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sábado, 8 de novembro de 2014

" Próximo Governo tem de ser maioritário

O Presidente da República, esta quarta-feira às 17 horas, no Palácio de Belém, onde foi entrevistado pelo Expresso: Eleições são na data prevista
ENTREVISTA
ANÍBAL CAVACO SILVA  Presidente da República
Texto: LUÍSA MEIRELES e RICARDO COSTA    Foto: ALBERTO FRIAS - 8 de Novembro de 2014
É preciso baixar a crispação, senão o diálogo pós-eleitoral será impos­sível. Para já, pode haver pontes de diálogo sobre temas setoriais, sem precisar de documentos escritos,

P -  Disse que não temos tradição de negociações. Ainda espera al­gum tipo de compromisso antes das eleições, ou só para uma fase posterior?
R - Em Portugal existe um gran­de resistência da parte das forças partidárias ao estabelecimento de compromissos políticos. Nes­sa matéria somos um caso quase único na Europa nos países da nossa dimensão. É por isso que é necessário insistir — e tenho vindo a fazê-lo. Há urna coisa de que me congratulo: o aumento substancial do número de perso­nalidades e instituições, entre elas o Conselho Económico e Social, que têm defendido publicamente a necessidade do entendimento interpartidário de médio prazo. Penso que podemos levar anos a conseguir mudar as atitudes dos principais protagonistas partidári­os até alcançarmos uma verdadei­ra cultura de compromisso, corno encontramos na Noruega, Finlân­dia. Suécia, Dinamarca, Holanda. Nem menciono o caso da Bélgica, porque bateram o recorde do tem­po de negociações.

P – E como se faz para atingir esse objetivo?
R – É preciso criar uma atmosfera que, vindo da base, chegue até às estruturas partidárias e seus di­rigentes, em que as pessoas lhes façam sentir que o país perde mui­to se não existir uma cultura de compromisso. Isto é tanto mais importante quanto temos um sis­tema eleitoral proporcional, em que é extremamente difícil que um só partido tenha apoio maioritário na AR. Um sistema proporcional como o nosso normalmente exige entendimentos para assegurar a governabilidade. O que me pre­ocupa é que hoje o diálogo em Portugal entre as forças políticas é muito mais difícil do que quan­do fui primeiro-ministro. Passei horas a negociar com o líder do PS de então [Vítor Constâncio] e com outros dirigentes, para a revi­são constitucional de 1989: acabar com a «reversibilidade das naci­onalizações, o fim do monopólio estatal da televisão, a liberalização da comunicação. Um grande número de reformas estruturais foi aprovado por larga maioria: a lei da autonomia universitária, da segurança interna e muitas. As coi­sas mudaram muito e começaram a mudar fundamentalmente no último Governo, agravaram-se as dificuldades, e mantém-se ainda.

P - Uma cultura de não negociação?
R - Penso que os debates quinze­nais começam a ser a expressão da crispação, da agressividade e até da má educação, que, depois, toma difícil o diálogo. Os diálogos que eu mantinha quando era primeiro-ministro com os líderes dos partidos da oposição eram civilizadíssimos, cordiais, com grande à vontade, mesmo com o líder do PC. E, hoje, a informação que te­nho é que é extremamente difícil.

P - No seu discurso de 10 de junho, falou mais uma vez do compromis­so, mas colocou uma meta — até ao Orçamento do Estado, isso não se verificou. Ainda há tempo para um compromisso?
R - Nesta fase em que estamos, a menos de um ano do próximo ato eleitoral, o que é fundamental é conseguir baixar o nível de cris­pação e agressividade dos debates entre as forças políticas, por forma a criar condições mais favoráveis para um diálogo interpartidário, que pode ser necessário, depois do próximo ato eleitoral. O próximo Governo, seja qual for a sua com­posição, não pode deixar de ter o apoio maioritário da Assembleia, mas, além disso, tem de assegurar uma solução governativa coerente e consistente. Tem de dar uma garantia; de governabilidade e de estabilidade política. É algo decisi­vo para o país. Não é só da minha preferência. E as pessoas têm de ter a consciência de que forçar um partido a fazer um entendimento de Governo com outro que não o queira fazer é um erro trágico. É trazer para dentro do Governo os conflitos partidários, o combate político e as guerras entre perso­nalidades, e isso é o pior que pode acontecer.

P - É por isso que pede contenção?
R - Se não houver contenção de crispação, se não acabarem os insultos nos debates, o diálogo pós-eleitoral pode ser quase impossível, desde logo pelos ressen­timentos acumulados. Eu sei o que me disseram os dirigentes da opo­sição quando o eng.º Sócrates pe­diu a demissão e discuti com eles a possibilidade de fazer um novo Governo: todos falaram da total impossibilidade, invocando o que tinha acontecido no passado! Pensa-se que, independentemente das tensões de agora, das crispações, insultos e más-educações, eles vão entenderem-se? A minha experiência diz-me que as coisas podem não ser assim. Portanto, neste momen­to é fundamental conseguir baixar o nível de crispação e de tensão partidária. E chegamos à parte do orçamento. Existe uma nova liderança no principal partido da oposição. É da maior importância restabelecer pontes de diálogo.

P - Mas pontes de diálogo sobre o quê?
R - Relativamente a matérias secto­riais que sejam importantes para o futuro do país. Não é o que tentei fazer em julho do ano passado e — por razões que devem imaginar não se concretizou (mas que um dia hei de contar na integra, tudo está documentado). São matérias como as questões europeias, os fundos estruturais, a descentra­lização de competências para as autarquias locais, a reforma fiscal já se fez no passado em relação ao IRC. Não se andam a mudar os códigos de cada vez que chega um novo Governo? O ÍRS que está ago­ra foi uma reforma, feita quando eu era primeiro-ministro, em 1989. É lógico que haja esforço de entendimento em relação a uma reforma fiscal. A instabilidade fiscal é uma das coisas de que os investidores estrangeiros se queixam. A saúde também não pode deixar de ser encarada por qualquer Governo que venha depois do próximo ato eleitoral. Isto é, devem ser estabe­lecidas pontes de diálogo e aproveitadas as matérias sectoriais que os partidos do arco do Governo reconhecem como importantes para o futuro.

P – É aí que entra a questão orça­mental?
R - Portugal é um dos países da Eu­ropa que mais dependem do exte­rior, basta ter presente que a nossa dívida pública é 128% do produto. O endividamento líquido para com o estrangeiro é mais de 100%. É muito importante, por isso, que haja uma percepção no exterior de que, qualquer que seja o Governo português, agora ou no futuro, há determinadas orientações estra­tégicas que são respeitadas. Por exemplo, a trajetória de sustentabilidade da dívida pública, o con­trolo do endividamento externo, a competitividade da economia, o respeito pelos compromissos internacionalmente assumidos. É fundamental que, no exterior, se pense, que com este ou outro Governo, os políticos portugueses aceitam que é preciso manter es­sas orientações. Ora, a discussão à volta deste orçamento não pode levar a que, no exterior, se perca esta percepção. Isto é, que quem vier a seguir faça um orçamento de rutura em relação a estas ori­entações fundamentais. O exte­rior não pode ter a percepção de que o orçamento para 2016 já não considera que é importante a sustentabilidade da dívida pública ou a competitividade...

P - E como é que isso se consegue, tendo em conta a situação atual e as tomadas de posição das forças em presença?
R - Penso que não é preciso ne­nhum documento escrito. Basta existir um entendimento implícito que leve a uma convergência de linguagem em relação a estas ori­entações estratégicas. Por terem estudado a matéria, debatido e analisado com cuidado, aqueles que pensam ser Governo conclu­em que Portugal não pode deixar de se apresentar, agora e no fu­turo, como um pais que vai atuar orçamentalmente de forma a asse­gurar a sustentabilidade da dívida pública, a controlar o endividamento externo, nem fazer opções orçamentais que ponham em cau­sa a competitividade da economia portuguesa, não vai dizer que não cumpre as obrigações internaci­onais. Aquilo que o sr. Hollande, em França, ou o sr. Benzi, em Itá­lia, foram obrigados a fazer é uma indicação para que todos vão per­cebendo que as questões são mais complicadas do que se imagina. Portanto, os entendimentos nem sempre precisam de ser explícitos. Mas, se for possível fazer alguns entendimentos em áreas secto­riais, isso facilita. Isto é da maior importância para que se chegue à campanha eleitoral de 2015 e o tom não venha pôr em causa as possibilidades de entendimento se ele se revelar necessário depois do ato eleitoral. Uma simples frase do primeiro-ministro da Grécia sobre a sua vontade de querer sair do programa de ajustamento fez com que os juros, que estavam perto de 5%, passassem para 8%! Levou pouco mais de 24 h e ele teve de vir corrigir, dizendo que iam negoci­ar um programa cautelar. Se, no nosso caso, passar uma perceção errada, a herança do próximo Go­verno, qualquer que ele seja, será mais complicada.

P - Mas foi o primeiro a dizer que o calendário dos entendimentos se esgota quando nos aproximamos dos atos eleitorais...
R - Por isso o referi. É preciso que a discussão do orçamento - e espero-o sinceramente — não leve a que no exterior se pense que Por­tugal abandona, no futuro, estas orientações estratégicas, que são acompanhadas em pormenor no exterior. Todos os dias recebo aqui relatórios internacionais sobre estas matérias. Repito: não é preciso um documento escrito neste momento.

SÓ QUEM NÃO CONHECE OS PARTIDOS PODE IMAGINAR QUE UM PRESIDENTE PODE FORÇAR OQUE NÃO QUEREM FAZER"


P - Pode patrocinar esse entendi­mento?
R - O contributo que o Presidente pode dar é, desde logo, não acica­tar os conflitos e as linguagens excessivas entre as forças políticas. E estimulá-las ao diálogo. É isso que sempre tenho feito. Mas repito: só quem não conhece os partidos é que pode imaginar que qualquer que seja o Presidente da República pode forçar o que não querem fa­zer. É um desconhecimento total da realidade político-partidária em Portugal. Tenho alguma esperan­ça de que haja um abrandamen­to da agressividade nos debates parlamentares entre as diferentes forças. Já foi um sinal positivo a forma como o PS acabou de apre­sentar o seu documento sobre a dívida pública. Penso que alguma boa informação de Bruxelas deve ter chegado a algumas pessoas que tinham dito coisas contrárias àquelas que o bom senso aconselhava e que o Partido Socialista, na sua declaração, acolheu. Temos de ter esperança. Um dia chegará a Portugal uma verdadeira cultura de compromisso, exceto se aparecerem líderes fortemente caris­máticos que consigam assegurar maiorias absolutas. Mas diz-se que isso parece difícil...

P - Provavelmente terá discutido esse assunto com o novo líder so­cialista. Parece-lhe que o PS de António Costa está interessado nesse compromisso?
R – O Presidente da República nun­ca poder fazer comentários sobre vidas partidárias. Já houve um líder partidário que se demitiu di­zendo expressamente que o fazia por interferências do Presidente da República na vida do partido — foi o Primeiro-ministro Vítor Constância. Isso nunca acontecerá comigo.

P - Mas espera pelo menos essa atitude da parte do PS?
R - Com certeza que espero. É um partido responsável e também considero responsável o seu líder. Não quero estar aqui a fazer apre­ciações, Mas não posso deixar de esperar.

P - António Costa saiu daqui de Belém dizendo que falta muito diálogo em Portugal, mas que os consensos não são em abstrato.
R - Com certeza. Podem ser, por exemplo, à volta das competências para as autarquias locais, a educa­ção, a segurança social e outras matérias.

P - E acha que essa disponibilidade também existe da parte do Go­verno, que já está em funções há três anos?
R - Não se podem atribuir as cul­pas apenas a um lado. Espero que sim, Não estou a tentar manifestar um otimismo sem qualquer funda­mento, mas a apontar aquilo que o país precisa.

P - Portanto, mantém a esperança de que apesar de entrarmos no ano que vem em atos eleitorais e da contaminação do ambiente político que daí decorrerá, estes partidos que parece já terem en­trado em campanha eleitoral, vão entender-se?
R - Como Presidente da República não posso dizer outra coisa, é uma função institucional.

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