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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

NEGÓCIOS DA CHINA

20 a 26 De Novembro de 2014
Por Sónia Sapage, José Plácido Júnior e Sara Ridrigues
Quem é António Figueiredo e porque é que o presidente do Instituto dos Registos e Notariado parece estar no centro de toda a Operação Labirinto, que resultou em onze detenções, por suspeitas de tráfico de influência, corrupção, branqueamento de capitais e peculato na atribuição de vistos dourados.

O  Instituto dos Registos e Notariado (IRN) é dono de um precioso banco de dados. Estáali registada a situação de todos os imóveis (além de outras edificações e terrenos) existentes no País. Se o imóvel se encontra ou não licenciado, se está ou não em propriedade horizontal, se impedem hipotecas ou penhoras - a tudo isto e muito mais aquele banco responde em poucos instantes. Para sinalizar rapidamente potenciais bons negócios imobiliários, em qualquer ponto do território nacionl, nada se assemelhaà mencionada ferramenta.

Com ou sem razão, quem está no métier logo selembrou deste pormenor quando, há oito dias, foi notificada a detenção do presidente do IRN, António Figueiredo, no âmbito da Operação Labirinto, da PJ e do DCIAP (Departamento Central de Investigaçãoe Acção Penal), que conduziu 11 suspeitos para interrogatório do juiz de instrução Carlos Alexandre, por indícios de corrupção, branqueamento de capitais, tráfico de influências e peculato, na atribuição de vistos Gold.

Com «uma costela de atrevido», como o descreve quem o conhece, António Figueiredo começou, de algum tempo a esta parte, a dar nas vistas, até no seu próprio círculo de amigos, pelas novas e boas relações que mantinha com indivíduos de nacionalidade chinesa. Efectuaria, aliás, uma viagem de lazer à China, de que trouxe as melhores recordações, como relatou a próximos.

Um currículo preenchido
Além do banco de dados que tinh sob a sua alçada, o presidente do IRN era ainda dono de uma rede de amizaders invejável. Mesmo sem estrangeiros à mistura.

Foi em São João Pesqueira, a 8 de Maio de 1957, que nasceu António Luís Pereira Figueiredo. Os dois anos (menos dois dias) que o separam de Miguel Macedo, nascido a 6 de Maio de 1959, não os impedirem de frequentaro mesmo curso de Direito, em Coimbra, e de formarem uma amizade que se prolongouaté aos dias de hoje e que foi uma das razões que levou Macedo a apresentar a sua demissão de ministro da Administração Interna, para proteger o Governo.

Figueiredo mantém o cargo mais elavado no Instituto de Registosd e Notariado (apenas pediu suspensão de funções) desde 2007, para onde foi nomeado  por José Sócrates e Alverto Costa. Antes disso, havia sido Celeste Cardona, ministra da Justiça, a escolhê-lo para director-geral do mesmo serviço, por indicação de Miguel Macedo, seu secretário de Estado.

Profissionalmente, passou pelas conservatórias da Lousã, de Cascais, Montemor-o-Velho, Penacova, Soure, Coimbra, Leiria, Oliveira do Hospital e Fronteira. Foi ainda notário privativo da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital. Esre currículo na área dos registos e notariado, tem~lhe valido o reconhecimento profissional dos seus pares.

As visitas de Figueiredo.
Em Março passado, António Figueiredo já surgia, nos jornais, como estando sob investigação do Ministério Público e da PJ, por alegados ilícitos relacionados com a atribuição de vistos dourados a cidadãos chineses.

Ainda assim, o presidente do IRN manteve as suas amizades privilegiadas, como por exemplo com o director do SIS (Serviço de Informações de Segurança), Horácio Pinto, fde quem era visita de casa (um apartamentyo da Expo), fazendo-se acompanhar ds filha, Ana Luísa Figueiredo, agora também envolvida no processo dos vistos dourados.

Segundo a últim edição do seminário Expresso, uma vigilância da PJ apanhou e fotografou, em Maio, a entrada de Horácio Pinto e de dois funcionários da secreta civil, «fora do horário de expediente», no edíficio do IRN. no Campus da Justiça, em Lisboa. O SIS confirmaria à agência Lusa tal diligência: feito no gabinete de António Figueiredo, a pedido deste, que suspeitava estar sob escuta de microfones presenciais dissimulados e com o computador monitorizado. A direcção da secreta civil diria que semelhantes procedimentods são efectuados em instituições do Estado, mas não concretizou, com números e factos, o esclarecimento. O certo é quem em maio, já era público, há dois meses, que António Figueiredo se encontrava sob averiguação. O que significa que o SIS, ao fazer tais varrimentos, colidiu frontal e inexplicavelmente com a PJ.
Parque das Nações. Uma das zonas da cidade de Lisboa mais desejada pelos investidores chineses.

Oa mistérios do IRN
«O IRN dreve possuir o estatuto de ministério». ironiza quem tem de trabalhar com o organismo. Pelos vários andares do seu edifício dispersam-se os serviços tutelares de todas as conservatórias do País. E, sabe-se no meio, há as «conservatórias amigas», que são aquelas que produzem registos ilegais de compras de imóveis. Mas a partir do momento em que o (a) conservador (a) os drespacha favoravelmente, tornando-se irreversíveis.

Um exemplo típico: na aquisição de um imóvel, a documentação refere que foram liquidados impostos sobre €200 mil. Mas à frente, porém, o valor da compra é fixado em €500 mil. Ou seja, sobram €300 mil para comissões, obviamente ilícitas.

Os €500 mil são o montante mínimo, quanto à aquisição de imóveis, estipulado pela lei para a obtenção do visto dourado. E é aqui que os candidatos chenises se amontoam. «Eles mostram-se muito ansiosos até conseguirem o visto gold - que é o que realmente lhes interessa, para circularem livremente pelos países do Espaço Schengen», explica um jurista conhecedor. «No que respeita às casas, mais de 90% desles arrendam-nas.»

Manuel Jarmela Palos, director nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o outro arguido sonante da Operação Labirinto (ao lado da António Figueiredo), terá dito ao juís Carlos Alexandre que altas figuras do Estado lhe solicitaram que «agilizasse» a aprovaçãoder alguns pedidos  de vistos gold. Numa consulta feita a operadores nesta área, a VISÂO apurou que, ultimamente, houve pedidos devistos dourados que obtiveram a crucial luz verde do SEF em menos de uma semana, quando o período normal é superior a dois meses. Melhor do que meia dezenas de dias, dir-se-ia, é impossível.

Renúncia relâmpago
Desde Outubro de 2012, foram concedidos 1775 vistos dourados, sobretudo a cidadãos chineses (1429). E quase todos foram atribuídos através da aquisição de imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros (1681), dizem números do SEF. Apenas 91 resultaram de transferência de capital igual ou superior a um milhão de euros. No total, o Estado viu entrar 1,075 milhões de euros de investimentos (972 milhões referentes a compra de casas).

OS VISTOS GOLD JÁ RENDERAM MAIS DE MIL MILHÕES DE EUROS AO ESTADO, 972 MILHÕES DOS QUAIS RESULTANTES DE INVESTIMENTOS EM IMOBILIÁRIO.

Neste contexto, o facto de a filha do presidente do Instituto de Registos e Notariado ter sido sócia de cidadãos chineses numa imobiliária, parece ter captado a atenção dos investigadores. António Figueiredo é casado e pai de Ana Luísa Figueiredo, sócia funfadora da empresa Golden Vista Europe, dedicada à compra, venda, revenda, areendamento de imóveis, gestão e administração de condomínios, exploração de unidades hoteleiras, organização de eventos, importação, exportação, etc.

Estranhamente, a empresária que já foi ouvida no Campus de Justiça, renunciou à sua posição na empresa a 23 de outubro de 2013, nove dias depois de ela ser constituída. E deixou a Golden Vista Europe nas mãos dos restantes sócios: os cidadãos chineses Zhu Baoe (casado com Zhu Xiao Dong) e Shengrong Lu, e os portugueses João Martins, Carlos Oliveira e Tiago Oliveira (tendos os dois últimos a mesma residência).

O papel desta empresa, sediada na Quinta da Bicuda, no precesso de venda de casas a chineses e na obtenção de vistos gold estará sob a mira dos investigadores, A VISÃO não conseguiu apurar se terãosido estes os anfitriões de António Figueiredo durante a viagem à China, mas seriam para o casal Zhu, de acordo com o Correio da Manhã, os bilhetes de futebol que Miguel Macedo alegadamente pediu a Fernando Gomes, da Federação Portuguesa de Futebol, por altura do jogo da Liga dos Campeões, em Maio deste ano. A VISÃO tentou confirmar esta informação com o ex-ministro, mas ele não quis acrescentar mais declarações.

Abra-se um parênteses para explicar que Ana Luísa era também um dos quatro sócios da empresa JMF, Projects & Business, com actividade considerada suspensa desde Março de 2013 - os outros eram Marques Mendes, Jaime Gomes e Miguel Macedo, tendo este último vendido a sua quota em 2011. Sem se saber ainda quais os reais motivos de sua detenção (se a ligação à JMF ou a qualquer outra empresa do sector farmacêutico e da Saúde a quem está ligado), Jaime Gomes, empresário natural de Aveiro, também foi presente ao juiz Carlos Alexandre nos últimos dias.

Terá sido através de Mihuel Macedo, de quem é amigo desde os tempos da JSD, que Jaime conheceu António Figueiredo e notícias recentes dão como certo que este trio se juntou, em Abril, em Islantilla, longe de «ouvidos» indesejáveis, n uma altura em que o Expresso já havia escrito sobre os cidadãos chenises que se sentiam enganados com o negócio do imobiliário em Portugal.
Miguel Macedo e Júlio Pereira. Se a cúpula do PSD lamenta asaída do ex-governante, já quanto ao dirigente do SIRP considera que está há demasiado tempo no cargo.

Sociedades e jantares
Parênteses fechado, é altura de recordar uma pequena curiosidade que liga o casal Zhu a outra pessoa chamada para depor: Maria Antónia Anes. Zhu Baoe teve uma sociedade com António Anes, marido de Antónia Anes, que foi secretária-geral do MInistério da Justiça até ser desencadeada a Operação Labirinto. A empresa de ambos era um centro de estética chamado Hora do Descanso e estava sedeada no n.º 34 da Quinta da Bicuda, exactamente na mesma morada que a Golden Vista Europe, que era também residência oficial do casal Zhu.

Apesar de não ser sócia do marido na Hora do Descanso, Maria Antónia Anes, tinha, com ele, outras empresas, como a Leite & Anes (construção de edifícios). Mas era nas suas funções públicas e políticas que a antiga secretária-geral do ministério de Paula Teixeira da Cruz se encontrava há vários anos.

As boas relações de Maria Antónia, ex-funcionária da PJ, perceberam-se pelas pessoas que recebia em casa - ficou famoso o jantar, já durante a fase de investigações, com gente da Justiça, incluindo o dirigente do SIRP, Júlio Pereira, que estará para ser substituído -, mas também pelos políticos com quem trabalhou.

Licenciada em História, em Lisboa, passou pelos gabinetes governamentais de Laborinho Lúcio (1991), Paulo Teixeira Pinto (1992), Aguiar Branco (2004) e Sofia Galvão (2005. António Figueiredo nomeou-a, por duas vezes, para a estrutura dos Registos e Notariado, em 2004 e 2010. E ela acabou por participar em quase todos os júris nos concursos recentes da Comissão de Recrutamento para a Adninistração Pública (Cresap), cujas instalações foram alvo de buscas na última terça-feira, 18, para a área da Justiça.

O Vinho 'gold'
Duas pessoas ainda não referidas foram implicadas no Labirinto:Manuel Jarmela Palos, do SEF, e Albertina Gonçalves (secretária-geral do Ministério do Ambiente, entretanto substituída). Ambos têm, também, ligações a António Figueiredo.

O primeiro terá assumido, em interrogatório, que recebeu duas garrafas de vinho oferecidas pelo presidente do IRN e produzidas na sua quinta.

Palos dirige o SEF desde 2005,onde foi sendo sucessivamente reconduzido por António Costa, Rui Pereira e MIguel Macedo, mas é funcionário na estrutura desde 1993. É oriundo da freguesia de Nave de Haver (Almeida) e mantém a pronúncia nortenha. Licenciou-se em Coimbrae foi lá director regional do centro do SEF.

A segunda é mais próxima de Miguel Macedo e desconhece-se, por enquanto, qual a sua ligação aos vistos gold. No entanto, é advogada licenciada em Direito, em Coimbra. Antes de chegar ao Ambiente passou pela Câmara de Cascais, pela Gebalis e ainda adjunta de Macedo na Justíça, de 2002 a 2004. Também foi parceira do agora ex-ministro numa sociedade de advogados.

Os escritórios de advogados podem ser, aliás, uma chave para a compreensão de como funcionam as atribuiçõesde vistos dourados.Regra geral, os estrangeiros espreitam primeiro os directórios internacionais onde estão os nomes dos maiores escritórios da praça em busca de referências e, depois, contactam-nos directamente. Nos gabinetes de topo há causídicos que falam chinês ou russo, por exemplo, exactamente para facilitar a comunicação.

Esta preatação de serviços, que pode custar entre €2.500 e €10.000 por processo, consoante a complexidade, serve para tratar das burocracias inerentes aos requisitos para atribuição do visto, como o certificado de saúde, a abertura de conta bancária ou a representação fiscal no País.

Imobiliário de luxo
Outra pista para entender a importância dos negócios dos vistos gold esta nas agências imobiliárias. Elisa Chuang, da Century 21, já vendeu 30 casas a famílias cjinesas, na zona de Lisboa, Cascais, Algarve e Porto. Natutal de Taiwan, esta agente imobiliária não teme a repercussão do cado nas vendas. «Pelo contrário, até me pode ajudar. Assim, os clientes deixam de ir às agências de emigraçãoe falam directamente connosco».

Estas agências - qu existem em todas as províncias chinesas e que, neste momento, têm como prioridade Portugal - funcionam como intermediárias, angariando clientes, mas estão «com muita má fama», segundo Elisa. «Há nuita gente a queixar-se de ter sido enganada». Também já teve conhecimento de outros lamentos n uma rede social chinesa: «Li o relatode um cliente que diz ter sido enganado em Portugal, por um advogado. Pagou € 500 mil pela casa, mas esta, afinal, valia €200 mil».

A VISÃO contactou algumas imobiliárias que comercializam casas de luxo. Estas empresas, que nunca tinham ouvido falar na Golden Vista, embora os ecos de comissões demasiado altas cobradas aclienetes já tivessem sido assunto de conversa em várias ocasiões, esperam que o Governo não mude as regras do jogo.

A atribuição de vistos gold a estrangeiros que invistam  em imóveis, veio, dizem, ressucitar um sector que estava estagnado por causa da crise financeira. «ÉR como se estivéssemos a exportar imóveis, mas eles estão cá», refere um agente que já vendeu casas a brasileiros, sul-africanos e árabes.

Na sequêncis do caso dos vistos gold, a Associação de Profissionais e empresas de Mediação Imobiliária em Portugal divulgou um comunicado em qye refuta generalizações às agências, dizendo que estas não devem «servir de bode expiatório ou de arma para batalhas políticas». E acrescenta: «O programa dos vistos dourados não é, ao contrário de algumas opiniões, um expediente facilitador do branqueamento de capitais e de outros crimes, nem é de pouca importância para o emprego em Portugal».
A justiça não o diria melhor.



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