Xanana Gusmão e Passos Coelho, em 2011, em Lisboa JOSE MANUEL RIBEIRO/REUTERS
LUCIANO ALVAREZ e LUSA 04/11/2014 - 15:00 (atualizado às 15:34)
Primeiro-ministro de Timor não partilhou informação sobre magistrados expulsos com homólogo português, porque “tinha estado atrapalhado com outras actividades”.
Xanana Gusmão afirmou nesta terça-feira que Pedro Passos Coelho o questionou por que nunca houve partilha de informação sobre a expulsão dos magistrados portugueses que estão em Timor. Numa entrevista à televisão de Timor-Leste nesta terça-feira, o líder do executivo timorense revela que ignorou os pedidos de explicação do primeiro-ministro português: "Eu disse que tinha estado atrapalhado com outras actividades."
As declarações de Xanana Gusmão adensam a polémica, depois de Díli ter ordenado aos serviços de emigração a expulsão de vários funcionários judiciais internacionais, incluindo cinco juízes, um procurador e um antigo oficial da PSP, todos de nacionalidade portuguesa.
O Governo português, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, afirmou na segunda-feira que deplora a expulsão de magistrados portugueses pelo Governo de Timor-Leste, formalizada por uma resolução do Conselho de Ministros, publicada na segunda-feira no Jornal da República.
Na entrevista, Xanana Gusmão sublinhou que Timor-Leste não tem nada contra os funcionários internacionais e que apenas defende os "interesses do povo", insistindo que a ordem de expulsão é uma questão de segurança do Estado.
"Disse que queria procurar caminhos para que os nossos recursos humanos pudessem intervir em assuntos em que ainda não conseguem [intervir] e pedi ao Governo português para mandar mentores fiscais, não apenas para o Ministério Público, mas também para o Tribunal distrital de Díli e Tribunal de Recurso, mas têm de ser mentores seniores, com muita experiência, porque o Tribunal de Recurso tem de ter capacidade e experiência", disse o primeiro-ministro timorense.
"Há algumas pessoas no Parlamento e internacionais da Austrália que dizem que isto vai desacreditar os tribunais. Nós ainda vamos traduzir estas resoluções para tétum e inglês e depois divulgar o mais rapidamente possível, mas isto não desacreditará, porque nós referimos que é apenas em relação a algumas pessoas", acrescentou.
Xanana Gusmão justificou a auditoria ao sistema judicial do país devido a falhas que foram detectadas nos processos contra as empresas petrolíferas e que fazem o Estado perder dinheiro.
"Nós vamos partilhar os erros que já foram detectados, desde a insuficiência de factos, a insuficiência de argumentação jurídica, falta de conhecimento sobre os casos, nomeadamente no que se refere aos que envolvem os contratos com as empresas petrolíferas. No final, o Estado tem de pagar", afirmou Xanana Gusmão.
Segundo o líder do executivo timorense, em todos os processos com empresas petrolíferas o "Ministério Público tem um grande desconhecimento do problema, da matéria e falta de compreensão das leis e sobre os factos existentes nos processos".
"Os internacionais foram contratados para apoiar na capacitação dos timorenses, mas acontece o contrário: ou não ensina, ou ensinam mal", disse.
Fonte do gabinete do primeiro-ministro português confirmou, entretanto, ao PÚBLICO ter recebido uma carta de Xanana Gusmão sobre a situação dos magistrados portugueses expulsos de Timor. Passos respondeu a Xanana, mas o seu gabinete não faz mais revelações sobre o assunto.
O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) e a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) emitiram nesta terça-feira notas muito duras para com o Governo de Timor-Leste.
Também nesta terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor, José Luís Guterres, afirmou que o país pretende ter magistrados que defendam o interesse nacional, mostrando desconforto com decisões judiciais favoráveis a multinacionais em processos contra o Estado timorense.
O PÚBLICO sabe que entre as investigações realizadas pelos sete funcionários judiciais portugueses estão processos que envolveram responsáveis políticos, antigos e actuais, de Timor-Leste.
Um dos casos é o de Lúcia Lobato, ex-ministra da Justiça, condenada em 2013 a cinco anos de prisão por participação económica em negócio. Desta pena, a antiga membro do Governo de Díli apenas cumpriu dois anos, tendo sido indultada pelo Presidente timorense.
Os funcionários portugueses também fizeram investigações sobre a actual titular da pasta das Finanças, Emília Pires. Por fim, também foi investigada a actividade de uma terceira personalidade de Timor não relacionada com o executivo.
O facto de a ordem de expulsão ter sido dada a altos funcionários estrangeiros, embora ao abrigo de acordos de cooperação bilateral com o PNUD (agência das Nações Unidas para a cooperação), que procederam a estas investigações, provocou desagrado nalguns círculos políticos e diplomáticos timorenses. O Parlamento de Díli aprovou na passada semana a expulsão de 50 funcionários judiciais estrangeiros, entre os quais os sete portugueses.
Além da polémica em Portugal, a expulsão destes funcionários está igualmente a agitar a política timorense. A Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), partido histórico de Timor-Leste, exorta nesta terça-feira o Governo e o primeiro-ministro, Xanana Gusmão, a “não ultrapassarem os limites da sua competência no sector” da Justiça.
O partido liderado por Mari Alkatiri, antigo primeiro-ministro, faz ainda um "veemente apelo ao Presidente da República no sentido de assumir as suas funções de garante da Constituição e do normal funcionamento dos órgãos de soberania e das instituições do Estado".
O Presidente da República timorense, Taur Matan Ruak, "está a analisar a situação, mas para já não faz qualquer comentário”, afirmou ao PÚBLICO Fidelis Magalhães, chefe da Casa Civil do Presidente da República.
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