre essa reunião na comissão parlamentar de Finanças, a 8 de outubro, Maria Luís desvalorizou o encontro, garantindo aos deputados que fora apenas uma conversa de "clarificação". "O que fiz nessa reunião foi explicar qual a alteração do enquadramento legal da intervenção em instituições financeiras", pois "a partir do momento em que se aprovou [na União Europeia] a diretiva de resolução bancária, não haveria o envolvimento do dinheiro dos contribuintes no sistema financeiro".
Esta foi a versão contada pela ministra aos deputados, mas a verdade é que as novas regras europeias de resgate dos bancos, em rigor, só são obrigatórias a partir de 2016. Bento e a sua equipa sabiam disso, tal como o governador do Banco de Portugal sabia disso - e foi por essa razão que Carlos Costa, numa reunião do conselho de supervisores, a 18 de julho, sugeriu à ministra (e esta aceitou) que se constituísse entre o regulador e o ministério um "grupo de trabalho para operacionalização de soluções alternativas para uma eventual recapitalização do BES com apoio público" - conforme o "Público" conta na sua edição desta quarta-feira.
Ou seja: ao contrário do que a ministra disse aos deputados, não eram razões de "enquadramento legal" que impediam a recapitalização com dinheiro público que a nova administração do BES queria que o Governo autorizasse. Foi por razões políticas. E é neste clima que chegamos ao fim de semana do fim do BES. Aparentemente com o Governo ainda sem saber se poderá contar com o rosto de Vítor Bento a credibilizar a solução encontrada.
Limite de dois anos não foi eliminado
O email do adjunto de Maria Luís não surge do nada. É nessa mensagem que segue para a ministra, em anexo, a redação final de uma alteração legislativa de última hora ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Tal como o Expresso Diário revelou esta terça-feira, esses acertos na lei, feitos noite dentro, e só aprovados num Conselho de Ministros virtual pouco antes do anúncio do fim do BES, eram importantes para definir o quadro legal em que o banco de transição iria funcionar - e, em particular, as condições para a sua futura venda.
As alterações em causa abriam a possibilidade de venda através de oferta pública de subscrição, e reconheciam à administração do banco de transição (e não apenas ao Banco de Portugal) um papel ativo nesse processo de venda. A proposta de alteração foi redigida no Banco de Portugal mas, segundo explicou depois Carlos Costa, partiu de sugestões de Vítor Bento.
Mas houve outra sugestão da administração do BES que não foi aceite - riscar o limite de dois anos para a existência do banco de transição. Isso mesmo é salientado na mensagem enviada à ministra das Finanças: "Ficou de fora a supressão da duração máxima do banco de transição".
Resumindo: Vitor Bento, José Honório e Moreira Rato tinham sido derrotados na defesa de uma recapitalização pública, viam o banco para o qual tinham entrado duas semanas antes ser dividido em dois, e eram convidados a ficar à frente do Novo Banco apenas enquanto banco de transição, com a missão de preparar a sua venda num prazo máximo de dois anos - não tendo sequer conseguido que esse limite temporal fosse eliminado.
Razões de sobra para o aviso deixado pelo adjunto de Maria Luís: "Deveria receber-se diretamente o compromisso das pessoas em causa que se mantém, mesmo estando cientes do mandato de transição que necessariamente terão". Mas, sobre isso, não chegou à comissão parlamentar de inquérito documentação das Finanças. Sabe-se apenas que a 13 de setembro o Expresso dava a notícia da saída de Vítor Bento do Novo Banco.
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