Luciana Alvarez, Nuno RIBEIRO, ANA Henrique e Bárbara REIS 03/11/2014 - 18:59 (actualizado às 23:53)
Investigações a antigos e atuais governantes timorenses podem estar na base da decisão.
O Governo português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, afirmou nesta segunda-feira que deplora a expulsão de magistrados portugueses pelo Governo de Timor-Leste.
Díli ordenou aos serviços de migração a expulsão dos funcionários judiciais internacionais, incluindo cinco juízes, um procurador e um antigo oficial da PSP, todos de nacionalidade portuguesa.
Uma resolução do Conselho de Ministros, publicada nesta segunda-feira no Jornal da República, determina a expulsão dos portugueses no prazo de 48 horas após serem notificados pelos Serviços de Migração. Do grupo de funcionários judiciais internacionais expulsos faz parte ainda um procurador cabo-verdiano. O antigo polícia português integrava a Comissão Anti-Corrupção de Timor-Leste.
O PÚBLICO sabe que entre as investigações realizadas pelos sete funcionários judiciais portugueses estão processos que envolveram responsáveis políticos, antigos e presentes, de Timor-Leste.
Um dos casos é o de Lúcia Lobato, ex-ministra da Justiça, condenada em 2013 a cinco anos de prisão por participação económica em negócio. Desta pena, a antiga membro do Governo de Díli apenas cumpriu dois anos, tendo sido indultada pelo Presidente timorense.
Os funcionários portugueses também fizeram investigações sobre a actual titular da pasta das Finanças, Emília Pires. Por fim, também foi investigada a actividade de uma terceira personalidade de Timor não relacionada com o executivo.
O facto de terem sido altos funcionários estrangeiros, embora ao abrigo de acordos de cooperação bilateral com o PNUD (agência das Nações Unidas para a cooperação), que procederam a estas investigações, provocou desagrado nalguns círculos políticos e diplomáticos timorenses. Razão pela qual o Parlamento de Díli aprovou na passada semana a expulsão de 50 funcionários judiciais estrangeiros, entre os quais os sete portugueses.
“O Governo português tem vindo a acompanhar com profunda preocupação e desconforto as decisões do Governo de Timor-Leste sobre os funcionários judiciais internacionais e respectivas assessorias (entre os quais se contam portugueses) do programa de apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ao sector da Justiça e de outros programas internacionais”, é afirmado no comunicado do Governo, divulgado no final da tarde de segunda-feira.
No texto de resposta à decisão timorense, o Governo português diz ainda que “deplora, por claramente desproporcionadas, as súbitas revogações de vistos e de autorizações de estada, que considera graves e que imputa a razões alheias ao desempenho das tarefas atribuídas aos referidos funcionários internacionais”.
“Neste âmbito, nos últimos dias foram realizadas sucessivas diligências e contactos político-diplomáticos de alto nível”, acrescenta o mesmo comunicado, que anuncia que a participação portuguesa em programas de cooperação com Timor-Leste, especialmente em programas multilaterais nas áreas da Justiça e anticorrupção, ficará a partir de agora "dependente dos esclarecimentos que venham a ser prestados pelas autoridades timorenses".
Horas depois da inesperada decisão de Díli, um alto funcionário português disse ao PÚBLICO que, na prática, o que o Governo timorense fez foi "rasgar os vistos" dos funcionários portugueses, de modo a forçar a sua saída do país. Na semana passada, houve uma primeira decisão no sentido de não renovar os contratos destes funcionários estrangeiros. Na altura, porém, o Presidente do Tribunal de Recurso timorense, o juiz Guilhermino da Silva, disse que não aceitava essa decisão do Parlamento e do Governo e deu ordem aos magistrados portugueses e ao antigo agente da PSP para continuarem o seu trabalho. A retirada dos vistos foi a resposta que o Governo timorense encontrou perante essa oposição.
Nos bastidores diplomáticos, já há algum tempo que eram conhecidos os sinais de desconforto das autoridades timorenses em relação a alguns processos judiciais em curso no país, mas não se antecipava um desfecho tão grave. Os casos incómodos envolvem suspeitas de corrupção e processos com empresas petrolíferas estrangeiras.
A ordem de expulsão também já mereceu uma tomada de posição do Conselho Superior da Magistratura de Portugal, que volta esta terça-feira a analisar o assunto. Na passada semana este organismo manifestou-se preocupado com a questão e mandatou o seu presidente para, em conjunto com a ministra da Justiça e o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, tomar as providências adequadas ao caso.
"Os magistrados portugueses foram vítimas das diferenças e divergências entre o poder político e judicial de Timor", segundo a leitura de um alto funcionário português. E do facto de, nas palavras de um conhecedor da realidade local, Timor Leste ter ainda uma "cultura democrática incipiente, que não compreende ou não aceita a separação entre os poderes político e judicial". Não é conhecida ainda a reacção do PNUD, que contratou os portugueses expulsos. Nem os efeitos internos que a decisão de Díli vai ter na sociedade timorense.
O PÚBLICO sabe que não há intenção de cancelar os muitos projectos e acordos de cooperação bilateral que Portugal tem com Timor-Leste, mas dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros a leitura que é feita é bastante crua: depois desta decisão de Díli, a relação com Timor não vai ser "business as usual".
Mario Alkatiri, ex-primeiro ministro e líder da Fretilin, citado pelo Expresso, acusa o Governo de estar a praticar "actos inconstitucionais que desacreditam o sistema e o pais e atentam contra os interesses do Estado".
Já na noite desta segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse, no Cadaval, que pretende ver “suficientemente esclarecida” a situação que levou à ordem de expulsão de funcionários judiciais internacionais em Timor-Leste.
“Esperamos que a situação seja suficientemente esclarecida”, afirmou, em declarações aos jornalistas, Rui Machete, adiantando que a questão respeita a “um problema interno” de Timor-Leste no qual os juízes portugueses “foram apanhados”.
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